Nobel da Paz será desonrado pela encenação diplomática de Trump?
Às vésperas do anúncio do Nobel da Paz 2025, a candidatura de Donald Trump testa os limites da credibilidade do prêmio e desafia o sentido real da palavra ‘paz’
É ultrajante e revoltante: em seu discurso na ONU, em 23 de setembro de 2025, Donald Trump, com arrogância desmedida, proclamou que “todos dizem” que ele merece o Nobel da Paz por feitos como os Acordos de Abraão, mas que o verdadeiro prêmio é salvar milhões de vidas de guerras inglórias. A primeira questão é: todos quem, cara-pálida?
Essa autopromoção descarada mascara uma diplomacia caótica que planta discórdia, não harmonia, trocando paz genuína por holofotes baratos e ilusões passageiras.
No dia 10 de outubro de 2025, em Oslo, o Comitê Norueguês do Nobel anunciará o nome que, ao menos em teoria, simbolizará o esforço humano pela paz. A cerimônia ocorrerá, como há mais de três décadas, no frio contido do Oslo City Hall. Nos últimos três anos, esse palco recebeu causas que atravessam fronteiras e memórias: em 2024, o Nihon Hidankyo, voz das vítimas de Hiroshima e Nagasaki contra o horror nuclear; em 2023, Narges Mohammadi, prisioneira iraniana que resiste pelo direito das mulheres e contra a pena de morte; e, em 2022, Ales Bialiatski, Memorial e o Center for Civil Liberties, defensores obstinados da democracia em Belarus, Rússia e Ucrânia. É nesse mesmo cenário, feito para reconhecer quem costura o futuro com paciência e coragem, que o nome de Donald J. Trump começa a ecoar — não como promessa de reconciliação, mas como provocação ao sentido do prêmio.
Reflito comigo que existem prêmios que consagram. E também prêmios que, mal concedidos, viram monumentos ao equívoco. O Nobel da Paz nasceu para reconhecer quem constrói pontes duradouras entre povos. Mas também pode, se entregue a mãos erradas, transformar-se em um selo de prestígio para agendas que corroem a própria ideia de paz.
Em 2025, Donald J. Trump surge como candidato. A simples possibilidade já é um teste de resistência à integridade do prêmio. O Comitê Nobel, que já enfrentou crises de credibilidade, volta a se ver diante de uma decisão capaz de manchar não apenas o presente, mas a confiança no futuro.
Trump não edificou paz; montou cenários. Criou acordos de ocasião, com bandeiras tremulando e declarações calculadas para gerar manchetes, não estabilidade. É a diplomacia do instante: negocia-se diante das câmeras e, assim que elas se apagam, as fissuras reaparecem.
Seu governo, desde o retorno ao poder, tem se dedicado a enfraquecer instituições que sustentam a democracia — pré-requisito mínimo para qualquer pacificação real. Tribunais, Congresso e órgãos técnicos foram moldados para servir a uma lógica de controle político que transforma neutralidade em peça decorativa.
No exterior, fez do comércio um campo de batalha: tarifas como armas, sanções como cercos. Rompeu acordos, abalou alianças e vendeu a imagem de estrategista implacável. Quando a narrativa não bastava, recorria ao improviso militar: o ataque aéreo ao Irã em 2025, decidido no impulso, arruinou negociações delicadas e gerou repúdio até de países que haviam endossado sua indicação ao Nobel.
A paz, para Trump, parece um rótulo publicitário. Seus “acordos históricos” frequentemente excluem os principais envolvidos, como se o diálogo fosse um detalhe dispensável. O resultado é previsível: conflitos suspensos por conveniência, à espera do próximo estopim.
Recordo uma frase anotada em um caderno antigo: “Há quem confunda o silêncio entre dois tiros com a conquista da paz”. É essa confusão que sustenta sua candidatura. Paz não é interlúdio; é processo. Requer persistência, inclusão e a renúncia consciente à lógica do confronto.
Premiá-lo equivaleria a validar a diplomacia de espetáculo, onde a encenação suplanta a negociação paciente. O Nobel passaria a chancelar o efêmero — como aconteceu em 1973, quando Henry Kissinger e Lê Đức Thọ receberam o prêmio em meio à Guerra do Vietnã, provocando renúncias no Comitê e descrédito internacional.
Hoje, o risco é o mesmo: erosão moral, protestos e o recado implícito de que construir a paz não é tão importante quanto encenar que ela existe.
As estátuas, como se sabe, não falam. Mas há silêncios que acusam. Rejeitar Trump não é gesto partidário; é reafirmar que o Nobel não se curva a aplausos momentâneos nem a lideranças que confundem palco com mesa de negociação.
O contrário disso seria coroar a divisão, o improviso e o teatro político como virtudes, gravando na história do prêmio uma infâmia indelével. Que o futuro, ao folhear os arquivos de Oslo, não depare com a vergonha de 2025, quando a paz foi reduzida a um golpe de cena, traindo o legado de Nobel e zombando da humanidade que anseia por reconciliação verdadeira.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

