Aquiles Lins avatar

Aquiles Lins

Aquiles Lins é colunista do Brasil 247, comentarista da TV 247 e diretor de projetos especiais do grupo.

234 artigos

HOME > blog

No Enem, uma geração que não vai se aposentar reflete sobre o envelhecer

Tema do Enem 2025 propõe reflexão sobre o envelhecimento e desafia jovens a pensar o futuro em um país que envelhece sem garantir cuidados

No Enem, uma geração que não vai se aposentar reflete sobre o envelhecer (Foto: Freepik )

O tema da redação do Enem 2025 — “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira” — convidou milhões de jovens brasileiros a refletir sobre o que parece muito distante de sua própria realidade: a velhice. Em um país que envelhece rapidamente, mas ainda cultua a juventude e desvaloriza a experiência, o exame propôs um debate urgente sobre o futuro que todos compartilhamos.

Com 4,8 milhões de inscritos, o Enem manteve sua tradição de abordar questões sociais invisibilizadas, como o racismo, o capacitismo e o etarismo — este último, o preconceito contra a idade. A escolha do tema mostra sensibilidade e atualidade. Falar de envelhecimento é falar de respeito, empatia e planejamento coletivo.

E neste planejamento, também abriga contradições profundas do nosso país e como tratamos as vidas que envelhecem . Desde a Reforma da Previdência de 2019, aposentadoria se tornou um horizonte cada mais distante e incerto. As novas regras instituíram idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres, com ao menos 15 anos de contribuição. Para receber o benefício integral, o trabalhador precisará contribuir por 40 anos — um cenário que, para boa parte dos brasileiros que enfrentam o desemprego e a informalidade, é simplesmente inalcançável.

Os jovens estudantes brasileiros foram instados a discorrer sobre perspectivas que também envolvem a desigualdade social. O Brasil é um país que envelhece antes de alcançar um padrão médio de condições de vida para a sua população, e que ainda não garante dignidade aos seus idosos — nem previdenciária, nem socialmente. Mas há sinais de mudança. O governo federal vem implementando a chamada Economia do Cuidado, que reconhece o valor econômico e social das atividades voltadas à manutenção da vida e do bem-estar — cuidar de crianças, idosos, pessoas com deficiência e doentes.Por meio da Política Nacional de Cuidados e do Plano Nacional de Cuidados, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) busca institucionalizar o direito ao cuidado e combater as desigualdades de gênero, já que o trabalho de cuidar — remunerado ou não — recai majoritariamente sobre as mulheres. O programa Brasil que Cuida, por exemplo, apoia famílias com idosos dependentes e valoriza trabalhadores e trabalhadoras do cuidado, reconhecendo que uma sociedade mais justa é aquela que compartilha responsabilidades e valoriza quem sustenta a vida cotidiana.

Essas políticas representam um passo importante para o país que o Brasil está se tornando: um país que envelhece rápido e que, se quiser ser verdadeiramente democrático, precisa aprender a cuidar. Cuidar dos outros e de si mesmo. Cuidar dos idosos de hoje e preparar o terreno para os de amanhã.

Ao propor esse tema, o Enem convidou uma geração a refletir sobre o próprio futuro — uma geração que talvez não se aposente, mas que precisará lutar para envelhecer com dignidade. A redação deste ano é um espelho do Brasil que somos e um aviso sobre o Brasil que poderemos ser.

A questão é: que país queremos construir, agora que estamos envelhecendo como nação? Seremos uma sociedade que descarta os mais velhos, como faz com tudo o que considera obsoleto, ou uma sociedade que reconhece neles a memória viva da nossa história? Envelhecer é inevitável; envelhecer com respeito deve ser um consenso da nação. E é preciso começar a escolhê-la desde já.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.