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      Jeffrey Sachs

      Professor da Columbia University (NYC) e Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável e Presidente da Rede de Soluções Sustentáveis da ONU. Ele tem sido um conselheiro de três Secretários-Gerais da ONU e atualmente serve como Defensor da iniciativa para Metas de Desenvolvimento Sustentável sob o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

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      Negociando uma paz duradoura na Ucrânia

      Chegou o momento para uma diplomacia que traga segurança coletiva para a Europa, a Ucrânia e a Rússia

      Volodymyr Zelensky (Foto: Reuters/Kacper Pempel)

      Publicado originalmente por Common Dreams em 6 de março de 2025

      Não há muitas dúvidas sobre como uma paz duradoura pode ser estabelecida na Ucrânia. Em abril de 2022, a Rússia e a Ucrânia estavam prestes a assinar um acordo de paz em Istambul, com o governo turco atuando como mediador. Os Estados Unidos e o Reino Unido convenceram a Ucrânia a não assinar o acordo, e desde então centenas de milhares de ucranianos morreram ou ficaram gravemente feridos. No entanto, a estrutura do Processo de Istambul ainda fornece a base para a paz hoje.

      O projeto de acordo de paz (datado de 15 de abril de 2022) e o Comunicado de Istambul (datado de 29 de março de 2022), nos quais ele se baseava, ofereciam uma maneira sensata e direta de encerrar o conflito. É verdade que, três anos depois de a Ucrânia ter rompido as negociações — durante os quais sofreu grandes perdas — o país acabará cedendo mais território do que teria cedido em abril de 2022. No entanto, ganhará o essencial: soberania, garantias internacionais de segurança e paz.

      Nas negociações de 2022, os pontos acordados eram a neutralidade permanente da Ucrânia e garantias internacionais de segurança para o país. A disposição final dos territórios contestados seria decidida ao longo do tempo, com base em negociações entre as partes, durante as quais ambos os lados se comprometeriam a não usar a força para alterar as fronteiras. Dadas as realidades atuais, a Ucrânia cederá a Crimeia e partes do sul e leste do país, refletindo os resultados do campo de batalha dos últimos três anos.

      Tal acordo pode ser assinado quase imediatamente e, de fato, provavelmente será assinado nos próximos meses. Como os Estados Unidos não irão mais financiar a guerra — na qual a Ucrânia sofreria ainda mais baixas, destruição e perda de território — Zelensky está reconhecendo que é hora de negociar. Em seu discurso ao Congresso, o presidente Donald Trump citou Zelensky dizendo que “a Ucrânia está pronta para sentar à mesa de negociações o mais rápido possível para trazer a paz duradoura mais perto”.

      As questões pendentes em abril de 2022 envolviam os detalhes das garantias de segurança para a Ucrânia e as fronteiras revisadas entre Ucrânia e Rússia. A principal questão em relação às garantias envolvia o papel da Rússia como co-garantidora do acordo. A Ucrânia insistia que os co-garantidores ocidentais deveriam ser capazes de agir com ou sem o assentimento da Rússia, para evitar que Moscou tivesse poder de veto sobre a segurança ucraniana. A Rússia, por sua vez, buscava evitar uma situação em que a Ucrânia e seus co-garantidores ocidentais manipulassem o acordo para justificar um novo uso da força contra a Rússia. Ambos os lados têm um ponto válido.

      A melhor solução, na minha visão, é colocar as garantias de segurança sob a autoridade do Conselho de Segurança da ONU. Isso significa que os Estados Unidos, a China, a Rússia, o Reino Unido e a França seriam todos co-garantidores, juntamente com o restante do Conselho de Segurança da ONU. Isso sujeitaria as garantias de segurança ao escrutínio global. Sim, a Rússia poderia vetar uma resolução posterior do Conselho de Segurança da ONU sobre a Ucrânia, mas enfrentaria a condenação da China e do mundo caso agisse arbitrariamente em desafio à vontade do restante da ONU.

      Sobre a disposição final das fronteiras, é importante compreender o contexto. Antes da derrubada violenta do presidente ucraniano Viktor Yanukovych, em fevereiro de 2014, a Rússia não fazia nenhuma exigência territorial em relação à Ucrânia. Yanukovych defendia a neutralidade da Ucrânia, se opunha à adesão à OTAN e negociava pacificamente com a Rússia um arrendamento de 20 anos para a base naval russa em Sebastopol, na Crimeia — lar da Frota do Mar Negro da Rússia desde 1783.

