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Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

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Nikolas Ferreira, MC Pipoquinha e a fantástica fábrica de bonecos do capitalismo

Os dois são produtos de um sistema capitalista que, quando não está oprimindo as minorias, está oferecendo a elas uma falsa sensação de liberdade

Nikolas Ferreira e MC Pipokinha (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados | Reprodução)
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Ela é a nova sensação do funk ousadia. Falo de MC Pipoquinha, também conhecida como a “Rainha da putaria”. E não falo com deboche e nem como um homem que pretende censurar a liberdade feminina que ela possui de se expressar artisticamente como bem entender. Embora, não tenha entendido muito bem a sua motivação artística em um vídeo que circula pelas redes sociais, onde ela e outra amiga interpretam, problematicamente, duas crianças usando chupeta, e brincando de tocar na “borboleta” uma da outra em cima da cama de um motel, onde ela teria sido levada pelo “pai”. What? Também me causou incômodo vê-la humilhando o salário dos professores brasileiros. Sobre isso, falarei mais adiante.

Eu sei que me arrisco nessas linhas por estar transitando em campo minado, porém, me atrevo a fazer um respeitoso questionamento ao movimento feminista com relação à representatividade da funkeira como mulher, uma vez que ela declarou em entrevista a um Podcast que “assédio é a coisa mais normal do mundo” e aconselhou as mulheres que não tem personalidade o suficiente para suportar uma importunação sexual, para que não usem roupa curta. Ela é aliada ou inimiga da causa? Seguindo em frente, me chamou a atenção uma apresentação em que Pipoquinha, visivelmente emocionada, se ajoelha no palco e defende a sua arte dizendo que não é uma vagabunda, que tudo ali faz parte do seu trabalho e ergue as mãos para o céu agradecendo à Deus por tudo que hoje ela possui. Tudo isso, sob o coro de “Pipoquinha, rainha da putaria”. Amém igreja?

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Primeiro, Doroth Helena, o nome de batismo de Pipoquinha, não é uma vagabunda. Há muito machismo em quem faz essa afirmação. Até porque, temos homens que também se apresentam artisticamente sexualizando o próprio corpo e não são rotulados como vagabundos ou prostitutos. Segundo, a sua performance no palco, ainda que agrida aos puritanos e cause algum constrangimento até em alguém com a mente mais aberta como eu, faz parte do trabalho que ela precisa desempenhar. Terceiro, e, quem sabe, o ponto mais complexo da questão, é que o deus que Pipoca agradece por abençoar abundantemente a sua “bitching party”, é o capitalismo selvagem, o mesmo que veste uma peruca loira no deputado federal Nikolas Ferreira, e o reveste de autoridade para fazer um discurso transfóbico em seu nome, em plena tribuna do Congresso Nacional e ofender as mulheres na data internacionalmente consagrada a elas. Se Pipoquinha é rainha, o parlamentar é rei. Nesse caso, da molecagem. Aos saudosos da Monarquia, eis vossas novas majestades. E viva o Império da distopia!

Em comum, ambos tiveram uma criação cristã e cheia de princípios religiosos, morais e éticos. Pelo menos, é o que supomos. Enquanto Pipoquinha foi adotada por uma família de Mórmons, Nikolas é filho de pais terrivelmente evangélicos. Outra semelhança entre os dois, é o fato de que a noção e o bom senso são coisas que eles não costumam utilizar em suas respectivas funções. Ao usar a tribuna da Câmara para promover ódio contra mulheres trans, o deputado mais votado de Minas Gerais nas últimas eleições provou que não é digno de continuar ostentando um mandato parlamentar, pois irá se aproveitar de sua imunidade para seguir destilando ataques contra minorias e incentivando os seus eleitores para que também o façam. Esse mesmo moleque, digo, deputado, chegou a declarar durante um debate com Guilherme Boulos na CNN, que “Jesus não veio aqui para acabar com a desigualdade, ele não veio para acabar com a pobreza. Ele veio aqui pagar um preço que ninguém poderia pagar”, numa tentativa estúpida de fazer parecer crível a ligação entre Jesus Cristo e o bolsonarismo, uma ideologia que aumentou a pobreza, a desigualdade e a miséria no país. Para os bolsonaristas, Bolsonaro foi enviado por Deus para libertar o Brasil do bicho papão do comunismo. Mas quem pagou o preço fomos nós.

