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Nêggo Tom

Cantor e compositor.

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Nem toda loucura é má. Mas toda maldade é louca

O trágico caso das mortes em Campinas deveria nos servir de alerta para o que eu chamaria de mainstream ideológico, que vem sendo disseminado com êxito pela extrema direita e assimilado com méritos pelos seguidores e simpatizantes da causa. A carta deixada pelo assassino e publicada (tendenciosamente) com destaque pela VEJA, é o verdadeiro testemunho do que uma mente doentia, aliada a má índole, catequizada por discursos radicais

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O atentado que deixou mais de 30 mortos na Turquia e o assassinato de 12 pessoas em Campinas, cometido por um psicopata disfarçado de pai zeloso, ambos em plena virada do ano, mostra que de muito pouco adianta você se vestir de branco, comer romã ou dar mil pulinhos sobre as ondas. A receita para um ano novo feliz depende da qualidade dos ingredientes que cada um tem dentro de si. O último dia do ano costuma espalhar uma espécie de magia no ar. Magia essa que nem sempre tem a ver com bons sentimentos ou bons desejos mútuos. Tudo não passa de um mero ritual, no qual o sistema determina que você confraternize com todos, sem que você estabeleça dali pra frente, uma relação sincera e respeitosa ou se sinta tocado a criar laços afetivos ou humanitários com ninguém.

É o dia no qual o vizinho que nunca lhe dá bom dia, durante 364 dias do ano, decide lhe desejar paz, amor e saúde. É o dia no qual o racista, embalado pelo contagiante clima de harmonia, deseja tudo de bom ao preto que ele discriminou sutilmente o ano todo. Homofóbicos apertam a mão de homossexuais, patrões abraçam suas empregadas como se fossem da família, rico deseja prosperidade ao pobre, as religiões chegam à conclusão de que Deus é um só para todas elas, roqueiro canta pagode e outras situações que jamais ocorrerão nos 364 dias seguintes. Tudo isso com um sorriso largo na cara e sem o menor constrangimento. Também, é só por uma noite mesmo. Logo passa e a carruagem de bons sentimentos volta a ser a abóbora das vaidades e das diferenças.

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O trágico caso das mortes em Campinas deveria nos servir de alerta para o que eu chamaria de mainstream ideológico, que vem sendo disseminado com êxito pela extrema direita e assimilado com méritos pelos seguidores e simpatizantes da causa. A carta deixada pelo assassino e publicada (tendenciosamente) com destaque pela VEJA, é o verdadeiro testemunho do que uma mente doentia, aliada a má índole, catequizada por discursos radicais e intolerantes e seduzido pela cultura do ódio, pode provocar em nossa sociedade. Os primeiros trechos da carta escrita por Sidnei Ramis de Araújo expressam até uma justa indignação com as nossas leis e com os nossos direitos humanos, que por vezes, dão aos bandidos, mais assistência do que a suas vítimas. Mas isso não significa que devemos agir como bandidos para protestar e exigir mudanças.

Tirando uma ou outra frase nas quais ele exibe alguma lucidez, quando fala da corrupção na política do país, por exemplo, o que se sucede é um diagnóstico de psicopatia, machismo, sexismo, insanidade e distorção de valores e da realidade. “Filho tenha certeza que não será só nos dois quem vamos nos foder, vou levar o máximo de pessoas daquela família comigo, pra isso não acontecer mais com outro trabalhador honesto. Agora vão me chamar de louco, más quem é louco? Eu quem quero justiça ou ela que queria o filho só pra ela? Que ela fizesse inseminação artificial ou fosse trepar com um bandido que não gosta de filho.” Qual o homem de bem e trabalhador honesto mataria friamente 12 pessoas, incluindo a ex mulher e o próprio filho de 8 anos, no qual ele desferiu um tiro na cabeça?

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Em outro trecho ele diz: “Eu morro por justiça, dignidade, honra e pelo meu direito de ser pai”, o que eu concordo. Desde que ele morresse sozinho. Afinal, todos nós temos o direito de querer morrer por uma causa que julgamos relevante. O que não temos o direito é de matar outras pessoas para dar vazão a nossa maldade e depois tentar justificar o crime com argumentos baseados em preconceitos, intolerância e numa visão de mundo doentia. Segundo o assassino, “A vadia foi ardilosa e inspirou outras vadias a fazer o mesmo com os filhos, agora os pais quem irão se inspirar e acabar com a família das vadias” Alguém duvida de que outros realmente se inspirarão?

Entre um pedido de intervenção militar e um discurso bolsonariano de exaltação a tortura, muitos “cidadãos de bem” enchem o peito de ódio e soltam o seu senso de justiça pelo ar, possuindo as almas suscetíveis a tais encostos. Entre um golpe e outro, a nossa sociedade revela o que de mais podre possui dentro de si. Entre um crime bárbaro e outro, nos assustamos com a capacidade de alguns em mostrar empatia com o que é mau e perverso. Muitos comentários de internautas na rede tentam explicar e até justificar o inexplicável e o injustificável. Alguns foram capazes de dizer que ele fez a justiça que a justiça não faz, enquanto outros pediram uma revisão na lei “Maria da Penha”, a qual o assassino na carta, chamou de lei “Vadia da Penha”, alegando que a mulher sempre é a beneficiada. Uma pr ova de que a nossa sociedade não é nada machista e de que as mulheres não precisam lutar por igualdade e proteção.

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Ainda na carta, Sidnei, que se matou covardemente após ter cometido os doze assassinatos, diz que “na verdade somos todos loucos, depende da necessidade dela aflora” Eu diria que quando essa necessidade de alguns não aflora, se constrói mitos e pseudos salvadores da pátria para despertá-la, propagando pontualmente uma ideologia fascista, prometendo solucionar todos os problemas que afligem a sociedade e restabelecer a ordem, a moral e os bons costumes. Ainda que tenham que sacrificar a liberdade e cercear o direito de ir e vir do outro. Esses expressam a sua loucura em forma de maldade e travestida de desejo de justiça. Mas nem toda loucura é má. Mas toda maldade é louca e geralmente se apresenta de forma tão natural e convincente, que quase nos convence de que ser normal é ser como eles.

Sidnei de Araújo é um exemplo de que a cultura do ódio não pode ser tolerada, que o machismo não deve ser incentivado e que Marias da penha, das graças e das dores, ainda precisam e muito, da proteção do estado e da sociedade.

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O ano é novo, mas os hábitos continuam os mesmos.

Feliz 2017!

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