Navegando pelas tensões do comércio global: uma perspectiva dos BRICS sobre o aumento de tarifas
'As políticas tarifárias de Trump são incompatíveis com o multilateralismo. As nações do Sul Global precisam construir arranjos paralelos mais justos'
Nos últimos meses, as tensões no comércio global se agravaram com políticas protecionistas unilaterais. Em julho de 2025, o governo Trump anunciou a elevação das tarifas sobre produtos brasileiros para 50%, mais que quadruplicando a alíquota anterior de 10%. A justificativa oficial foi um suposto “estado de emergência” econômica, acusando o governo brasileiro de cercear liberdades civis. Essa medida foi amplamente criticada por líderes brasileiros, como o presidente Lula, que a classificou abertamente como arbitrária, “política” e “ilógica”.
Aqui procuramos apresentar uma visão do impacto dessas tarifas sobre o Brasil – dentro da perspectiva dos países do BRICS – e a resposta crítica adotada pelas lideranças nacionalistas. Assumimos uma postura progressista: repudiamos as barreiras tarifárias de Trump como instrumentos contrários ao livre comércio, que ferem a soberania dos países emergentes e prejudicam sua população (sobretudo os trabalhadores).
Choque cambial e de mercado: Imediatamente após o anúncio, o real brasileiro se desvalorizou e o índice da bolsa caiu, com perdas significativas em empresas como a Embraer (aeroespacial) e a Petrobras (energia). Em outras palavras, a economia brasileira sentiu um choque direto – depreciação da moeda nacional e fuga de capitais – associado à escalada tarifária.
Setores exportadores afetados: Cerca de 35,9% das exportações brasileiras para os EUA (por valor) passarão a pagar 50% de tarifa. Entre os principais produtos afetados estão commodities agrícolas e alimentos de consumo popular, como café, suco de laranja e carne bovina. Esses itens são tradicionalmente pilares das exportações do agronegócio brasileiro. O aumento tarifário tende a elevar o preço final desses produtos no mercado americano, penalizando produtores brasileiros e, simultaneamente, pressionando os preços ao consumidor dos EUA.
Setores poupados vs. vulneráveis: Notou-se que manchetes de alta tecnologia ou setores estratégicos foram isentos. O governo Trump excluiu do aumento tarifário itens como aeronaves civis, energia (petróleo/gás) e fertilizantes.
Isso indica que os segmentos mais atingidos se concentram em bens de baixo valor agregado. Em suma, trabalhadores rurais e empresas do setor agrícola/perfumaria foram os mais afetados, enquanto setores industriais de alto valor (cujas tarifas permanecem em 10% ou ficaram fora do aumento) ficaram protegidos.
Dimensão econômica: Segundo estimativas oficiais, 35,9% das exportações brasileiras enfrentarão 50% de tarifa e 44,6% continuarão com 10%. O restante (19,5%) está sujeito às taxas globais americanas de 25%-50%, dependendo da categoria. Ou seja, mais da metade do total exportado sofrerá forte encarecimento pelas tarifas dos EUA. Esse choque reduz a competitividade internacional do Brasil, ameaça empregos no campo e na agroindústria, e pode frear o crescimento econômico brasileiro.
Reação política imediata: O presidente Lula repudiou veementemente as tarifas, qualificando-as como arbitrárias e motivadas politicamente. Ele enfatizou que a soberania e a democracia do Brasil “não estão negociáveis”, acusando o governo Trump de ingerência em assuntos internos. A Presidência anunciou que buscaria retaliações proporcionais na esfera comercial, mas sem escalada militar ou retaliação imediata desordenada. Em síntese, o discurso oficial priorizou a defesa legal dos interesses nacionais e o diálogo diplomático.
Ações diplomáticas e legais: O Itamaraty convocou o embaixador dos EUA para protestar contra as medidas e a retórica de apoio a adversários políticos internos do Brasil. Paralelamente, o governo sinalizou explorar âmbitos multilaterais – como a Organização Mundial do Comércio ou instâncias judiciais – para contestar a legalidade das tarifas. Embora não tenha havido imposição pública de sanções, a ideia era usar canais formais para “responder na mesma moeda” caso o impasse persistisse.
Medidas de apoio interno: Internamente, o governo federal discutiu mecanismos de proteção aos produtores atingidos (por exemplo, programas de compras estatais de itens tarifados). A meta declarada foi reduzir o sofrimento econômico causado pelas tarifas em setores vulneráveis. Também se buscou apoio político no Congresso e na opinião pública, apontando que as tarifas afetariam o consumo interno (ao elevar preços) e poderiam até prejudicar trabalhadores americanos. Ressaltou-se que muitos bens brasileiros tarifados são consumidos nos EUA, argumento usado para mostrar que o protecionismo americano acaba contando com oposição entre consumidores norte-americanos também.
