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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Nós que o abismo vemos

O abismo no qual este país foi transformado se alarga e se aprofunda feito metástase. Nós que o vemos, temos a nítida sensação de que ele também nos vê. Exauridos, fitamos suas entranhas e as observamos regurgitar as figuras mais decrépitas e abjetas, que só um organismo inumano poderia gerar

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Nos filmes de aventura da década de 80 era comum que houvesse uma cena, na qual um desavisado personagem caia na areia movediça e era engolido por ela. Também era recorrente a presença de abismos, fossem eles na terra ou no mar. Em produções mais recentes, optou-se por desastres naturais com vulcões explodindo, tsunamis e terremotos. Obras assim, seja na literatura ou no cinema, costumam receber denominações como “distópica” ou “apocalíptica”, entre outras. 

Muitos nunca imaginaram, no entanto, que um dia a ficção poderia “se tornar realidade”, uma vez que tragédias assim, acreditávamos, só seriam possíveis no mundo da imaginação. Contudo, as aterrorizantes cenas que víamos na salinha escura de um cinema perto de nós, hoje são a mais pura realidade, descontando-se, é claro, as areias movediças engolidoras de personagens chatos. E assim, abundam obras especulativas, como O conto da aia (1985), de Margaret Atwood, por exemplo, e pós-apocalípticas, como A Estrada (2006), de Cormac McCarthy. O ser humano do século XX e do início do XXI mostra-se determinado, não nos faltam exemplos, a demonstrar por suas ações, que pode exercer sua crueldade sem que qualquer um desses conceitos mencionados seja capaz de explicar toda a brutalidade de uma espécie. E assim, seguimos na devastidão de nós mesmos.

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No caso das cenas de terremotos, por exemplo, é angustiante ver a terra rachando e engolindo tudo o que encontra pela frente. Não muito longe desta imagem, é o que temos sentido como brasileiros. Parados ou em movimento, as rachaduras causadas pelo golpe de 2016 continuam avançando e se expandindo em todas as direções, deixando a impressão de que em algum momento seremos todos tragados por elas; pois há um cansaço generalizado, um torpor que dorme e acorda conosco, quase nos impedindo de correr, de lutar. No entanto, aprendemos com Glauber Rocha, que “mais forte são os poderes do povo”, enquanto Joan Baez nos diz: “No nos moveran”. 

O abismo no qual este país foi transformado se alarga e se aprofunda feito metástase. Nós que o vemos, temos a nítida sensação de que ele também nos vê. Exauridos, fitamos suas entranhas e as observamos regurgitar as figuras mais decrépitas e abjetas, que só um organismo inumano poderia gerar. Os seres que o abismo pulula odeiam o outro, o diferente, pois detestam a si mesmos. São infelizes na sua existência, por isso, perigosos. Rastejam na imundice da desordem e chafurdam no lamaçal da impunidade. 

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As criaturas abissais que hoje infestam a nação, sempre estiveram por aí e sempre foram o que são. Das profundezas onde vivem, aplaudiram quando o navio, carregado de Césio 137, aportou no país no fatídico ano de 2016. Cegos pela luz, os “inocentes do abismo” logo se declararam inimigos do conhecimento, da cultura e da razão; coisas que os ferem de morte. Enredados na sua ignorância, as criaturas abissais não viram A última floresta. Não leram, mas odiaram “Copacabana”, de Chico Buarque, apenas por ser de Chico Buarque.

Os seres do abismo, que jamais desejaram entender a pintura de Jaider Esbell, são do tipo que ameaçam jovens com “chibatadas”, gritam “preta suja!”, defendem o trabalho infantil, mas calam frente a indecência dos sigilos de cem anos e dos orçamentos secretos. As criaturas abissais em nada são inocentes, mas cúmplices em tudo o que aí está.

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