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Marilia Lomanto Veloso

Advogada da Bahia, Mestra e Doutora em Direito Penal, Professora aposentada da UEFS. Promotora de Justiça da Bahia, aposentada, Presidente do Juspopuli Escritório de Direitos Humanos, membro do CDH da OAB/BA, da AATR, da RENAP e da ABJD.

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Na Judeia ou no HC, Mateus...primeiro os teus

"Casos de 'fura-fila' estão acontecendo no país, todos fundamentados na máxima de salvar primeiro os seus

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Eu vou usar minha carteirinha do HC que “tô” terminando o doutorado. Deus que me perdoe mas nessa hora é salve-se quem puder. (Estudante de pós-graduação da USP) 

A voz do povo é sempre uma valiosa fonte literária quando quer dar uma “lição de moral” como senso comum, replicando, no popular, o que seriam Parábolas, narrativas alegóricas, às vezes “divinas”, mas sempre plenas de simbolismos, de lições para a vida. O Brasil abre espaços para essas metafóricas, em razão do nível de mediocridade política do governo federal, do irrefreável desmoronamento da credibilidade nas instituições, do caudilhismo explícito do “presidente”, da subserviência vexatória de militares ocupantes de cargos, e, por fim e mais greve, pela inconsequente e criminosa conduta ausente e perversa de Jair Bolsonaro e de seu Ministro da Saúde, na condução de ações de combate à Pandemia, responsável pela morte de mais de 223.945 pessoas no país (JHU.CSSE COVID-19).

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No meio desse circo de horrores e da conduta “destrambelhada” na campanha de vacinação contra o Covid-19, (que o governo tratou como “gripezinha”), um episódio lamentável ocorreu, envolvendo o Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, honroso 1º lugar no HospiRank 2020, da Global Health Intelligenence dos EUA, segundo o Jornal da USP, e o maior complexo hospitalar da América Latina, conforme o sítio na internet do governo de São Paulo). Não obstante a seriedade do fato, o lugar que o reconhecido nosocômio ocupa, o respeito que merece como centro de excelência em saúde pública, em pesquisas e em formação acadêmica, “titubeou” na conduta e permitiu que seja analisado com o discurso que “qualquer do povo” costuma palpitar quando o rigor cede lugar à soberba, ou, usando um eufemismo, “cochila” sobre o princípio da igualdade.  

Luiz Carlos Azedo tenta explicar em sua coluna a origem da expressão “Mateus, primeiro os teus!” (Nas entrelinhas: Primeiro os teus! https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/), atribuída a um episódio bíblico, mas, para o jornalista, uma derivação popular sem vínculo com os conselhos que o Mestre (Jesus) teria dado a um discípulo, cobrador de impostos em Cafarnaum. Mateus, (esse era o nome) sofria “bullying” porque, sendo judeu, servia aos romanos, os opressores.  

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O significado da expressão é egocêntrico, estimulando a conduta de favorecer em primeiro lugar os mais próximos, a parentada, os amigos. Em outras palavras, como se diz no Nordeste, “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Foi esse o comportamento do Hospital das Clínicas de São Paulo, diante do processo de vacinação contra o vírus que surpreendeu o mundo com sua voracidade, rapidez na transmissão e letalidade na consequência, o Covid-19. Notícias dão conta de que o centro de referência hospitalar está sendo objeto de críticas, promovidas por sua própria “turma”, (profissionais da área de saúde) que se sentiu “atropelada” pela conduta da administração, (ou de quem autorizou) aplicando a vacina fora dos critérios de prioridade para as primeiras doses do imunizante. 

A história narrada (O Globo, 21/01/2021) é que as equipes de outras unidades que estão na linha de frente do combate à Pandemia foram preteridas, enquanto indivíduos “fora da lista”, docentes, aluno(a)s de Pós graduação da Faculdade de Medicina da USP, funcionário(a)s da administração, sem qualquer contato com pacientes contaminados, trabalhando no conforto de suas residências, já receberam a vacina. Isso significou 100% de imunização para o Hospital das Clínicas, logo, essas doses deixaram para trás o “resto” do país que morre ou pode morrer, vítima do Covid-19. Em outras palavras, o Hospital das Clínicas “pulou a cerca”, “furou a fila” e “cuidou dos seus”. Melhor dizendo, “salvou suas crias”. 

