CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Homero Gottardello avatar

Homero Gottardello

Jornalista, Bacharel em Direito, Música (habilitação em “Teoria Geral da Música”) e Belas-Artes (habilitação em “Cinema”)

23 artigos

blog

Nikolas Ferreira: caso para avaliação de sanidade?

Patetices e disfunções do deputado aviltam o Congresso, desqualificam Minas Gerais, desonram sua família e rebaixam todos os demais deputados ao seu nível

Nikolas Ferreira (Foto: Reprodução)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

A performance circense do deputado federal Nikolas Ferreira (PL/MG), que em poucos dias de legislatura já conquistou um lugar “de honra” entre os mais obtusos, néscios e amalucados nomes que emergiram no Plenário da Câmara, traz para o debate público uma questão importantíssima para o futuro do Brasil: a necessidade do exame de capacidade e sanidade mental, antes da aprovação das candidaturas ou, no mais tardar, antes das posses. Como se sabe, a democracia se sustenta sobre os pilares da constitucionalidade e a inelegibilidade é uma previsão do art. 14, § 9º da Constituição Federal – muito bem detalhada, inclusive. De modo que para exercer sua liberdade no plano político, é necessário o ajustamento do candidato ao regime jurídico do processo eleitoral. Por exemplo, é proibido aos reclusos (em penitenciárias) a condução do aparelho governamental. Trata-se de uma obstrução de fácil entendimento para qualquer pessoa, já que o homicida condenado a 18, 25 anos de reclusão não teria a mínima condição de exercer o mandato de dentro do presídio. Os analfabetos, por mais livres que sejam, também são inelegíveis, até porque nosso Direito é “positivado”, ou seja, se apresenta por escrito e, dessa forma, a legislatura está fora do alcance dos agrafos.

Diante do óbvio e da temeridade de ficarmos à mercê de malucos e patetas como Ferreira, parece igualmente claro que, por mais escolarizado que seja o sujeito e por mais limpa que seja sua ficha criminal, não há nada na Lei Complementar nº 64, de 1990 – que elenca quem são os inelegíveis para qualquer cargo, desde a presidência e vice-presidências, passando pelos governos estaduais, o Senado, a Câmara dos Deputados, as assembleias legislativas (estaduais), até as prefeituras e câmaras municipais – que preveja, que antecipe e blinde a sociedade da eleição de um doido, de um perverso, de um crápula ou fascistóide infatojuvenil. Note, caro leitor, que estamos falando de um político que, eleito por uma maioria regional, pode causar um estrago de ordem nacional, quiçá internacional.

O mundo corporativo tem uma solução que, respaldada pelo poder diretivo empresarial, pode ajudar na prevenção contra a patetice e outras aberrações legislativas, por meio de uma prática que não deve encontrar oposição de conservadores ou neoliberais. Nas transnacionais, é muito comum que o empregado, do chão de fábrica ao mais alto gestor, seja submetido a um “teste de caráter”, antes de ter sua contratação sacramentada. Trata-se de um recurso da Psicologia que, apesar de não ser tão assertivo e exato quanto a aritmética, se propõe a verificar a personalidade dos candidatos e identificar desde traços de desonestidade até a capacitação emocional de quem terá enormes responsabilidades na direção de uma companhia – caso dos presidentes-executivos ou CEOs.

Para vender seu peixe para multinacionais, uma das maiores consultorias norte-americanas em testes de personalidade destaca que “56% dos candidatos a vagas mentem, 41% falsificam registros, 64% dos empregados usa a internet da empresa para fins pessoais, 35% cometem furtos e 31% abusam de álcool e outras drogas”. São dados, no mínimo, preocupantes, mas o problema que enfrentamos com nossos legisladores é muito mais grave, alarmante, se considerarmos que são eles que criam e alteram leis tributárias, administrativas e penais, dentre outras matérias.

De volta ao Congresso Nacional, até hoje, supunha-se que a alfabetização e os bons antecedentes, além da maioria dos votos, bastassem para sufragar uma candidatura política. Mas a realidade atual é muito diferente da de quatro décadas atrás. Há 35 anos, o fato de um deputado federal ou de um senador ser mentiroso, desonesto ou um completo impostor desaguava em açudes regionais ou, no máximo, em afluentes dos grandes rios. Mas as redes sociais transformaram este cenário e, diante de uma nação absolutamente imbecilizada, as mentiras, as desonestidades e as imposturas tomam forma oceânica e agora, como num tsunami psiquiátrico, ameaçam varrer a integridade, a lisura e o que resta de virtude à classe política. Isso porque figuras como Nikolas Ferreira, Eduardo Pazuello (PL/RJ) e Damares Alves (Republicanos/DF), esta última no Senado, apresentam patologias evidentes e impeditivas.