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Nikolas Ferreira é um repetidor de frases prontas. Sejam elas bíblicas e fora de contexto, ou extraídas do discurso fascista comum. E ele as verbaliza por compilação. Se observarmos com mais atenção, entenderemos que a sua retórica é tão vasta quanto a poesia de MC Pipoquinha. Treinado nos laboratórios do fascismo neopentecostal brasileiro, o rei da molecagem usa a técnica de falar rápido como argumento retórico, sugerindo que raciocina na mesma velocidade. Repito: observem com mais atenção e perceberão que ele repete as mesmas coisas em qualquer tempo, espaço e circunstância. Voltando a condição parlamentar de Nikolas, vale lembrar que a tolerância do Congresso Nacional para com deputados que usam a prerrogativa da imunidade parlamentar para cometer crimes, permitiu que tivéssemos um presidente da república que fez apologia à tortura dentro daquela casa e que começou a sua carreira política assim como Nikolas, promovendo ódio e preconceito contra as minorias. O final dessa história nós já sabemos como foi.

Mas, por que bolsonaros, digo, diabos, você está associando a MC Pipoquinha ao deputado Nikolas Ferreira? Porque os dois são produtos de um sistema capitalista que, quando não está oprimindo as minorias, está oferecendo a elas uma falsa sensação de liberdade. Se me permitem, vou citar um trecho de uma composição minha chamada “O sistema não te ama”, onde eu escrevo: Ele fala que você é livre para ir e vir em qualquer direção. Mas ele segue todos os seus passos e marca o compasso da sua projeção. Ele diz que não sente ciúme, mas ele te pune se você não se entregar ao que ele chama de fraqueza humana, um ritual sacana a te sacrificar. Ele, o sistema, escolhe a dedo o seu alvo e quem irá alvejá-lo. A diferença é que Nikolas oprime, porque faz parte da categoria “liberto”, por ser homem, hétero, branco, cristão e hipócrita. Já Pipoquinha, “liberta” sendo oprimida através de sua sexualização, para conquistar o que jamais conquistaria se assim não se submeter. Porém, ao contrário do parlamentar, a MC carece de um pouco mais de empatia da nossa parte. A sua fala pejorativa e desdenhosa com relação ao salário dos professores, em comparação ao seu cachê, prova que ela precisa de uma ressocialização anticapitalista. Talvez, os seus shows que estão sendo cancelados em função dessa fala, a faça refletir e a se posicionar com mais inteligência e responsabilidade.

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O capitalismo é excludente em sua ideologia econômica e produz comportamentos antissociais, e, até mesmo, criminosos, nas pessoas que são mais beneficiadas por ele. Tudo o que Pipoquinha tem hoje, é graças ao seu acordo com esse sistema. Natural que ela se imponha como nova privilegiada por ele, tendo vindo de baixo, chegado a morar de favor na casa de conhecidos e até tendo estado em situação de rua. Ou seja, ela já viveu em situação de humilhação perante uma sociedade que te julga por aquilo que você tem. Só atire a primeira pedra quem nunca passou por situação semelhante. As respostas dadas para quem a critica, como no caso da professora de um de seus fãs, embora sejam equivocadas e desrespeitosas, são reflexos do pensamento capitalista que ela absorveu da pior forma e saem como um desabafo de quem um dia foi subjugada e teve que se virar, de todas as formas imagináveis e inimagináveis para alguns, para sobreviver, ser aceita e se afirmar nesse mundo capitalista. Muitos que estão julgando a sua fala com relação aos professores, podem não manifestar publicamente tal pensamento, mas nutrem dentro de si uma ideia de superioridade sobre os demais, se o seu salário for maior, se o seu grau de instrução for mais elevado, se a profissão que ocupa for considerada mais relevante pela sociedade, ou, até mesmo, pasmem, se tiverem mais seguidores nas redes sociais. Quem não se lembra do jornalista Bóris Casoy humilhando garis em rede nacional sem saber que estava sendo gravado? Imagina se muitos desses ganhassem o mesmo cachê da Pipoquinha e tivessem o ego ferido por uma crítica?

Hipocrisias à parte, é sempre importante lembrar do que Paulo Freire nos deixou como reflexão: “Quando a educação não liberta, o sonho do oprimido é se tornar opressor. ” Por isso, a importância de termos um governo como o do presidente Lula, que voltou a investir na educação desde a sua base. Crianças e jovens educados para serem libertos das armadilhas e das amarras do sistema, e para desenvolverem senso crítico através do ensino que lhes é aplicado, terão mais opções do que MC Pipoquinha teve para exercerem a sua liberdade e não se tornarão um Nikolas Ferreira no futuro. Uma boa educação de base, aliada a uma educação familiar que incentive o respeito às diferenças, fará com que habitemos em uma sociedade, de fato, civilizada, inclusiva, mais harmoniosa e menos capitalista. Enquanto for mais importante quem tem mais, Pipoquinhas continuarão a ser rainhas, outros Nikolas serão reis e a orgia capitalista reinará ad eternum como instituição social. 

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