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Cesar Locatelli

Economista e mestre em economia.

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Não investimos e não crescemos por falta de dinheiro?

O investimento no Brasil é baixo porque poupamos pouco? O país não cresce porque adívida do governo é muito alta?

Modelo tributário injusto e desequilibrado precisa ser reformado (Foto: REUTERS/Sergio Moraes)
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O investimento no Brasil é baixo porque poupamos pouco? O país não cresce porque adívida do governo é muito alta? Os altos déficits do governo impedem que o país cresça? O país está quebrado e por isso não cresce? Como voltar a empregar trabalhadores e crescer?

Estas questões foram abordadas pela professora Simone Deos, da Unicamp, e peloprofessor Antônio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP, no seminário Desafios para o Desenvolvimento Brasileiro, ontem (30/09). O evento fez parte da XVII Semana de Economia da PUC-SP.

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Simone Deos começou pela discussão da necessidade ou não de poupança prévia parafinanciar o investimento. Dentre as muitas diferenças entre as teorias econômicas ortodoxa e heterodoxa, aquela que chama mais a atenção é sobre a poupança e o investimento.

Creem os ortodoxos que a poupança precede o investimento, se a taxa de poupança deum país é baixa, o investimento também o será. Os heterodoxos, por outro lado, entendem que o investimento precisa de crédito, de financiamento e não de poupança prévia. Os recursos para financiar máquinas, fábricas, infraestrutura são criados no sistema bancário.

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A necessidade de poupança prévia “não faz sentido. Não é a poupança que determina oinvestimento. É o crédito. Há necessidade de financiamento… A oferta de crédito (moeda bancária) é determinada pela interação entre as unidades que desejam gastar mais que suas rendas (empresas, famílias) e os bancos”, assegura Simone Deos.

Um exemplo da criação de moeda bancária numa sociedade fictícia talvez nos ajude acompreender que não é a poupança prévia que possibilita o investimento, mas sim o crédito, como defende Deos.

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Pensemos numa sociedade com quatro pessoas: um trabalhador, um agricultor, umbanqueiro e um industrial. Imaginemos que cada um tem 25 reais, todos depositados no banco. O banco tem, portanto, 100 reais de depósitos.

O industrial resolve, então, ampliar sua produção e toma 100 reais emprestados dobanco, fica com 25 no caixa, paga 25 de juros e compra os serviços do trabalhador e produtos do agricultor pagando 25 reais a cada um. Todos depositam seu dinheiro no banco, de volta.

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Cada um acabou ficando com 50 reais no banco, que agora tem, no total, 200 reais emdepósitos. Assim é a criação de moeda bancária. Se o agricultor, por sua vez, resolver tomar mais 100 reais de empréstimo, comprar trabalho, produtos do industrial e pagar juros e, no final, todos voltarem a depositar os recursos no banco, a quantidade total de moeda da economia se torna 300 reais.

Notemos que a interação entre os quatro fez com que a quantidade de moeda dessasociedade dobrasse ou triplicasse. No mundo real as coisas são um pouco mais complicadas, no entanto, a criação de moeda pelo sistema bancário se dá do mesmo modo: os empresários tomam a decisão de investir e os bancos decidem financiar o investimento, o dinheiro que vai circular por trabalhadores, outras indústrias, governo etc. acabam voltando, em grande parte, para o sistema bancário, que pode emprestar novamente, deduzidos o numerário que fica nas mãos da população, impostos e eventuais depósitos que o banco seja obrigado a fazer no Banco Central compulsoriamente.

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Desse modo, se, nessa altura de 2019 (1/10), empresários resolvessem investir e osbancos resolvessem financiar tais investimentos não teríamos restrições ao crescimento do investimento.

A professora Deos lembra ainda que o bancos públicos cumprem um papel crucial, namedida em que substituem os bancos privados quando estes retraem suas operações de crédito, ou seja, os bancos públicos atuam no contraciclo. Além disso, por serem geridos por lógica diferente daquela dos privados, os bancos públicos contribuem para enfrentar desigualdades espacias, regionais e setoriais.

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O professor Lacerda buscou um caminho diferente, porém com conclusões da mesmaordem. Ressaltou que há um equívoco em se imaginar que um ajuste fiscal, como o adotado pelo governo, faça retornar a confiança e esta faça voltar o crescimento. Do lado do investidores é “a expectativa de rentabilidade futura que os faz tomar a decisão de investir”. As altíssimas taxas de juros, geralmente vigentes no mercado brasileiro, agem como convites “ao ócio e à especulação”, já que não é “preciso produzir para ganhar dinheiro“, basta aplicar os recursos em títulos da dívida pública federal.

Do lado da atuação do governo, no papel de indutor do crescimento, Lacerda relembra afalácia comum entre nós brasileiros de que o governo é como uma família, quando o orçamento público está com déficit é preciso cortar gastos, da mesma forma como acontece no orçamento familiar. Essa noção, embora errada, “ganha o senso comum” e a maioria de nós aceita os cortes e mais cortes nos gastos e investimentos públicos.

“É um processo autofágico. Quanto mais cortes, mais déficits você vai gerar”, diz ele. Ofundamento dessa conclusão é que os gastos e os investimentos feitos pelo governo retornam sob a forma de impostos, com diferentes multiplicadores. Uma economia em queda, como a nossa nos últimos tempos, gera menor arrecadação pelo governo e consequente déficit. Cortar significa enfraquecer ainda mais a atividade econômica que, por isso, vai gerar menos impostos e, assim, déficit maior.

“Se todos os vetores [consumidores, empresários] estão em contração o Estado temagir… No G20 todos são deficitários. Os Estados cumprem sua função de ativar a economia e são endividados… É preciso resgatar os objetivos cruciais das políticas públicas”, complementa o professor Lacerda. Não se pode admitir como objetivo principal das políticas públicas de um país simplesmente atingir um equilíbrio nas contas do governo. Ele aponta, por fim, que “ a saída não é econômica, e sim política e cultura.”

“O pleno emprego não é um valor compartilhado por todos”, marcou a professora SimoneDeos, lembrando-nos do economista Michal Kalecki, que proferiu uma palestra em  Cambridge, em 1942, com o título: Aspectos Políticos do Pleno Emprego. Baseado nele, escrevi há alguns anos:

“Imaginemos, por um breve instante, que um governo de lunáticos promova o aumento derenda e faça o mercado de trabalho chegar próximo do pleno emprego. Os capitães da indústria verão esse governo com suspeição. A confiança estremecerá. Os investimentos escassearão. Epa. Com um investimento privado minguado é muito difícil crescer. A menos que o governo invista. Mas se o fizer vai gerar mais suspeição: em dois tempos, dirão que a dívida ficará impagável, que o desastre nos aguardará na próxima esquina.

O gasto do governo é justificado pelo aumento da qualidade de vida das massas. Afinal,não é esse o propósito de toda atividade econômica? Mas o governo cede aos reclamos dos capitães da indústria e dos rentistas, que juntos fazem um barulho ensurdecedor. Corta os gastos, aumenta a taxa de juros. Bem, o resto você sabem.”

“Se estivéssemos lá [buscando rentabilizar uma empresa] provavelmente tomaríamos asmesmas decisões”, concluiu o professor Lacerda, nos fazendo lembrar que muitos dos papéis exercidos nas nossas sociedade tem origem no modo de produção hoje instituído: o capitalismo.

A XVII Semana de Economia da PUC- SP vai atá 4/10.

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