      Após a derrubada de Yanukovych e sua substituição por um governo pró-OTAN apoiado pelos Estados Unidos, a Rússia agiu rapidamente para retomar a Crimeia, a fim de impedir que a base naval caísse nas mãos da OTAN. Entre 2014 e 2021, a Rússia não pressionou pela anexação de qualquer outro território ucraniano. Moscou apenas pedia autonomia política para as regiões de maioria étnica russa no leste da Ucrânia (Donetsk e Luhansk), que se separaram de Kiev imediatamente após a destituição de Yanukovych.

      O Acordo de Minsk II previa a implementação dessa autonomia. A estrutura de Minsk foi inspirada, em parte, no modelo de autonomia da região de maioria alemã do Tirol do Sul, na Itália. A chanceler alemã Angela Merkel conhecia a experiência do Tirol do Sul e a via como um precedente para uma autonomia semelhante no Donbass.

      Infelizmente, a Ucrânia resistiu fortemente à autonomia do Donbass, e os Estados Unidos apoiaram a rejeição ucraniana. Alemanha e França, que teoricamente eram garantidoras do Minsk II, ficaram em silêncio, enquanto o acordo foi descartado pela Ucrânia e pelos EUA.

      Após seis anos sem a implementação do Minsk II — durante os quais as forças ucranianas, armadas pelos EUA, continuaram a bombardear o Donbass para tentar subjugá-lo — a Rússia reconheceu Donetsk e Luhansk como estados independentes em 21 de fevereiro de 2022. No Processo de Istambul, o status de Donetsk e Luhansk ainda precisava ser resolvido. Talvez um retorno ao Minsk II e sua implementação real pela Ucrânia (com o reconhecimento da autonomia dessas regiões na Constituição ucraniana) pudesse ter sido acordado.Quando a Ucrânia abandonou a mesa de negociações, porém, a questão se tornou irrelevante. Poucos meses depois, em 30 de setembro de 2022, a Rússia anexou as duas províncias, juntamente com outras duas: Kherson e Zaporizhzhia.

      A triste lição é esta: a perda de território pela Ucrânia poderia ter sido completamente evitada, não fosse pelo golpe violento que derrubou Yanukovych e trouxe um regime pró-OTAN apoiado pelos EUA. A perda de território no leste da Ucrânia poderia ter sido evitada se os Estados Unidos tivessem pressionado a Ucrânia a implementar o Minsk II, respaldado pelo Conselho de Segurança da ONU.

      Mesmo em abril de 2022, no Processo de Istambul, a perda de território poderia ter sido evitada — mas os EUA bloquearam o acordo de paz. Agora, depois de 11 anos de guerra desde a derrubada de Yanukovych, e como resultado das derrotas ucranianas no campo de batalha, a Ucrânia cederá a Crimeia e outras partes do leste e sul do país nas próximas negociações.

      A Europa tem outros interesses que deveria estar negociando com a Rússia, principalmente a segurança dos Estados Bálticos e os arranjos de segurança europeus em geral. Os países bálticos sentem-se vulneráveis à Rússia, compreensivelmente, dado o seu histórico, mas também estão agravando desnecessariamente a sua vulnerabilidade com medidas repressivas contra as suas populações russófonas.

      A segurança dos Estados Bálticos deve ser alcançada por meio de medidas que fortaleçam a estabilidade dos dois lados, incluindo o respeito aos direitos das minorias étnicas russas e a contenção de discursos hostis.

      Chegou o momento para uma diplomacia que traga segurança coletiva para a Europa, a Ucrânia e a Rússia. A Europa deve abrir negociações diretas com a Rússia e instar a Rússia e a Ucrânia a assinarem um acordo de paz baseado no Comunicado de Istambul de 29 de março de 2022 e no projeto de acordo de 15 de abril de 2022. A paz na Ucrânia deve ser seguida pela criação de um novo sistema de segurança coletiva para toda a Europa, estendendo-se do Reino Unido aos Urais — e além.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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