Muito além do suco de laranja
Para além de bravatas e com olhar afiado para as conexões invisíveis que movem o mundo vejo espaço para recriar uma produtiva sinergia entre Brasil e EUA
O Brasil, uma nação muitas vezes subestimada no cenário global, carrega um peso estratégico que faz os Estados Unidos olharem para cá com atenção redobrada. Não é só o samba, o carnaval ou a Amazônia que brilham no imaginário mundial. É o que sai das nossas minas, fazendas, indústrias e laboratórios que molda a economia e a segurança do Tio Sam. Vamos por partes, porque o cardápio é farto e a conversa é séria.
Quando o assunto é níquel, nióbio, manganês, grafite e terras raras, o Brasil não é apenas um participante — é uma peça central no xadrez global. Esses minerais, que parecem jargões de química avançada, são o coração de baterias de carros elétricos, semicondutores, equipamentos de defesa e tecnologias de energia limpa.
Num mundo onde a disputa com a China por recursos estratégicos é acirrada, o Brasil surge como um fornecedor confiável, um aliado que não joga com chantagens geopolíticas. Para os EUA, que buscam reduzir a dependência de Pequim, nosso solo é um tesouro. Somos um dos poucos países com reservas abundantes e capacidade de entrega.
Suba a bordo de um voo regional nos EUA e é bem provável que você esteja voando em um jato da Embraer. Mais de 500 aeronaves da empresa brasileira cruzam os céus americanos diariamente, conectando cidades que não aparecem nos mapas dos grandes centros. A Embraer não é só uma marca; é a rainha dos jatos regionais, e os EUA sabem disso. Mais que exportar aviões, a empresa mantém uma fábrica em solo americano, gerando empregos e reforçando laços industriais. É o Brasil voando alto na terra do Tio Sam.
Agro brasileiro alimenta os EUA
Se você já tomou um copo de suco de laranja nos EUA, há 80% de chance de que ele veio do Brasil. A Flórida, outrora a meca da laranja, está em declínio, e o agro brasileiro supre essa lacuna com maestria. Mas não para por aí. Somos líderes mundiais na exportação de carne bovina, frango e soja, com os EUA como clientes de primeira hora.
Em 2023, o Brasil exportou cerca de US$ 900 milhões em carne bovina para os EUA, com a JBS, maior processadora de carne do mundo, liderando o fornecimento.
Estima-se que 7-8% do consumo de carne bovina nos EUA, cerca de 1 milhão de toneladas anuais, venha de pastos brasileiros. Isso significa que muitos hambúrgueres em redes de fast-food e supermercados têm raízes no Brasil.
A Amazônia, frequentemente chamada de “pulmão do planeta”, produz entre 6 e 9% do oxigênio global e atua como um sumidouro vital de carbono, absorvendo mais CO₂ do que emite quando preservada.
A biodiversidade da Amazônia — com cerca de 40.000 espécies de plantas e mais de 400 mamíferos — é um tesouro inexplorado. Menos de 1% das plantas amazônicas foram estudadas para compostos bioativos, que poderiam revolucionar a indústria farmacêutica com novos medicamentos. Mas o desmatamento e a falta de investimento em pesquisa sustentável limitam esse potencial.
A Amazônia abriga o maior volume de água doce do planeta. O Rio Amazonas, sozinho, despeja 209.000 metros cúbicos de água por segundo no Atlântico, representando 20% do fluxo global de água doce para os oceanos.
Num futuro em que a água potável pode valer mais que o petróleo, o Brasil, com sua vasta rede hidrográfica amazônica, está posicionado como uma potência.
A gestão sustentável desses recursos será crucial, especialmente em tempos de mudanças climáticas, mas o desmatamento e a poluição por mineração ilegal ameaçam essa riqueza.
Inovação brasileira conquista os EUA
Não nos iludamos pensando que somos apenas campos e minas. O Brasil é um polo de inovação com laços profundos com os EUA. A WEG, gigante de motores elétricos, opera uma planta na Geórgia. A GranBio, nascida no ecossistema do IPT, constrói uma biorrefinaria nos EUA focada em biocombustíveis avançados.
Marcopolo e Tupy, com fábricas no México, aproveitam a proximidade para fechar contratos com clientes americanos. O Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), criado com apoio dos EUA, colabora com a NASA em projetos como o satélite SPORT e o SelenITA, voltado para a Lua.
A Universidade Federal de Viçosa, inspirada na Purdue University, ajudou a fundar a Embrapa, que transformou nosso agro. No campus do IPT, o Google implanta um centro de pesquisa para 400 engenheiros, sinalizando que o Brasil é um hub de inovação com relevância global.
Trump desafia soberania brasileira
Apesar dessa parceria robusta, o Brasil agora enfrenta um desafio diplomático. Após manter-se discreto, o país está na mira de Trump, com ameaças de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros e acusações de uma suposta “caça às bruxas” contra aliados políticos. É o teste mais sério desde o início do segundo mandato de Trump.
O governo brasileiro respondeu com firmeza, mas sem personalizar o conflito, afirmando a independência de suas instituições. Declarações como “o Brasil é um país soberano que não aceitará ser tutelado” e referências à Lei de Reciprocidade Econômica mostram uma postura institucional.
