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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

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“Nós já botamos a granada no bolso do inimigo: dois anos sem aumento de salário” - a mentira como estratégia de governo

"Esta frase foi dita por Paulo Guedes na reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020. Uma reunião sem pauta onde um bando de traidores do povo aproveitou para destilar seu ressentimento, seu ódio ao povo, sua ignorância, seu falso moralismo e cristianismo de fachada. Foi um verdadeiro desfile de entreguismo, autoritarismo e sentimentos antidemocráticos", afirma o antropólogo Pedro Simonard

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“E é nessa confusão toda, todo mundo tá achando que estamos distraídos, abraçaram a gente, enrolaram (sic) com a gente. Nós já botamos a granada no bolso do inimigo: dois anos sem aumento de salário”. Esta frase foi dita por Paulo Guedes na reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020. Uma reunião sem pauta onde um bando de traidores do povo aproveitou para destilar seu ressentimento, seu ódio ao povo, sua ignorância, seu falso moralismo e cristianismo de fachada. Foi um verdadeiro desfile de entreguismo, autoritarismo e sentimentos antidemocráticos. Nesta frase, Paulo Guedes expõe como os neoliberais percebem os funcionários públicos que ganham baixos salários. Estes são “inimigos” nos bolsos dos quais devem ser colocadas granadas. A regra é mentir, é fingir que se está de acordo com as reivindicações desses trabalhadores, enquanto se coloca a “granada”. É preciso ressalvar que só os funcionários públicos mal remunerados são considerados inimigos. Aqueles que são tidos como “peixes”, “parças” e apoiadores que são os militares, os quadros dos órgãos de segurança e os funcionários da justiça não terão seus salários congelados e já foram ou serão agraciados com aumentos salariais polpudos. Se existem funcionários públicos privilegiados que precisam ter seus ganhos controlados são aqueles que contam com regime de aposentadoria integral, apesar de descontarem para a previdência a mesma porcentagem que os funcionários “inimigos” do Guedes, são aqueles que contam com penduricalhos em seus rendimentos que os fazem ganhar acima do teto salarial estabelecido pela Constituição. Mas com estes Guedes não ousa bulir.

O desprezo para com o povo pode ser percebido em outra frase proferida por Guedes na mesma reunião. Ele afirmou que “nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grande companhias, agora nós vamos perder dinheiro, salvando as pequenininhas”. É preciso esclarecer quem são o “nós”. Guedes é, sabidamente, banqueiro, fundador do Banco Pactual e de outras instituições ligadas ao mercado financeiro. Também participou da fundação do Instituto Millenium, um think tank liberal apoiado por várias grandes empresas. Ao falar “nós” ele parece ter cometido um ato falho no sentido de “nós, os banqueiros” e estaria reconhecendo que o governo Bolsonaro é um governo de banqueiros para os banqueiros. Não custa lembrar que a primeira medida de combate à pandemia causada pelo Covid-19 implementada pelo governo federal foi liberar 1,2 trilhão de reais para assegurar a liquidez do mercado e este mesmo governo se recusa a taxar os lucros dos bancos e a cobrar impostos sobre grandes fortunas. Se a questão é “ganhar dinheiro”, não faz sentido privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e outras tantas estatais que dão lucros consistentes e que fazem o governo “ganhar dinheiro”. A questão, fica claro, é que o lucro dessas estatais é apropriado pelo povo brasileiro e, na visão dos neoliberais, isto é inconcebível. No entendimento destes, o lucro tem que ser abocanhado pelo mercado, pelos grandes fundos de investimento, por qualquer outro grande rentista do mercado internacional.

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A agilidade demonstrada para liberar dinheiro para os bancos contrasta com a lentidão e desinteresse em pagar o auxílio emergencial de 600 reais para os trabalhadores de baixa renda. Contrasta também com o burocrático desinteresse em liberar crédito para os micros e pequenos empresários do país porque “nós vamos perder dinheiro, salvando as [companhias] pequenininhas”.

Guedes não está preocupado com os “pequenos”, com o povo. Ele é membro e representante do segmento de classe burguesia financeira que serve como base de sustentação ao governo de Jair Bolsonaro e está atuando dentro do próprio governo. Desta maneira, ele utiliza seu cargo para defender seus próprios interesses. Por isto, este governo não se preocupa com o povo. 

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Bolsonaro foi eleito para implementar um programa político e econômico que permita ao capital especulativo utilizar o tesouro nacional como seu banco particular. Como os “pequenos” não aplicam grandes somas de dinheiro no mercado financeiro se tornam irrelevantes para o banqueiro ministro. 

Mas a frase de Guedes não foi a única auto confissão de crime de traição proferida e ouvida na reunião ministerial do dia 23 de abril. Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente, também cunhou uma especial. Disse ele que “... precisa ter um esforço nosso, aqui, enquanto estamos neste momento de tranquilidade, no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala no Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas do IPHAN, do Ministério da Agricultura, do Ministério do Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo”. Salles é um dos fundadores do Movimento Endireita Brasil (MEB), cujo nome tem um duplo sentido e significa um desejo de endireitar o Brasil, como se este estivesse torto, bem como de tornar o Brasil um país governado pela direita. O MEB tem entre seus princípios constitutivos o objetivo de “reabilitar a palavra direita” no vocabulário político brasileiro. 

