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Davis Sena Filho

Davis Sena Filho é editor do blog Palavra Livre

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Novembro Negro: construção ideológica de dominação — Reflexões

O Brasil é racista. E não poderia ser diferente quando estamos cansados de saber que neste País rico de população pobre escravizaram seres humanos por 388 anos

(Foto: Pixabay)
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Liberdade, liberdade!
Abra as asas sobre nós!
E que a voz da igualdade
seja sempre a nossa voz!
(Imperatriz Leopoldinense — 1989)

O Dia da Consciência Negra, data máxima do Novembro Negro, marcada no calendário oficial do País no dia 20 deste importante mês, é um dia de ponderação e reflexão. Trata-se de um momento ímpar para pensar e efetivar ações reais de combate ao racismo e à desigualdade racial no Brasil, assim como questionar e se contrapor à construção ideológica de dominação perpetuada por séculos pelas "elites" econômicas brasileiras de almas escravocratas e essencialmente colonizadas e provincianas.

O Novembro Negro é para que toda a sociedade reconheça as dívidas históricas com a população negra e assim a repensar e redirecionar suas práticas, no que concerne a criar mecanismos que deem acesso à igualdade de oportunidades e a tratar os desiguais como desiguais, de forma a não deixar dúvidas que há necessidade de uma equiparação, porque sabemos que grande parte da população brasileira não tem acesso aos serviços estatais e também aos privados.

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É necessário desconstruir pensamentos e preconceitos para edificarmos uma sociedade mais igualitária, justa e democrática. O dia 20 de novembro é uma referência à morte de Zumbi de Palmares, homem negro e pernambucano, que nasceu livre e foi escravizado aos seis anos de idade. Ao lado de sua esposa Dandara, Zumbi liderou o Quilombo dos Palmares e foi morto em 1695, aos 40 anos, por um capitão bandeirante a serviço da coroa portuguesa, em território de Alagoas, que pertencia ao Estado de Pernambuco.

Aliás, os territórios de Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte e parte ocidental da Bahia, além de Alagoas, eram pertencentes a Pernambuco, que ficou sem as referidas terras por problemas políticos e econômicos com a coroa portuguesa e depois com o próprio Império brasileiro. Problemas que acarretaram inúmeros conflitos armados no decorrer da história daquele antigo e tradicional Estado do nordeste brasileiro.

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Entretanto, a vida de Zumbi e Dandara foram marcadas pela luta contra a escravidão, que só foi abolida oficialmente em maio de 1888, por intermédio da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, filha de Dom Pedro II. Por sua vez, a despeito do fim oficial da escravidão, todos nós sabemos que a luta contra as desigualdades e injustiças continua até os dias de hoje, de forma diuturna e intermitente.

A verdade é que há a necessidade de a sociedade brasileira realmente se enxergar e verificar que nós construímos uma sociedade racista, egoísta, e plena de inúmeros preconceitos, como os de classe, gênero e origem. Na verdade, o racismo é intrínseco à pobreza e, evidentemente, torna-se a matriz de todas as outras formas de preconceitos, que impedem perversamente que sejamos uma sociedade fraterna, solidária, igualitária e consciente de seus direitos, de maneira a erigir marcos civilizatórios, que transformem a sociedade e fomentem o desenvolvimento social e econômico, além da paz social.

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O racismo é diabólico. Quem o eterniza é porque quer efetivar o sectarismo, que propicia privilégios e desigualdades brutais, a fim de beneficiar grupos sociais, que passam a ter o controle no decorrer de toda uma vida dos melhores empregos, universidades, salários, moradias, saúde, educação, alimentação, lazer e entretenimentos. Na verdade, são castas sociais hegemônicas, praticamente hereditárias, que, por meio do racismo estrutural, efetivam o verdadeiro e real apartheid, termo africânder que significa “separação” ou “identidade separada”. A resumir: segregação.

Por isto, se diz em âmbito mundial que “Não basta não ser racista, é necessário ser antirracista”. O Brasil sempre foi um País racista, cujos sucessivos governos, com poucas exceções, e a sociedade em geral propagavam que este País era uma democracia multirracial, o que, definitivamente, não é verdade, sendo que o racismo se expressou em toda sua perversidade e infâmia nos últimos dez anos, a ser replicado em massa por meio da internet, das redes sociais, assim como nas ruas e nos locais públicos e privados, onde a coletividade frequenta.

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O Brasil é racista. E não poderia ser diferente quando estamos cansados de saber que neste País rico de população pobre escravizaram seres humanos por 388 anos, sendo que a mais longa escravidão da história da humanidade em termos mercantilistas, sendo que os escravagistas não tornavam mulheres, homens e crianças em escravos por serem eles tributos e prêmios de guerras, como acontecia com as escravidões no tempo da Antiguidade.

