Multilateralismo verdadeiro em ação: o plano do BRICS no Rio para o Sul Global
A 17ª Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro representa um avanço importante na busca por uma ordem mundial mais justa e equitativa
A 17ª Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro chegou ao fim deixando uma marca indelével no cenário da governança global. A histórica “Declaração do Rio de Janeiro”, assinada pelos líderes do bloco expandido, é um chamamento decisivo por uma ordem mundial mais inclusiva, justa e sustentável. Para o Sul Global, os resultados da cúpula representam um momento decisivo: uma manifestação concreta do anseio antigo por um sistema de relações internacionais alinhado com as realidades do século XXI.
No cerne da Declaração do Rio está o conceito de “multilateralismo verdadeiro”, termo que vem ganhando força no discurso dos países do Sul Global e que contrasta nitidamente com o multilateralismo seletivo e, por vezes, autocentrado praticado por algumas potências ocidentais. Esse multilateralismo, promovido pelas nações do BRICS, está ancorado nos princípios inabaláveis da Carta das Nações Unidas: igualdade soberana, não interferência e resolução pacífica de disputas. Trata-se de uma visão de mundo em que os assuntos internacionais são conduzidos por deliberação coletiva, onde o destino das nações é moldado por todos, em favor de todos.
Esse sentimento foi reforçado pelo presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que, em seu discurso na cúpula, sublinhou a necessidade de uma “nova realidade multipolar para o século XXI”. Para Lula, o multilateralismo verdadeiro é uma necessidade pragmática em um mundo assolado por crises em cascata — das mudanças climáticas às pandemias, da instabilidade econômica aos conflitos geopolíticos. Trata-se de um antídoto contra o “unilateralismo, protecionismo e hegemonismo” que ameaçam desfazer décadas de avanços e mergulhar o planeta em uma nova era de incerteza e instabilidade. A Cúpula do Rio foi, portanto, uma demonstração de compromisso coletivo para abrir caminho a um futuro mais equitativo e próspero, onde as vozes do Sul Global não sejam apenas ouvidas, mas consideradas.
Unidade diante dos desafios
A declaração conjunta do encontro no Rio é uma prova da determinação dos países do BRICS em enfrentar os desafios complexos que a comunidade internacional encara. O documento funciona como uma ampla folha de rota para reformas, um plano para um sistema de governança global mais democrático e representativo. O texto defende um sistema internacional “mais justo, equitativo, ágil, eficaz, eficiente, responsivo, representativo, legítimo, democrático e responsável”. Essa é uma resposta direta às falhas percebidas nas instituições existentes, que não conseguiram acompanhar a mudança no equilíbrio de poder global.
A declaração critica a “proliferação de ações restritivas ao comércio” — uma crítica velada às tarifas unilaterais e barreiras não tarifárias que prejudicaram as cadeias globais de abastecimento e minaram o sistema multilateral baseado em regras. A recente ameaça do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa adicional de 10% aos países alinhados com o que ele chama de políticas “antiamericanas” do BRICS, seguida pelo anúncio de novas tarifas de até 40% contra vários países — a maioria do Sul Global — reforça a urgência do apelo do BRICS por um ambiente econômico internacional mais estável e previsível. Essas ações, somadas ao recente bombardeio norte-americano ao Irã — uma violação flagrante do direito internacional e da Carta da ONU —, evidenciam os perigos do unilateralismo e da corrosão dos princípios que sustentaram a paz e a segurança globais nas últimas oito décadas.
Em resposta, os países do BRICS prometeram trabalhar juntos por um modelo de desenvolvimento mais inclusivo e sustentável. A “Declaração do Rio de Janeiro” apresenta uma série de iniciativas concretas para fortalecer a cooperação em áreas-chave como comércio, finanças, saúde e mudança climática. O bloco reafirmou o compromisso com a reforma das instituições de Bretton Woods, exigindo maior voz e representação dos países em desenvolvimento nos processos decisórios do FMI e do Banco Mundial. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), criado pelo BRICS, é apresentado como alternativa viável às instituições tradicionais, com maior sintonia às necessidades e prioridades do Sul Global.
Novos membros, novo mecanismo
A ampliação do BRICS para incluir Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e, mais recentemente, Indonésia, é um indicativo claro do crescente prestígio e influência do bloco. Essa “grande família BRICS” representa agora mais da metade da população mundial, quase 40% do PIB global (em termos de paridade de poder de compra) e se impõe como força importante no comércio e investimento internacionais. A entrada dos novos membros fortaleceu não apenas o peso econômico e político do bloco, mas também sua diversidade, ao trazer novas perspectivas e experiências.
Com a expansão, o BRICS precisou adaptar seus mecanismos internos. O grupo adotou uma abordagem “mais simples, eficiente e prática”, concentrando-se em áreas prioritárias como mudanças climáticas, governança da inteligência artificial e saúde pública global. Essa orientação pragmática tem possibilitado a entrega de resultados concretos, demonstrando a viabilidade de um modelo cooperativo baseado no consenso e na inclusão. A capacidade do BRICS de conciliar interesses diversos em sua ampla base de membros é uma prova viva do multilateralismo verdadeiro em ação. O FMI projeta que o PIB combinado dos países do bloco crescerá 3,4% em 2025, superando a média global de 2,8%. Esse dinamismo econômico, somado à influência política crescente, aponta o BRICS como um ator central na construção de uma nova ordem mundial mais justa.
Trilhando um caminho para o futuro comum
A Cúpula do Rio gerou uma série de avanços concretos com potencial para transformar a vida de bilhões de pessoas no Sul Global e além. Um dos marcos foi a criação da “Parceria para a Eliminação de Doenças Determinadas Socialmente”, iniciativa que mobilizará os recursos e conhecimentos dos países do BRICS para combater enfermidades que afetam desproporcionalmente os pobres e marginalizados. Esse compromisso com a equidade em saúde reafirma a abordagem centrada nas pessoas que orienta o bloco.
No campo do financiamento climático, os líderes do BRICS exigiram que os países desenvolvidos cumpram suas promessas de prover recursos previsíveis, adequados e acessíveis para que as nações em desenvolvimento possam mitigar e se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas. A “Declaração do Rio” também realça a importância de uma transição energética justa e equitativa, levando em conta as circunstâncias nacionais e prioridades de desenvolvimento de cada país.
Outro ponto de destaque foi a inteligência artificial. O presidente Lula afirmou que “a inteligência artificial não pode ser privilégio de poucos, nem instrumento de manipulação nas mãos de milionários”. Os líderes do BRICS assinaram uma declaração com diretrizes para o desenvolvimento e uso responsável da IA, visando garantir que essa tecnologia transformadora contribua para o crescimento inclusivo e o desenvolvimento sustentável de todos.
Em síntese, a 17ª Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro representa um avanço importante na busca por uma ordem mundial mais justa e equitativa. A “Declaração do Rio de Janeiro” traça um caminho claro para um futuro em que os princípios do multilateralismo verdadeiro não sejam apenas respeitados, mas efetivamente aplicados. O BRICS mostrou que é uma força a ser levada a sério: uma frente unida de economias emergentes e países em desenvolvimento determinados a moldar seus próprios destinos e construir um mundo melhor para todos. O caminho adiante trará desafios, mas o espírito do Rio — de solidariedade, cooperação e propósito compartilhado — oferece esperança real por um futuro mais próspero e justo para o Sul Global e para o planeta.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




