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      Jorge Folena

      Advogado, jurista e doutor em ciência política.

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      Na PEC da Segurança Pública faltou pôr fim à GLO dos militares

      Medida se torna relevante no momento político atual do Brasil, quando ainda enfrentamos as consequências da última tentativa de golpe de Estado

      Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Entrega da PEC da Segurança Pública (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

      No processo constituinte de 1891, a grande vitória das oligarquias dos coronéis foi a introdução da federação no Brasil, quando os estados (e não o poder central, como era no Império) passaram a ter a prerrogativa da demarcação de terras e o controle do poder de polícia. 

      Desde então, a segurança pública passou a ser atribuição dos estados da federação, que controlam as polícias judiciárias (polícias civis) e ostensivas (polícias militares), empregadas para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. 

      Posteriormente, a Constituição de 1988 ampliou os poderes locais no Brasil, elevando os municípios à condição de entes federados, que, assim, passaram a deter o poder de criar guardas municipais para a preservação dos equipamentos públicos e a ordenação das atividades locais (por exemplo, comércio e trânsito).

      Em sua atuação relativa à segurança pública, a União conta com a Polícia Federal (polícia judiciária que atua na apuração de delitos ocorridos contra bens de seu interesse) e as Polícias Rodoviária e Ferroviária Federal, respectivamente encarregadas do patrulhamento das rodovias e ferrovias do país. 

      Ou seja, a União não exerce nenhum controle efetivo sobre a segurança pública no país, pois cabe a cada entidade federativa a responsabilidade sobre suas forças de segurança. Contudo, no plano da realidade, é imposta ao Presidente da República a responsabilidade política sobre todos os males da segurança pública no país, que, constitucionalmente, não é sua atribuição. 

      Cabe destacar que, de fato, nem os governos estaduais têm controle efetivo sobre suas polícias, que atuam como corpos independentes e impenetráveis, não sendo raro que, em muitos estados federados, seus agentes estejam ligados a organizações criminosas, que atuam de modo paralelo ao poder oficial, cobrando por segurança privada e controlando territórios urbanos, juntamente com o narcotráfico.

      A proposta de emenda constitucional apresentada pelo governo do presidente Lula, sem alterar o poder dos governos locais sobre suas polícias, propõe a coordenação nacional pela União da segurança pública, a fim de estabelecer uma política unificada, a exemplo do que já ocorre na área de saúde, com o SUS.

      Pela proposta apresentada, a Polícia Federal, além de suas atuais atribuições constitucionais, passará a ter também a responsabilidade de agir contra os crimes ambientais e no combate às organizações criminosas (máfias, milícias, cartéis de drogas), que controlam, de alguma maneira, as estruturas dos poderes políticos locais.

      Outra proposta importante é a transformação da polícia rodoviária em polícia federal ostensiva, devendo atuar na preservação do patrimônio público da União e, sobretudo, cooperar com as polícias dos estados, quando solicitado pelos governadores. Essa polícia, formada por quadros civis e não militarizada (como ocorre nos Estados), pode ter uma função estratégica e fundamental para a preservação da estrutura federativa brasileira, desde que seja totalmente desfascistizada.

      Isto porque, além do apoio à segurança dos estados (que hoje é exercida, sem previsão constitucional, pela Força Nacional de Segurança, composta por policiais e bombeiros militares dos estados, sob o comando do governo federal), o novo corpo policial proposto tem as características para ser a força de segurança nacional capaz de encerrar a utilização das Forças Armadas em operações de garantia da lei e da Ordem (GLO), em matéria de segurança pública, como se fez, de forma infeliz, em diversas oportunidades nos últimos anos, o que serviu para alimentar a ideia de que os militares poderiam resolver todos os problemas do país.

      Acredito que a proposta poderia ter sido um pouco mais ousada, inclusive encampando a retirada da GLO da redação dos artigo 142 da Constituição, transferindo-a para a redação do artigo 144 da nossa carta política, a fim de que, em eventuais casos de crise política nacional ou federativa entre estados, os poderes políticos da República possam convocar a polícia ostensiva federal para garantir os poderes e a ordem constitucional. 

      Assim, ficaríamos livres da equivocada ideia de tutela militar, alimentada pela GLO, conferida aos militares pela Constituição do Império de 1824 e transposta para a República. Isto porque o instituto da Garantia da Lei e da Ordem, com emprego de forças militares, é incompatível com a República, tendo sido um dos erros da Constituição da República de Weimar, na Alemanha, que ajudou a gestar o nazismo naquele país, conforme reconhecido pelos próprios alemães um século depois. (https://www.brasil247.com/brasil/a-garantia-militar-de-lei-e-ordem-e-incompativel-com-a-republica)

      Assim, considero que o debate sobre essa Proposta de Emenda Constitucional pode ser uma ótima oportunidade para propormos também o fim da GLO como atribuição das forças militares. Isto se torna ainda mais relevante no momento político atual do Brasil, quando ainda enfrentamos as consequências da última tentativa de golpe de Estado, levada a cabo por fascistas que empunhavam a bandeira da “intervenção militar” e defendiam a imposição da garantia da lei e da ordem pelas forças armadas. 

      Vejo também que é necessário recordarmos aquela que é, verdadeiramente, a mais importante atribuição conferida aos militares pela Constituição, segundo a qual as forças armadas devem se dedicar à defesa do país contra ameaças estrangeiras; não devendo nunca mais serem utilizadas na repressão aos cidadãos brasileiros.  Por tudo isto, é urgente realizar a despolitização de suas fileiras, inclusive para preservar a imagem da importante instituição perante o país.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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