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Rita Coitinho

Socióloga, Doutora em Geografia e membro do Conselho Consultivo do Cebrapaz

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Ninguém se comove com o Iêmen?

O Iêmen, um dos países mais pobres da região do Oriente Médio, enfrenta uma guerra civil sustentada por divisões internas. A guerra converteu-se em um verdadeiro tabuleiro onde enfrentam-se os interesses dos países maiores, mas, diferentemente do conflito Sírio, no entanto, a violência no Iêmen não parece comover tanto a mídia hegemônica

O Iêmen, um dos países mais pobres da região do Oriente Médio, enfrenta uma guerra civil sustentada por divisões internas. A guerra converteu-se em um verdadeiro tabuleiro onde enfrentam-se os interesses dos países maiores, mas, diferentemente do conflito Sírio, no entanto, a violência no Iêmen não parece comover tanto a mídia hegemônica (Foto: Rita Coitinho)
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Desde a sucessão de protestos apelidada como “Primavera Árabe”, o Iêmen, um dos países mais pobres da região do Oriente Médio, enfrenta uma guerra civil sustentada por divisões internas. A guerra converteu-se em um verdadeiro tabuleiro onde enfrentam-se os interesses dos países maiores, mas, diferentemente do conflito Sírio, no entanto, a violência no Iêmen não parece comover tanto a mídia hegemônica.

O Iêmen é uma pequena República, de pouco mais de 500 mil Km2 e cerca de 25 milhões de habitantes, situado em uma região de grande importância geoestratégica: localizado ao lado da Arábia Saudita, com quem divide sua maior fronteira, ao Norte, está cercado ainda a leste por Omã, a sul pelo mar da Arábia e pelo golfo de Áden (do outro lado do qual está a costa da Somália), e a oeste pelo estreito de Bab el Mandeb, que o separa de Djibouti, e pelo mar Vermelho, em frente à Eritreia. Além do território continental, o Iémen possui algumas ilhas situadas próximas ao Chifre da África.

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Basta olhar a localização do Iêmen, em frente ao Canal de Suez, constituindo-se como uma verdadeira porta de acesso entre dois continentes – Ásia e a África – para entender sua importância geoestratégica. Em 2011, na esteira da “primavera árabe”, irromperam fortes manifestações que levaram à renúncia do presidente Ali Abdallah Saleh, após assinar um acordo mediado pelo Conselho de Cooperação do Golfo. Saleh foi viver nos Estados Unidos. O acordo previa uma assembleia nacional e eleições gerais em 2014.

O governo que se estabeleceu após a renúncia de Saleh, do vice-presidente Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, ligado à Irmandade Muçulmana, foi posto em xeque por um levante da minoria xiita Houssi (ou Haussita, a depender do tradutor). Como esclarece o artigo de Assad Frangieh[1], “há quatro grandes correntes políticas no Iêmen. A Irmandade Muçulmana que está no poder e controla as principais instituições do país como o Exército, os Salafistas que se concentram ao norte próximo da fronteira com a Arábia Saudita, os Haussitas que fazem vizinhança com os salafistas e por fim, um movimento chamado de Al-Hirak sulino pacífico formado por ex-militares dispensados do Exército com a reunificação do país, estimados em 100 mil elementos mantendo aliança com movimentos socialistas e comunistas. Os Haussitas são xiitas, não da mesma seita do Hezbollah do Líbano, porém sob a tutela do Irã em razão da maioria dos iemenitas pertencerem à seita sunita tutelada pela Arábia Saudita. Com as situações na Síria e no Egito que frearam a Irmandade Muçulmana e desmascararam o apoio da Arábia Saudita aos movimentos salafistas e correntes da Al-Qaeda, a casa de Al-Saud retirou seu apoio ao Governo central da Irmandade Muçulmana ao mesmo molde que o fez no Egito de Mursi e focou sua ajuda aos salafistas do norte cuja escola religiosa fica em Dammage, vilarejo a 40 km da fronteira e 20 km da capital dos Haussitas, a cidade de Saada”.   Desde o levante Haussita, em 2014, o governo retirou-se da capital e instalou-se na cidade portuária de Aden, no sul do país. Houve uma escalada dos conflitos onde os países vizinhos procuraram influenciar, financiando os grupos que lhes convinham, incentivando o aprofundamento da violência e impedindo a realização de um acordo, especialmente a partir da decisão da Arábia Saudita de intervir militarmente, o que jogou o país em uma catástrofe humanitária, aprofundada pelo bloqueio econômico imposto pelos sauditas. O país, que divide 1.000 km de fronteira com o Iêmen, financia e apoia os Salafistas, enquanto o Qatar segue apoiando a Irmandade Muçulmana e o Irã tutela os Haussitas. Por sua parte, o Harak pede a separação do país, para que volte às fronteiras anteriores a 1990 – quando o Norte era uma monarquia e o sul uma colônia britânica. Como mostra o artigo de Frangieh, o Iêmen foi convertido na principal rota de envio de armas aos grupos fundamentalistas salafistas que atuam Síria, além de sediar a escola de formação de radicais islâmicos iemenitas e estrangeiros integrantes da Al-Qaeda e dos Wahabistas. Mesmo diante da catástrofe humanitária – segundo a ONU, em 2017, sete milhões de iemenitas dependiam exclusivamente de alimentos enviados pela organização em forma de ajuda humanitária – a Arábia Saudita segue financiando o conflito, além de já ter realizado diversos bombardeios, arrasando cidades e áreas rurais. Em 2015, o conselheiro da ONU para o conflito no Iêmen, Jamal Benomar, renunciou à função, denunciando a ação dos sauditas, que lançaram um bombardeio em meio às tratativas para um acordo. Segundo ele[2], as conversações estavam avançadas mas foram impossibilitadas pela ação do país vizinho.

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A casa de Saudi, imersa em escândalos de corrupção e intrigas desde a ascensão ao poder de Mohammad Bin Salman (MBS), parece não ter nenhum tipo de dissenso interno quando o assunto é o financiamento de grupos armados e o aprofundamento da violência no Iêmen e nos países próximos. Todas as suas ações até aqui indicam a decisão de impedir a ascensão do grupo xiita ao poder no país vizinho, assim como impossibilitar uma solução política acordada entre os diversos grupos, o que poderia levar à reestruturação da República iemenita. Não parece interessar aos sauditas a existência de uma república em suas fronteiras, afinal isto poderia refletir, internamente, na ascensão de movimentos de questionamento à monarquia fundamentalista do país mais atrasado, em termos de direitos humanos e conquistas democráticas, de todo o Oriente Médio.

Apesar de todo o sofrimento a que está submetido o povo iemenita, da fome extrema, das mortes de milhares de crianças e conforme notícias recentes, a ascensão de epidemias como o cólera, pouco se lê na mídia ocidental. Há uma verdadeira blindagem aos horrores daquela guerra e, muito especialmente, ao sórdido papel desempenhado pela monarquia saudita – assim como é ensurdecedor o silêncio da mídia ocidental à situação das mulheres sauditas, enquanto chovem notícias terríveis sobre os outros países de maioria muçulmana. Isso acontece porque os sauditas são aliados do ocidente e, principalmente, do bloco que compõe a OTAN. A recente denúncia, por parte dos Estados Unidos, do acordo nuclear com o Irã, pode reaquecer as tensões na região. O conflito no Iêmen, por opor justamente xiitas e salafistas, pode inclusive servir de pretexto a uma escalada das hostilidades contra o Irã, um país de maioria xiita e adversário dos EUA e dos sauditas na geopolítica regional.

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