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Clodomiro Porto

Advogado

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Mulheres em 2026: o corpo no campo de batalha

Em 2026, poupem-nos dessas postagens que ridicularizam mulheres

A primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, a Janja (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O ano de 2026 chega carregado de simbolismos: conjunção de Saturno e Netuno em Áries, o ingresso do Ano da Serpente no horóscopo chinês e o predomínio da energia de Oxóssi. Previsões à parte — e sem qualquer compromisso com astrologias ou misticismos —, a única certeza que temos é a realização de mais uma eleição presidencial no Patropi. E, como sempre, as primeiras a serem atacadas não serão ideias, propostas ou programas de governo, mas sim mulheres: Michelle Bolsonaro e Janja da Silva.

Não há nenhum problema em criticá-las pelo que pensam, dizem ou defendem. Faz parte do jogo democrático. O que persiste como problema — e que deveria causar indignação coletiva — é a redução dessas mulheres (e de tantas outras) à esfera sexual, como se o valor de uma pessoa pudesse ser medido pelo que faz ou não com o próprio corpo.

A velha lógica do corpo como posse 

Desde os movimentos feministas da década de 1970, as mulheres vêm conquistando o direito de serem donas de seus corpos, mas ainda hoje, cinquenta anos depois, muitas seguem tratadas como propriedade masculina. O insulto máximo, na cabeça de não poucos, é imaginar que uma mulher tenha servido a outro homem que não o seu “amo e senhor”. Trata-se de uma mentalidade arcaica, enraizada em estruturas sociais que atravessam direita e esquerda — porque, aqui, a misoginia não tem lado: todos atacam mulheres pelo corpo, não pelas ideias.

O mais grave é que essa mentalidade convive com índices alarmantes de violência. Em 2024, foram registrados 1.459 feminicídios no Brasil — quatro mulheres assassinadas por dia simplesmente por serem mulheres. Em 2023, houve 258.941 vítimas de violência doméstica, sem contar a enorme subnotificação que marca esse tipo de crime. É impossível dissociar a cultura do insulto sexual da violência física: ambas emergem de uma mesma lógica de desumanização.

Humor, misoginia e responsabilidade

Muitos dos ataques vêm disfarçados de humor, ironia ou “brincadeira”. Outros chegam por mensagens privadas, enviadas por homens casados com mulheres admiradas, pais de moças exemplares e, não raras vezes, também por mulheres — revelando o quanto a cultura misógina pode ser internalizada.

É desconcertante perceber que, após dois milênios de história, ainda há quem não compreenda o óbvio: o caráter de uma mulher não se define por sua vida sexual, mas por seus valores, ações e comportamentos éticos. Nada, absolutamente nada, justifica reduzir uma pessoa ao que faz com o próprio corpo.

Do ponto de vista jurídico, o cenário também é claro: postagens desse tipo configuram crime de injúria, com agravante pois motivado pelo gênero, e podem gerar indenização por dano moral. Ainda assim, a sensação de impunidade parece fortalecer a continuidade desses ataques.

Um pedido para 2026

Diante disso, deixo um pedido simples aos leitores: em 2026, poupem-nos dessas postagens que ridicularizam mulheres. Não compartilhem ofensas travestidas de piada, não ajudem a perpetuar uma cultura de violência simbólica. Essas mensagens não diminuem as mulheres que pretendem atacar; diminuem apenas quem as envia.

Se quisermos um país verdadeiramente democrático e civilizado, não há espaço para transformar o corpo feminino em arena de disputa política. O debate público precisa evoluir. E essa evolução começa no respeito básico — aquele que, por incrível que pareça, ainda falta a muitos.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.