Paciência estratégica: Em declarações subsequentes, Lula disse que o Brasil não se apressaria em retaliações econômicas, preferindo resolver o conflito por vias diplomáticas. O discurso oficial foi de tranquilidade calculada: defender a economia nacional, mas sem romper relações comerciais bruscamente. Essa postura reflete a visão do governo Lula de que confrontos agressivos podem ser contraproducentes, enquanto manter canais abertos favorece negociação futura.
Solidariedade e coordenação: O ataque comercial ao Brasil foi visto no bloco BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) como exemplo do predomínio de interesses econômicos sobre as regras multilaterais por parte dos EUA. Os outros membros do BRICS manifestaram apoio diplomático ao Brasil, reconhecendo que ações unilaterais dos EUA ameaçam a estabilidade comercial global. Há consenso de que tal episódio reforça a necessidade de os países emergentes coordenarem suas políticas comerciais.
Debates sobre expansão: Reportagens especializadas (por exemplo, em veículos internacionais de negócios) já noticiaram que a crise tarifária reacendeu o debate sobre ampliação do BRICS. A ideia é que, ao ampliar o bloco com outras economias emergentes, haveria maior solidariedade do Sul global contra coerção econômica externa. Ainda que sem decisão formal, o incidente estimulou vozes que defendem trazer novos integrantes ao grupo para aumentar sua influência coletiva – exatamente como uma resposta política comum à pressão americana.
Integração econômica sul-sul: Em linhas gerais, o choque tarifário reforçou argumentos tradicionais do BRICS para buscar acordos internos: criar cadeias de valor regionais, utilizar moedas locais no comércio mútuo, e fortalecer instituições financeiras próprias (por exemplo, o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS). O caso expõe o risco de depender exclusivamente do mercado norte-americano e alimentar o dólar, impulsionando conversas sobre diversificação comercial. Convenções protecionistas como as de Trump demonstram o valor de plataformas BRICS para atenuar choques externos – sob a ótica de que uma cooperação mais estreita protege melhor países em desenvolvimento.
Perspectiva geopolítica: De modo mais amplo, ações unilaterais dos EUA servem para lembrar o BRICS da urgência de apresentar uma frente unificada no cenário internacional. A crise tarifária tornou explícito que as antigas regras da OMC e do sistema de comércio multilateral podem ser desrespeitadas por potências hegemônicas. Assim, equipes jurídicas e econômicas dos países do BRICS avaliam potenciais reformas institucionais, de modo a criar salvaguardas que impediriam Washington (ou qualquer outro) de impor sanções arbitrárias. Esse alinhamento de longo prazo é visto como uma resposta necessária dentro do contexto atual de “guerra comercial”.
Conclusão: As tarifas de Trump contra o Brasil tiveram impactos concretos e negativos: desestabilizaram a economia brasileira, penalizaram exportadores-chave e ameaçaram o emprego em setores sensíveis. Esses efeitos confirmam que as medidas protecionistas unilaterais causam “dor econômica” – exatamente como alertou a cobertura especializada. Sob a perspectiva progressista aqui adotada, esse quadro reforça uma crítica central: políticas de barreiras comerciais elevadas beneficiam interesses políticos de curto prazo, mas prejudicam os trabalhadores e a estabilidade do comércio global.
No horizonte do BRICS, espera-se que o episódio leve a decisões concretas: maior integração comercial interna, diversificação de parceiros e busca de soluções coletivas para crises externas. Olhando adiante, o Brasil e seus parceiros emergentes provavelmente intensificarão alianças políticas e econômicas, alinhados à visão de que a soberania nacional e o desenvolvimento compartilhado não podem ser objetos de chantagem econômica.
Em última análise, a crise tarifária confirma que as nações do Sul Global precisam renovar o compromisso com o multilateralismo ou construir arranjos paralelos mais justos. Nossa análise conclui que as políticas tarifárias de Trump são incompatíveis com esse ideal: são medidas protecionistas, politicamente motivadas, que atacam a democracia brasileira e o livre comércio. Em um foro dedicado ao direito e à economia, essa experiência sublinha a defesa de modelos cooperativos e legais – e a rejeição enfática de ações unilaterais como instrumento de política comercial.
* Este texto foi resultado da conversão em um artigo de uma palestra ministrada em 23/09/2025, no Navegando pelas Tensões do Comércio Global: Uma Perspectiva dos BRICS sobre o Aumento de Tarifas no VIII International Legal Forum – Modern Problems of Law and Economic: The role of the state in the legal economic regulation of thechnological policy in the new context of international cooperation between BRICS and EAEU countris, organizado pela Kutafin Moscow State Law University
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