O Brasil poderia ir além, destacando que essas tarifas violam normas da OMC, posicionando-se como defensor do multilateralismo, e reforçando a proteção a setores produtivos para conquistar apoio interno.
O México, alvo frequente de Trump, oferece lições valiosas. A presidente Claudia Sheinbaum combina firmeza e pragmatismo, rejeitando ingerências externas, mas mantendo o diálogo aberto. Essa “estratégia Sheinbaum” evita escaladas retóricas e preserva a autonomia.
O Brasil segue um caminho semelhante, mas alternativas como confronto direto, concessões servis ou silêncio estratégico não são adequadas. O confronto, como o da China, exige escala econômica que o Brasil não tem; a bajulação, vista no caso do Panamá com a saída da Iniciativa Cinturão e a NovaRota da Seda, enfraquece a posição negociadora e é inviável para um governo de centro-esquerda; o silêncio sinaliza fragilidade e desperdiça a chance de afirmar liderança.
Com um legado diplomático herdado do Barão do Rio Branco, o Brasil pode navegar essa crise defendendo suas instituições, dialogando com respeito mútuo e, se necessário, respondendo com reciprocidade, sem abandonar o multilateralismo.
Em último caso, retaliação deve ser estratégica
Na minha percepção, espero que o Brasil não precise recorrer a medidas retaliatórias para proteger sua economia e os empregos de milhões de brasileiros afetados pelas tarifas unilaterais de 50% impostas por Trump, previstas para agosto de 2025. Essas tarifas podem encarecer, por exemplo o hambúrguer nos EUA, o cafezinho, prejudicando consumidores e produtores.
A retaliação não deve seguir a lógica de “olho por olho, dente por dente”, pois a lei do talião não tem espaço na economia ou em qualquer esfera da vida moderna.
Caso necessário, o Brasil deveria adotar medidas pontuais, como taxar gigantes tecnológicas — Google, Meta, Amazon, X — ou realizar estudos rápidos e consistentes para a quebra de patentes farmacêuticas americanas. É lamentável que o coração pareça ter mudado de lugar, agora residindo no bolso, mas o Brasil deve proteger seu povo com ações estratégicas, não impulsivas.
Diplomacia brasileira brilha globalmente
A relação Brasil-EUA vai além do comércio; é uma teia de interesses mútuos em segurança, alimentação, mobilidade e tecnologia. O Brasil não é apenas um fornecedor — é um aliado indispensável. Contudo, as tensões mostram um desequilíbrio.
Tarifas como as propostas podem abalar essa parceria, prejudicando ambos os lados. A negociação, não a retaliação, é o caminho. Até as grandes potências sabem que tarifas altas são um jogo de perde-perde — o protecionismo não beneficia ninguém.
Tendo viajado por 57 países, posso afirmar: o Brasil tem uma vocação única para ser um ator global de peso. Nossa diplomacia, moldada pelo Barão do Rio Branco, é reconhecida por mediar conflitos e construir pontes, do Haiti à ONU.
A realização da Rio-92 e a futura COP-30, marcada para novembro de 2025, reforçam nosso papel de liderança em questões globais, como o clima. Essa capacidade diplomática, aliada à nossa riqueza natural e cultural, posiciona o Brasil como um protagonista no cenário internacional.
O Brasil que enxergo
A hospitalidade brasileira, mais que o futebol ou a ginga, define nosso povo e fortalece nossa imagem como parceiro confiável no mundo. Dados do IBGE mostram que o Brasil abriga 1,3 milhão de imigrantes, e o World Values Survey de 2020 revelou que apenas 5,8% dos brasileiros se sentem desconfortáveis com vizinhos estrangeiros, bem abaixo da média global de 14,2%.
Casos de xenofobia são raros e não aparecem em índices globais significativos, como os da Anti-Defamation League. Do refugiado haitiano ao investidor americano, o Brasil acolhe a todos.
Apesar dessa natureza pacífica, o Brasil enfrenta problemas pontuais. Ataques em escolas são raros — menos de 20 incidentes graves entre 2002 e 2023, segundo o Ministério da Educação, um número baixo para 200 milhões de habitantes, mas preocupante.
A intolerância contra religiões de matriz africana persiste, com cerca de 1.000 casos registrados no Rio de Janeiro em 2022, conforme a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, indicando a necessidade de políticas mais robustas. A última grande guerra do Brasil foi contra o Paraguai (1864-1870), mas nossa participação na Segunda Guerra Mundial, com 25.000 soldados enviados à Europa, mostra um histórico de engajamento limitado, mas relevante.
O World Peace Index de 2024 classifica o Brasil como o 54º mais pacífico do mundo, à frente de muitas potências. Esses casos são exceções, longe de definir uma sociedade perturbada ou belicosa.
Em cada nação que visitei, busquei o melhor — e no Brasil, o melhor é abundante. Somos um povo que acolhe, inova e protege seus recursos com crescente consciência ambiental. A Amazônia, com sua biodiversidade e rios, é um patrimônio global.
Nossa carne, aviões, ciência e diplomacia nos colocam no centro do palco mundial. O verdadeiro tesouro é nossa gente: diversa, calorosa e pronta para construir um futuro que honre sua vocação global. Que o mundo nos veja assim — e que nós mesmos nos enxerguemos com esse orgulho.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