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Eleito deputado federal pelo partido Novo em São Paulo, Salles fez sua campanha baseada no slogan “segurança no campo”. Seu material de campanha possuía uma fotografia sua, seu slogan, uma fotografia de um javali e outra de militantes do MST. Acima da fotografia do javali a frase “contra a praga do javali” e acima da fotografia dos militantes do MST “contra a esquerda e o MST”. Embaixo de ambas as fotografias uma seta indica uma caixa de cartuchos de bala 30-60 (o número que ele escolheu para concorrer para deputado federal). Ele indicava, claramente, que javalis e esquerdistas deviam ser eliminados. Como se não bastasse, o Ministro do Meio ambiente é a favor da liberação da caça de animais silvestres e réu por fraude ambiental.

A referida frase de Salles é impactante por dois motivos. Primeiro, porque considera que o Brasil passa por uma conjuntura “tranquila”, como se a pandemia que já levou mais de 20 mil vidas em várias cidades brasileiras fosse algo secundário, mero artifício para distrair a atenção da imprensa e da opinião pública de assuntos mais importantes. Ele deve concordar com Bolsonaro que afirmou recentemente ser a liberdade mais importante do que a vida, como se os mortos tivessem alguma possibilidade de exprimir sua liberdade. Em segundo lugar, o ministro confessa publicamente que a mentira e a dissimulação são estratégias de governo utilizadas pelos traidores do povo para aprovar medidas antipopulares, entreguistas e que empobrecerão o Brasil. Estas estratégias ficam muito evidentes quando ele recomenda que outros ministérios a utilizem e nenhum dos ministros titulares das pastas citadas nem o presidente da República retrucaram ou recusaram a recomendação por ele verbalizada. Estas estratégias seriam fundamentais para realizar alterações em normas e regulamentos que, como ele mesmo afirmou em outro trecho do vídeo em questão, são sempre revistos pelo Congresso Nacional ou pelas altas cortes do país que as impedem de ser implementadas.

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Abraham Weintraub também teve seu “momento de glória” na  reunião de 23 de abril quando afirmou “(...) odeio o partido comunista [trecho censurado pelo STF] que está querendo transformar a gente em uma colônia, este país não é..., odeio o termo povos indígenas, odeio esse termo, odeio... povos ciganos... Só tem um povo neste país, quer quer, não quer, sai de ré. É povo brasileiro”. O ministro resolveu fazer da reunião ministerial uma sessão de psicanálise e verbalizar todos os seus ódios íntimos. Para ele, a política é o local do ódio, é o local onde o cidadão deve desrecalcar todos os seus mais íntimos desejos recalcados. Para ele, o adversário político torna-se inimigo. Ele afirmou que o partido comunista queria transformar o Brasil em uma colônia. Surpreendente! Ele desconhece a força dos partidos comunistas na atual conjuntura brasileira e também desconhece o sentido da palavra colônia. Exatamente por qual país, por quem ou pelo que o Brasil seria transformado em colônia pela ação dos PCs permanecerá uma incógnita, afinal de contas, Weintraub é um “lacrador”, um formulador de frases vazias de conteúdo e mentiras, as quais ela não explica, mas que causam alto impacto entre os eleitores do Jair. Uma mentira repetida insistentemente se torna verdade.

As consequências da liberação do vídeo da reunião não parecem muito claras. O suposto crime de interferência na PF não parece muito bem qualificado, já que mudar a chefia do órgão está entre as prerrogativas do presidente da República. Será difícil qualificar crime nesta ação. Isto demonstra que Sérgio Moro tem um sério problema em reconhecer provas, confundindo-as com suas convicções.

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O Sistema Globo selecionou os pedaços do vídeo da reunião que considera os mais “quentes” para repeti-los, interminavelmente, na tentativa de transformá-los em fato político. Mesma estratégia utilizada contra Lula e contra a Dilma. Se isto funcionará ou não dependerá da capacidade de mobilização de massas que os lados em litígio demonstrarão. 

A oposição fez o que vem fazendo até aqui: manifestou-se pelas redes sociais e soltou algumas notas de repúdio, mostrando que não consegue agir de maneira prática na conjuntura brasileira atual. 

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De concreto até agora só o fato de o apresentador José Luiz Datena, uma espécie de relações públicas de Jair Bolsonaro, ter declarado em seu programa que se afastaria do governo devido ao fato de o presidente da Caixa Econômica Federal ter declarado na reunião que o Rede Bandeirantes havia recebido dinheiro do governo federal para defender seus interesses.

Enquanto o governo Bolsonaro continuar neste rumo, será difícil derrubá-lo do poder e isso só acontecerá quando a classe média, que compõe grande parte dos 30% dos eleitores que ainda apoiam o governo, sentir na pele o desemprego, a falência dos seus pequenos negócios, a perda de sua posição de classe. Até lá Bolsonaro poderá cometer mais tantos crimes de responsabilidade ou crimes comuns quantos ele quiser que nada acontecerá, sobretudo porque a oposição, sabe-se lá por que, ainda acredita que vai demovê-lo do poder acionando as dissolutas instituições da República. Não faltam crimes para derrubar Bolsonaro, não faltam bem embasados pedidos de impedimento para tirá-lo do poder; falta vontade política, faltam instituições sólidas que queiram executar esta tarefa, falta, principalmente, povo nas ruas pressionando, querendo mudar tudo e colocar-se no poder.

A mentira sempre foi a principal estratégia utilizada por governos fascistas. Todos nós sabemos no que estas estratégias resultaram. 

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