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Alex Solnik

Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão" e "O domador de sonhos"

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Notícias da gripe espanhola

O jornalista Alex Solnik relembra como a gripe espanhola afetou o Brasil em 1918. "Não houve quarentena, nem isolamento social, nem máscaras, nem preocupação em construir hospitais; o que o governo incentivava era a automedicação"

Gatinhos de máscara durante a gripe espanhola em 1918 (Foto: Divulgação)
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“A cidade apresentava ontem um aspecto fora do comum. Havia pouco movimento nas ruas, quase todos os teatros estavam fechados, havia muitas casas comerciais de portas cerradas, não houve aulas em muitas escolas e as farmácias estavam cheias. Nos cafés e nos outros estabelecimentos que abriram as portas o movimento era diminuto”.

   O leitor poderia supor que se trata de uma notícia dos dias atuais, mas essa nota saiu no “Jornal do Brasil” de 16 de outubro de 1918, quando a gripe espanhola estava no auge no Rio de Janeiro, então capital do país.

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   Outra coincidência: o palácio presidencial também foi contaminado:

   “A epidemia invadiu o palácio do Catete. Três funcionários da portaria foram atacados. Também foram acometidos três guardas civis dos que fazem o serviço do palácio”.

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   O vírus também pegou o presidente Wenceslau Brás, que se recuperou bem, o que, aqui entre nós foi um milagre, pois os tratamentos eram os mais disparatados naqueles tempos, como veremos adiante.

   As coincidências terminam aí. Não houve quarentena, nem isolamento social, nem máscaras, nem preocupação em construir hospitais; o que o governo incentivava era a automedicação, como se vê nesse comunicado da Diretoria de Saúde Pública do Rio de Janeiro (não havia ministério da Saúde) publicado nos jornais a 22 de outubro de 1918 intitulado “Para evitar a gripe ou influenza”, que recomenda usar “essência de canela” e “gargarejo com sal de cozinha”, dentre outros conselhos:

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   “Abster-se de todo e qualquer excesso a fim de não ser diminuída a resistência orgânica; evitar o uso, e com razão, o abuso de bebidas alcoólicas; resguardar-se contra os resfriamentos; lavar a boca e gargarejar com uma solução de sal de cozinha na seguinte proporção: uma colher de sopa para um litro de água fervida. Fazer uso diariamente de uma solução de essência de canela conforme as seguintes doses: 1 colherinha das de café em meio copo d’água açucarada de duas em duas horas até desaparecer a febre. Depois tomar uma colher em meio copo d’água três vezes ao dia.

   Conselhos aos que se acham no início da infecção:

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   Tomar um purgativo salino. Em seguida fazer uso de cápsulas de quinino, aspirina, salicylato de sódio.

   Dieta: o uso de frango ou galinha não é indispensável. A dieta poderá ser mantida por meio de leite, caldo de sopa de cereais, de legumes, de lentilhas, de arroz, aveia, etc etc”.

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   A essência de canela tornou-se produto de primeira necessidade, e podia ser apreendido pelo governo a qualquer momento e em qualquer lugar, como indica essa notícia do “Jornal do Brasil” de 26 de outubro de 1918:

   “A pedido da Diretoria de Saúde Pública o Comissariado requisitou ontem essência de canela  que existia nas drogarias Berrini, Giffoni e Granado”.

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   Leite condensado e galinhas também eram armas na luta contra a gripe espanhola:

   “Ontem o comissariado requisitou todo o leite condensado que existia nos depósitos do Distrito Federal e entregou-o à Diretoria da Saúde Pública para ser distribuído pelos hospitais e casas particulares onde há enfermos”.

   “O sr. Dr. Leopoldo de Bulhões mandou avisar aos criadores de galinhas do interior que o Comissariado recebe à consignação todas quantas lhe forem enviadas. Ontem o Comissariado voltou a requisitar as galinhas que chegaram à estação de Praia Formosa e ao entreposto de S. Diogo.  As galinhas foram entregues à diretoria da Saúde Pública para serem distribuídas pelos hospitais. No entreposto de S. Diogo o público, por deficiência do policiamento atacou os trens que conduziam as galinhas. Ao Comissariado foram vários vendedores de galinhas pedir garantias para seus estabelecimentos que diziam ameaçados de serem assaltados pelo público”.

   Não era proibido oferecer panaceias contra o vírus, tanto é que anúncios como esses podiam ser encontrados nos jornais todos os dias:

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   Influenza espanhola

Cura-se e evita-se com ervas medicinais à venda na rua da Constituição no.17

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Espanhola?

Não há perigo, cura-se facilmente na Farmácia Fortunato usando as fórmulas do Dr. Batista de Almeida

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Influenza Espanhola

Cura-se com os lenços “geográficos” de 4$500 a dúzia na conhecida casa da rua dos Andradas no.44

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   As manchetes, no entanto, eram assustadoras:

   “A epidemia continua a devastar a cidade. O número de mortos ontem foi além de 300 (Jornal do Brasil, 22/10/18).

   “A epidemia alastra-se pelos subúrbios. O número de mortos ontem foi maior do que nos dias anteriores” (Jornal do Brasil, 25/10/18).

   “A cidade ainda sob o peso da desgraça; como desaparecem os corpos na vala comum” (Jornal do Brasil, 26/10/18).

   “É tão grave o momento que há quase paralisação normal da cidade” diz um artigo do Jornal do Brasil de 15/10/18. “Sabe-se que diversas fábricas deixaram de funcionar porque mais de duas terças partes de seus operários enfermaram. No Exército há por assim dizer uma devastação. O serviço de viação urbana está ameaçado de ficar interrompido, tal o número de condutores e motorneiros atacados da gripe espanhola. Fora impossível mencionar aqui as oficinas, colégios e estabelecimentos de toda ordem inteiramente conquistadas pela epidemia. Raras são as casas onde não há doentes e certos bairros da cidade apresentam um aspecto de tristeza que bem denuncia o estado de nossa população”.

   A epidemia provocou falta de carne:

   “A maior parte dos magarefes de Santa Cruz está atacada da gripe e por isso, apesar de haver pedidos para mais de 400 bois só foram abatidos 200.

   “Onde eu moro morreu um homem e ficou cinco dias sem ser enterrado” um popular denuncia colapso no serviço funerário, o que é confirmado pela reportagem publicada no Jornal do Brasil a 30/10/18:

   “Auto caminhões da Europa Transporte Comercio e Industria andam pelas ruas da cidade a apanhar os cadáveres. Ontem às 17hs um desses autos conduzindo 12 caixões fúnebres, sem forro, alguns já contendo defuntos parou no fim da rua Visconde da Gávea esquina da ladeira do Faria. Em uma calçada jazia o cadáver de uma criolinha de 15 a 16 anos vestindo saia de chita e blusa branca bordada”.

   Mortes de outra espécie também aconteciam em razão da epidemia:

   “Sentindo-se atacado de influenza, o árabe Gaby Moisés, de 39 anos, residente em Dona Clara, para combater a moléstia entrou a beber Paraty com limão, embriagando-se. Bastante alcoolizado, ingeriu grande quantidade de uma droga para dar ao gado. O infeliz, momentos depois, contorcendo-se em dores, expirou, envenenado”. (Jornal do Brasil, 16/10/18).

   “Paraty” era a marca da cachaça mais popular da época, imortalizada por Assis Valente no samba “Camisa Listrada”:

   “Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí/ em vez de tomar chá com torrada bebeu Paraty/ levava um canivete na cinta e um pandeiro na mão/ e sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão”. 

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