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“Salve-se quem puder”. Essa foi a expressão de uma das vacinadas, aluna do doutorado em medicina. (O Globo, 21/01/2021/). Além do egoísmo da manifestação, fica evidente a ausência de comiseração e da “moral” presumível nas “cortes acadêmicas” por onde transitam as elites que podem obter um título de pós-graduação pela USP. Para além do comentário debochado, um desrespeito ao coletivo, falta de solidariedade, desonra com o compromisso de proteção à vida humana. 

Não surpreenderia se essa atitude ladina fosse praticada por um “meliante contumaz” nome com que a polícia, o ministério público, o poder judiciário e a mídia costumam “adornar” os milhares de corpos negros, pobres e periféricos flagranteados rotineiramente. Pensar e agir como “desviantes”, profissionais de tão elevada estirpe, sugere que um ente da Federação se percebe como centro do poder e age com síndrome de Casa Grande em relação à Senzala fora de seu horizonte. Isso é um fato catastrófico. 

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Não pode ser acolhida qualquer tentativa de justificar o ato por desconhecimento e desinformação sobre quem estaria na primeira fila da vacinação. “Deus e a torcida do Flamengo” sabiam quais seriam os primeiros braços picados pela esperança. E eles não eram da população saudável que o HC vacinou. “O mal do esperto é achar que todo mundo é bobo”. Assim é que a insurreição à conduta do nosocômio partiu de integrantes da própria tribo, quando um médico geriatra se confessou “um pouco decepcionado de perceber que, sim, SP escolheu vacinar o HC inteiro antes do resto. [Foi vacinado] Mesmo quem atende em ambulatório de especialidade, sem ver paciente com Covid”. E mais outro “fogo amigo” acendeu na mídia: "Conheço gente do laboratório de ginecologia molecular que foi vacinado só porque é ligado ao HC. Não faz menor sentido”. (O Globo, 21/01/2001) 

Outros casos de “fura-fila” estão acontecendo no país, todos fundamentados na máxima de salvar primeiro os seus. Investigações, inquéritos, ameaças de denúncia por prevaricação, sobrevoam pelo espaço. Isso é correto, mas precisa ser isonômico. O prefeito da cidadezinha do interior da Bahia que provou da seringa para dar exemplo e incentivar a comunidade a se vacinar, pode estar dizendo a verdade. Nas pequenas “províncias”, a credibilidade é na palavra do padre, do prefeito, da liderança, porque as pessoas se reconhecem nesses sujeitos. Não tem lugar para títulos de Haward, Oxford, sem a validação dessas “entidades”. 

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No Hospital das Clínicas o lugar de fala é o da ciência, de doutorados, mestrados, pós-docs e também de compromisso ético, social, acadêmico e sobretudo humano de contribuir para a melhoria da vida (e salvar a própria existência humana) para todas as pessoas. O sistema de justiça deve ser o mesmo, tanto para o mais simplório sujeito que tratou de vacinar fora do script quanto da referência hospitalar que convocou para receber a dose quem não cabia na caixa de prioridades.  Quantas pessoas tiveram seu direito surrupiado pela ação do HC? 

O espantoso nesse caso é que nem a mídia, nem o sistema de justiça, nem o corpo social estão atribuindo o mesmo “desvalor” a esses flagrantes de antecipação indevida (e criminosa) da vacina para sujeitos que não estão na lista das dianteiras. Vergonhosamente, há silêncio em torno de rastrear o comportamento do HC, que desceu do cume de “elite científica" para se horizontalizar com o despudor com que gestões inescrupulosas usaram do poder para a prática de ações ardilosas em proveito de si próprias ou de pessoas de sua relação familiar e política. 

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Vale o adágio popular “O pau que dá em Chico dá em Francisco”. Isso significa dizer que o “sujeito qualquer”, o “Chico”, não é diferente do sujeito chamado “Francisco”, aparentemente, de outra classe social. Ambos merecem igual tratamento, em qualquer circunstância. “Chico” antecipou a vacina para si ou para outra pessoa, será investigado para receber o retorno do Estado penal por sua ilícita conduta.  E “Francisco”, ou seja, e o HC? Fica “imunizado” de responder por sua conduta, também contraria aos protocolos da vacinação? 

Se os “Chicos” serão “punidos” não recebendo a segunda dose porque “furaram a fila” e deverão ser vacinados no seu devido tempo, é justo e racional que o mesmo tratamento deva ser dado aos “Franciscos”. 

"Sabedoria quando é demais vira bicho e engole o dono”.  

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