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Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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Mulheres do século 21 reproduzem argumentos de escravistas do século 19

Contrariadas com o projeto da equiparação salarial dizem hoje, com variações de tom, que a equivalência é um problema para as mulheres

(Foto: Marcos Santos/USP Imagens)
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Escravistas arrependidos do século 19 ficariam constrangidos com os argumentos de deputadas do século 21 contra um projeto de lei aprovado pela Câmara, que tenta equiparar salários de homens e mulheres.

Dez mulheres deputadas federais votaram ao lado de 26 homens contra a lei e usaram os argumentos de donos de escravos quando se firmava a perspectiva da abolição, na segunda metade de 1800.

Diziam os escravistas, diante da pregação de colegas desistentes de continuar explorando a escravidão, que os negros libertos correriam o risco de não ter mais ocupação. A escravidão era a garantia de que eles tinham ‘emprego’ e o que comer.

Contrariadas com o projeto da equiparação salarial dizem hoje, com variações de tom, que a equivalência é um problema para as mulheres.

No Rio Grande do Sul, o charqueador Antonio Gonçalves Chaves, de Pelotas, e o fazendeiro Luis de Freitas Vale, de Alegrete, ouviram essa ladainha.

O jornalista, historiador, político e diplomata pernambucano Joaquim Nabuco escutava essa advertência por onde andava.

Todos os três eram, pelos mais variados motivos, do econômico ao moral, desistentes da escravidão que ajudou a sustentar e enriquecer suas famílias.

O resto, da maioria que resistia a desistir da mão de obra escrava, agarrava-se às desculpas mais fáceis, como essa de que escravos livres não saberiam o que fazer com a própria liberdade, porque seriam sabotados pelos benefícios da libertação.

Há, no conjunto de argumentos de deputados e deputadas contrárias à lei, a mesma base do que Nabuco chamava de “compaixão mal colocada”.

Eles e elas são contra a equiparação salarial por se acharem defensores dos interesses de mulheres desinformadas ou sem força para defender seus interesses.

Dez mulheres deputadas se consideram protetoras iluminadas de mulheres incapazes de reagir aos desmandos dos patrões e às perdas que a equivalência pode provocar.

As mulheres seriam mandadas embora. Enfrentariam as consequências da burocracia para o empregador. Iriam se sentir inseguras, se permanecessem no emprego, e seriam maiores os obstáculos às que buscam uma vaga.

Há ainda um agravante hoje em relação aos argumentos dos donos de escravos do século 19. Os pretextos eram sustentados naquela época pelo raciocínio machista do patriarcado.

Eram argumentos de homens, dos coronéis e sinhozinhos do Brasil arcaico contrariados com a possiblidade do avanço civilizatório nas relações de trabalho.

Agora, esses são também argumentos das mulheres. E mulheres deputadas brancas representantes da elite do pensamento de direita e de extrema direita.

Esse é o argumento de Rosângela Moro, do União Brasil:

“Acredito que o PL 1085/2023 foi elaborado com boas intenções, mas na forma como projeto se encontra poderá desestimular a contratação de mulheres, causando um efeito contrário à iniciativa da proposta”.

Os escravistas diziam coisas parecidas, sempre com a prevalência do ponto de vista da tal compaixão mal colocada, que camuflava interesses nem sempre explicitados.

Os mais sinceros poderiam repetir o pretexto que Nabuco resume nesse trecho do livro “O Abolicionismo”, de 1883:

“O meu escravo vale um conto de réis, empregado nele de boa fé, ou possuído legalmente, pelo princípio da acessão do fruto. Se tendes um conto de réis para dar-me por ele, tendes o direito de libertá-lo. Mas se não tendes essa quantia ele continuará a ser meu escravo”.

O certo é que homens e mulheres que empregam mulheres querem continuar pagando menos para mulheres. Assim como os escravistas queriam manter seus escravos.

Conspirou contra o projeto de lei, aprovado pela Câmara por 325 votos, o fato de que foi uma iniciativa da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, e do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho.

Esse detalhe incomoda não só o machismo, mas direita e extrema direita que não fazem concessões a iniciativas do governo.

A deputada Any Ortiz, do Cidadania do Rio Grande do sul, uma das 10 contrárias à equiparação, é autora de lei de 2022, quando ainda era deputada estadual, que introduziu a educação financeira para crianças e adolescentes nas escolas públicas e privadas gaúchas.

As crianças podem aprender a lidar com dinheiro e salário, mas suas mães não podem dispor do mesmo salário pago aos homens.

Não há como explicar tal contradição a crianças e adultos, dentro ou fora de uma sala de aula.

(Abaixo, as 10 deputadas que votaram contra o projeto de lei da equiparação salarial das mulheres na Câmara):

Adriana Ventura (Novo-SP)
Any Ortiz (Cidadania-RS)
Bia Kicis (PL-DF)
Carla Zambelli (PL-SP)
Caroline de Toni (PL-SC)
Dani Cunha (União-RJ)
Chris Tonietto (PL-RJ)
Julia Zanatta (PL-SC)
Rosângela Moro (União-SP)
Silvia Waiãpi (PL-AP)

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