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Carlos Castelo

Jornalista, sócio-fundador do grupo Língua de Trapo, um estilo sem escritor

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Mundo bike

(Foto: Pixabay)
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Uma hora ia acontecer: ficou obrigatório todos andarem de bicicleta. Foi até mais rápido que o esperado. Talvez porque o governo chinês decidiu investir em milhares de quilômetros de ciclovias pelo Brasil e, com a construção, escoou milhões de bicicletas do Oiapoque ao Chuí. O decreto federal, na verdade, acabou surpreendendo mais os proprietários de empresas de ônibus, motoristas de carros de aplicativo e donos de automóveis particulares. Os trens e o metrô, o Estado já havia desativado. Esses indivíduos ficaram com a batata quente na mão, afinal, ninguém poderia comercializar mais veículos automotores. Era comum passar em frente à uma residência e ver uma BMW ou uma Mercedes-Benz jogadas no gramado, enferrujando.

O trânsito melhorou muito nas grandes cidades. Nada de engarrafamentos, colisões graves, atropelamentos. Por outro lado, as mortes acabaram aumentando demais pela proibição de ambulâncias com motor à explosão. Quando um cidadão precisava ir urgentemente a um hospital era conduzido numa espécie de riquixá puxado por um servidor público. Como os congestionamentos eram praticamente zero, os “mulas” chegavam bem rápido ao pronto-socorro. Mesmo assim, os índices de mortalidade eram muito superiores aos dos tempos das sirenes, ultrapassagens e finas.

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Seu Jofre era desse tempo das ambulâncias motorizadas. Do alto de seus 87 anos ainda teimava em manter o Chevette 1978, vermelho-cereja na garagem. 

A família dele, inclusive, estava muito apreensiva e com razão: seu Jofre vivia prometendo tirar o carro de casa e sair passeando por aí. Nos almoços de domingo, filhos e netos tentavam convencê-lo dos riscos daquela atitude:

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– Pai, não existem mais carros circulando, isso é uma doideira!

– Vô, pelo amor, o senhor vai preso!

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– Vozinho, vem andar de bicicleta com a gente. Por favor, vem!

Contudo, a teimosia era uma das falhas de caráter do ancião. Tanto que, naquela manhã de sábado, o ronco do motorzinho do Chevette ecoou pelo bairro da Vila Leopoldina. Seu Jofre deu ré da casinha de vila e acelerou.

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Pegou a Imperatriz Leopoldina, passou perto do Parque Villa Lobos – onde circulavam centenas de bicicletas – e virou à direita rumo à Marginal Tietê. Os ciclistas não acreditavam no que viam: um velho carro conduzido por um velho motorista no meio deles.

Marginal vazia, Seu Jofre chegou logo à Via Dutra. Iria ao Rio, como foi a última vez, no mesmo Chevettinho, na companhia de dona Ieda, sua finada esposa. Enfiou uma fita cassette no TKR, ligou o amplificador e a voz de Francisco Petrônio reverberou pelas caixas Bravox: “eu sonhei que tu estavas tão linda…”

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A Dutra sem um carro, só as bicicletinhas, lá ao fundo, passando na ciclofaixa. O sol quase igual ao daquela manhã, idos de 1985, com dona Ieda. Ah, rever o Corcovado, o Leme, Aterro do Flamengo, talvez tomar um chope no Shirley se a pressão e a glicose estivessem nos conformes…

Foi quando soou a rajada da metralhadora.

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