O problema é que se a falta de caráter é, no cidadão ordinário, um defeito de viés personalíssimo, o mesmo não ocorre em relação àquele que, por uma aberração eleitoral, é investido de um mandato legislativo. Neste segundo, a decrepitude moral e a má índole são capazes de se espalhar como um câncer, colocando todo um país sob risco de metástase. Não bastasse a levianíssima influência que têm sobre uma minoria expressiva – de cada 120 brasileiros que foram às urnas, no primeiro turno das eleições de 2022, um votou em Nikolas Ferreira para deputado federal; parece pouco, mas, na verdade, é muito – eles têm um alcance em termos de comunicação que era inimaginável tanto em 1988, quando a Constituição foi promulgada, quanto em 1990, quando a LC 64/90 foi sancionada.

Faz-se urgente, portanto, a criação de novos filtros, capazes de impedir que pessoas incomuns, estranhas, anormais ocupem uma função política tão importante e que tanto nos compulsa. É fato que todo cidadão que cumpre as exigências de elegibilidade tem, hoje, direito ao mandato, mas é preciso mais do que isso: é preciso que ele tenha virtudes, dignidade e humanidade. O nosso silêncio, aceitando como uma regra democrática a eventualidade de termos celerados no comando do país, é uma omissão presente e futura. As leis, para exprimirem a vontade e a necessidade gerais, não podem ser postuladas por gente parva, por toupeiras, bestas, asnos, por animais.

O deputado federal Tiririca (PL/SP), que está na quarta legislatura, é um exemplo de que os limites constitucional (art. 14, § 9º da Constituição Federal) e legal (Lei Complementar nº 64, de 1990) estão defasados e que, só na base do sufrágio universal, é impossível evitar que um inepto se perpetue no Congresso, usando seu mandato como moeda de troca em conchavos partidários. Tiririca teve mais de 1,35 milhão de votos, em 2010, e conseguiu se reeleger pela terceira vez, no ano passado, com apenas 71,7 mil votos – votação 18,8 vezes inferior à de 13 anos atrás. Ou seja, de cada 19 eleitores que votaram nele, em 2010, apenas um reafirmou sua escolha, em 2022, o que representa uma fidelização de míseros 5% do eleitorado – e não pode haver, neste mundo, desaprovação mais explícita do que a perda de 95% do eleitorado. Mas poderíamos ter abreviado essa rejeição em 12 anos e explico de que forma:

No programa eleitoral de 2010, Tiririca pedia votos para “ajudar os mais ‘necessitado’, inclusive minha – no caso, a dele – família”. Em outra peça, indagava aos eleitores: “o que faz um deputado federal?”. Ao que respondia: “na realidade, eu não sei, mas vote em mim, que eu te conto”.

Doze anos se passaram e Tiririca ainda não contou – na verdade, não conseguiu abstrair – o que faz um legislador federal. E aqui cabe lembrar que, em novembro de 2010, depois de ser eleito com votação impressionante, ele foi submetido a um teste de leitura e um ditado, na Justiça Eleitoral de São Paulo. Após ler títulos e subtítulos de duas páginas de jornal, não alcançou o mínimo de 30% de desempenho na reprodução de um trecho com 12 palavras, dois artigos e cinco preposições. O Ministério Público pediu a impugnação da candidatura, que foi adiante porque só os analfabetos absolutos, e não os funcionais, são inelegíveis. E deu no que todos estamos vendo...

Tem-se por elementar que, se fosse submetido a uma avaliação de capacitação, Tiririca seria considerado apto, sim, para inúmeras funções, como as de palhaço e cantor. Mas o atual deputado federal não passaria em um teste básico de conhecimentos gerais, quanto mais num em que tivesse que discernir o papel dos legisladores ou a submissão das leis ao texto constitucional. E aqui há uma interseção entre Nikolas Ferreira e Tiririca: é que enquanto o segundo é o humorista que virou político, o primeiro é o político que se acha engraçado. Em ambos os casos e principalmente em relação a Ferreira, é facílimo antecipar que, ao transformar o Congresso em picadeiro, o zombeteiro não faz troça apenas do seu eleitorado amorfo, mas galhofa de todo o país, debocha do pobre, achincalha a classe média e empulha o rico. Quando sobre na tribuna, ele menospreza a Câmara, deprecia o legislativo, diminui a juventude, desqualifica Minas Gerais, deslustra sua família e rebaixa todos os demais deputados ao seu nível.

É uma conta – uma despesa – muito alta para pagarmos, como se fosse piada...

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247,apoie por Pix,inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO