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Heraldo Tovani

Professor, formado em História, com pós-graduação em Psicopedagogia e especialização em Psicanálise

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Nós, professores e o ódio acima de todos

A deputada Joice Hasselmann ou ignora os números da educação brasileira ou é má intencionada, ou não sabe as dimensões do país que ela representa, ou é somente odienta, despreparada e belicista, querendo dar o primeiro tiro de infantaria contra os inimigos que ela e seu grupo elegeram.

Nós, professores e o ódio acima de todos (Foto: Agência Câmara)
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".. sabe por que a nossa educação é tão ruim? Porque os nossos professores, lamentavelmente, hoje, não sabem ensinar." (Joice Hasselmann, deputada federal, PSL-SP) - Veja o vídeo

 

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Professores, estamos em guerra.

O governo instalado há dois meses e sua base aliada escolheram seus inimigos.

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Na verdade, desde de a campanha eleitoral já éramos um dos alvos preferenciais.

Éramos os aplicadores do Kit Gay, incentivávamos as mamadeiras de piroca, promovíamos à sexualização tarada das criancinhas, formávamos núcleos petistas de ideologização da educação, promovíamos o marxismo cultural.

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Por não aceitarmos as teorias de que não houve ditadura militar no Brasil, de que a Terra é plana, de que o aquecimento global é uma conspiração marxista global ou de que Charles Darwin foi um enviado do capeta e que a verdade está na doutrina fundamentalista protestante do criacionismo, por tudo isso, somos os inimigos. Um dos principais inimigos.

E precisamos entender, eles não sobrevivem sem inimigos.

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Trata-se de um governo bélico, um governo de guerra. Um governo que surgiu como produto colateral do ódio fabricado pela elite nacional, sua imprensa e seus lacaios das redes sociais e mídias eletrônicas, a partir de 2016.

Para existir, este governo precisa estar em combate, em guerra, pois este é o único discurso que ele tem. Ele foi eleito sem formular uma única proposta de governo, foi eleito não com uma plataforma de governo, mas sim com uma estratégia de guerra, com armamento, culto as armas (seu símbolo de campanha), prometendo metralhar a petralhada, combater os sindicatos, as organizações populares, os socialistas e democratas, as mulheres, índios e homossexuais. Guerra e mais guerra e mais guerra.

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Sua tática guerreira, seu plano de vitória inicia-se combatendo os mais fracos. Externamente, alia-se ao gigante militar EUA, a uma aliança de diversos países da América Latina e investe contra a combalida e vulnerável Venezuela. Internamente, começa sua luta sobre os mais desprotegidos e, por natureza, os mais avessos à guerra, nós, os professores.

Uma legião de extremistas de direita, seguidores fieis do governo, espalhados pelo país, produzindo conteúdos de ataques na mídia aliada, nas redes sociais e com um exército de zumbis políticos formando opinião na internet, nos escolheu como o principal inimigo interno.
Poucos dias antes do episódio do Hino Nacional nas escolas (mais um dentre os vários vexames nacionais que esse governo é pródigo em produzir), houve o discurso da deputada Joice Hasselmann, no plenário da Câmara dos Deputados, transmitido ao vivo pela TV Câmara e replicado milhares de vezes nas redes sociais.

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Um vergonhoso e covarde discurso contra a educação e contra os professores que confirma a tese de que estamos em guerra.
Já disseram que em toda guerra a primeira vítima é sempre a verdade. E a deputada abusou da farsa.

"O Brasil gasta 1 bilhão por dia com educação." Disse a deputada, em seu discurso, justificando assim a sua afirmação que no Brasil o problema da educação não é de investimento.

Nas redes sociais esse número de 1 bi/dia foi bastante rebatido por diversos comentaristas.

A farsa, no entanto, não está na cifra, mas na forma em que ela é exposta.

1 BILHÃO por dia é um montante enorme, ainda mais quando falado lentamente, pausadamente e em tom de teatro de chanchada, como faz a deputada, o número assusta a qualquer pessoa, mesmo aos bilionários.

No entanto, não estamos falando de pessoas, mas sim de país. País este com a oitava ou nona maior economia do mundo, com um Produto Interno Bruto de R$ 6,6 TRILHÕES, em números de 2017; com um orçamento com previsão de gastos da ordem de R$ 3,57 TRILHÕES, no ano de 2018.

1 BILHÃO por dia, para o Brasil, equivale, para deixarmos mais simples, a uma pessoa física que tenha uma poupança de R$ 35.700,00 e gaste R$ 10,00 por dia com educação de um filho. A proporção é a mesma.

O que a deputada não diz, no entanto, é mais grave do que a farsa que ela promove. Sua intenção, como dissemos, é iniciar a guerra sobre os mais vulneráveis.
Ela não diz que no orçamento de 2018 destinou-se ao refinanciamento da dívida pública a quantia de R$ 1,16 trilhões. O que equivale a R$ 4,6 bilhões por dia útil.

Ela não diz que só para pagar os juros da dívida pública, o Brasil desembolsou nada menos que R$ 1,254 bilhões, por dia útil.

E, logicamente, ela não vai dizer que o Congresso Nacional brasileiro é o 2º mais caro do mundo; que cada um dos 594 parlamentares de Brasília custa R$ 7 milhões por ano (segundo o jornal BBC Brasil de 7/12/2018); o Congresso Nacional custa R$ 20,790 milhões por cada dia de trabalho (contando-se 200 dias trabalhados por ano); que um dia das duas casas custa R$ 35 mil, por parlamentar.

Ela não diz que o judiciário brasileiro teve, em 2017, um orçamento de R$ 91 bilhões, sendo perto de 90% desse montante apenas para salários e mordomias (segundo Jornal O Globo, 27/08/2018).

Declarar guerra aos poderosos banqueiros ou aos semideuses togados do judiciário exige uma coragem que a parlamentar do PSL definitivamente nunca terá. Mais fácil é vencer os marxistas culturais do professorado brasileiro.

Derek Bok, educador e jurista norte americano, tem uma frase lapidar. Diz ele: "Se você acha a educação cara, experimente a ignorância".

No nosso caso, é exatamente isso que estamos experimentando.

A deputada Joice Hasselmann ou ignora os números da educação brasileira ou é má intencionada, ou não sabe as dimensões do país que ela representa, ou é somente odienta, despreparada e belicista, querendo dar o primeiro tiro de infantaria contra os inimigos que ela e seu grupo elegeram.

Primeiro ponto: o orçamento federal da educação, 2019 é de R$ 122 bilhões. Mesmo que o aporte de Estados e municípios dobre esse valor, ainda assim não chega a 1 bilhão por dia.

Segundo ponto: Considerando o censo escolar de 2017, divulgado pelo MEC, havia no Brasil, nesse ano, perto de 49 milhões de alunos, na rede pública, em todos os níveis. Distribuídos em aproximadamente 250 mil unidades de ensino.

Assim, considerando como verdadeira a farsa apresentada pela deputada, de 1 BILHÃO por dia, cada unidade escolar brasileira receberia R$ 4.000,00/dia – considerado igualmente de creche a universidades.
Cada aluno, R$ 20,40/dia.

Não sei se vou conseguir explicar à deputada, pois sou só um professor e não sei ensinar. Mas, exatamente por ser professor, vou continuar tentando, mesmo que a aluna não seja das melhores.

Uma escola onde leciono, na periferia da cidade de São Paulo, tem 18 salas de aula. Cada período de 1 aula significa, assim, 18 horas/aula. Há 6 aulas no período da manhã, 6 no período da tarde e 5 no período da noite. Isso totaliza 17 horas/aulas por dia, por professor, por sala. Mesmo considerando o miserável piso de R$ 14,99 a hora/aula, incluído aí o adicional noturno, isso soma:

(R$ 14,99 x 18 salas x 17 períodos por dia) = R$ 4.586,94/dia, só para os professores. Isso já excede em R$ 486,94 o valor diário de R$ 4.000,00/dia, mesmo considerando o valor superfaturado apresentado pela deputada.

Faltaria ainda considerar os custos de diretor de escola, vice diretor, coordenador pedagógico, responsáveis de pátio, cozinheira e ajudantes, faxineiras, alimentação três vezes ao dia para os alunos, uniformes, manutenção de escola, materiais didáticos, sala de informática, laboratórios, biblioteca, água, luz, internet, telefone, pessoal de secretaria, materiais de escritório entre mil outros itens do cotidiano escolar.

Qualquer pessoa minimamente ética faria essas simples equações, antes de tornar público nacionalmente uma informação distorcida. A menos que a informação não tenha a intenção de informar e sim de formar opinião contra os inimigos. Uma tática, aliás, muito comum em qualquer guerra.

Sra. Deputada, para que um professor conseguisse receber apenas 1% dos 35 mil/dia, que é quanto custa um parlamentar, UM POR CENTO, ele teria que ministrar 23,4 aulas por dia (20 horas trabalhadas por dia). Ou seja, teria que dispor de mais horas que as disponíveis no ciclo de um dia. Em outros termos, é impossível, IMPOSSÍVEL, a um professor conseguir alcançar apenas 1% do valor que um deputado custa aos cofres públicos.

A Sra., deputada diz que não sabemos ensinar. Na verdade, a deputada é que não sabe o significado do ato de ensinar. A Sra. deputada confunde o termo ensinar com adestrar.
O verbo adestrar, deputada, indica tornar obediente, submisso, cumpridor robotizado de comandos. Significa ser cívico, não civilizado; ser patriota e não cidadão da pátria; seguir uma dada moral, ao invés de ser ético. Vocês querem adestrar nossos jovens para fazer sem pensar ao invés de pensar antes de fazer.

Diariamente, os professores de educação básica do país acolhem seus alunos. ACOLHEM, deputada. O verbo acolher indica oferecer refúgio, abrigo, amparo, conforto físico e psicológico, lugar de acarinhamento.

Acolhemos diariamente uma maioria de crianças e adolescentes desacolhidas em casa, desacolhidas dos aparelhos de lazer e cultura – dever do Estado -, desacolhidas da cultura. São pequenos brasileiros que têm, em muitos e muitos casos, somente seus professores como únicos referenciais de adultos.

Minha aluninha, do 6º ano, 12 anos de idade, cuida de 3 irmãos menores, enquanto a mãe trabalha. Dá café da manhã, faz o almoço, dá banho, troca... O pai saiu de casa quando ela tinha apenas dois anos de idade. Uma única vez ela teve a oportunidade de ir ao Hopi Hari, numa excursão de escola, no ano passado, mas não pode ir, pois não tinha com quem deixar os irmãos. Nunca foi ao cinema, teatro, museu, galeria de arte. Nunca viajou à praia, nunca comeu no MacDonald.

Numa roda de conversa, que promovi na sala de aula, perguntei o que lhe fazia falta, o que a deixava triste. Ela pensou por alguns minutos e formulou a sua queixa: o que ela mais queria era que a mãe a abraçasse e desse carinho.

Outra, de 14 anos, respondeu que quando crescer quer ser gerente do tráfico de drogas.

Um menino me chama em particular e timidamente me pergunta: Se cortarem o meu pinto, nasce outro?

Outro me pergunta: Professor, o que eu devo fazer, pois descobri que tenho fimose?

Outro: Professor, quando eu transar a primeira vez vai sangrar?

Vários outros meninos e meninas dizem "oi professor!" e param ao lado, sem dizer nada, só sorrindo um riso franco. Só querem ficar ao lado de um adulto, talvez buscando alguma proteção...

Deputada, vá à merda!!!

 

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