A escravidão no Brasil era apenas de interesse mercadológico, meramente tratada como negócio lucrativo a partir da submissão do ser humano à escravatura, porque  tratado como gado para trabalhar em várias atividades e ser negociado como tal. Por sua vez, a escravidão, após as grandes navegações, que, como afirmei, eram decorrentes de interesses essencialmente comerciais, ainda continua a ter neste País seus aficcionados, ou seja, que se afeiçoam a tal infâmia.

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Trata-se de uma realidade que envergonha moralmente e espiritualmente ainda mais a humanidade, em especial a que habitava e habita no Brasil, sendo que até os dias de hoje milhares de trabalhadores brasileiros são resgatados pelo Governo Federal e estaduais de trabalhos similares à escravidão, vergonhosamente, em pleno século XXI do terceiro milênio.

Combater o racismo no Brasil é uma questão urgente e imperativa, porque são ações de valorização da vida humana, que estão em importância muito acima de interesses sectários que promovem a exclusão para que poucos tenham acesso aos benefícios do Estado e, com efeito, construam suas empresas, tanto as rurais quanto às urbanas, por intermédio do guarda-chuva de governos que promovem ou compactuam com a exclusão de grande parte da população desde tempos imemoriais.

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Não existe mulher ou homem rico ou muito rico sem o apoio do Estado, e é por isso que as “elites” econômicas brasileiras lutam, caninamente, tanto pelo controle do Estado, assim como sempre defendem políticas públicas que estrangulam ou engessam os investimentos para o desenvolvimento do País e de seu povo, bem como limitam o atendimento do Estado aos interesses do empresariado. Eis a cara do neoliberalismo: o Estado para poucos e as empresas públicas lucrativas e estratégicas para a soberania do País entregues ao empresariado nacional mancomunado com o estrangeiro.

E esse processo draconiano edifica a escravidão, a escravidão “moderna”, contemporânea, pois o Estado ao invés de ser um gestor que induza ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar social, ele passa a ser opressor, porque se alia ou é controlado pelas classes sociais dominantes, que bloqueiam os investimentos estatais e aplicam fórmulas econômicas que transformam o Estado em um gigantesco banco para favorecer os grandes capitalistas, que, por meio de seus representantes que exercem atividades no Estado, também têm o controle dos mecanismos de repressão compostos por agentes civis e militares pagos pelos impostos recolhidos junto aos trabalhadores e à sociedade civil.

Os donos do dinheiro, na verdade, defendem seus negócios e interesses com os tributos pagos pelos trabalhadores, assim como “concedem” migalhas à classe média e deixam a grande maioria da população à míngua, com apenas o direito de comer (mal), e olha lá, além de ter acesso ao transporte de tarifas altas para poder trabalhar para seus patrões, que são os beneficiários diretos do Estado burguês e pró-capital em detrimento dos legítimos interesses dos trabalhadores, aposentados, donas de casa, estudantes, ou seja, o povo em geral.

Como se chama esse processo político, social e econômico? Respondo: escravidão! A escravidão disfarçada e dissimulada, mas que tem efeito real, além de ter como plataforma a exclusão de grande parte da população e, evidentemente, utilizada como alicerce central do racismo. E por quê? Porque se a grande maioria da população brasileira é de negros, pardos, indígenas em todas suas misturas raciais e culturais, obviamente que a escravidão perdura, sendo que em uma “nova” roupagem, mas que é, essencialmente e historicamente, “velha”.

Não é fácil tratar no dia a dia com o estigma da escravidão, de ser herdeiro histórico de mulheres e homens que foram escravizados à força, a passar a vida na condição de escravos, geração após geração. É muito difícil uma pessoa sair atrás de outra pessoa em uma corrida para alcançar o pódio. Ainda mais quando se sabe no que concerne à compreensão que seu concorrente teve acesso a todas as valências que lhes deram acesso e preparo para superar os obstáculos da vida, a exemplo de boas escolas, moradia digna, alimentação saudável e constante, além de ser atendido em bons consultórios médicos e hospitais.

Pelo contrário, para manter a reserva de mercado, porque é disso que se trata, a sociedade brasileira continua através dos séculos a ser sectária, cujos beneficiários estruturam uma sociedade racista e, com efeito, elitista, inclusive a classe média tradicional e a classe média alta, tanto as que estão presentes no setor público quanto no privado, porque são elas as classes de origem universitária e, por conseguinte, tais classes são as que têm acesso às melhores escolas e aos melhores empregos.

Séculos e séculos assim, porque o modus operandi de uma “elite” econômica que não abre mão da parte do leão e a defende com extrema violência, direta ou indireta, a deixar praticamente mais de 100 milhões de brasileiros a se virar como pode, sendo que a maioria desses brasileiros, desprovida do serviço público de boa qualidade e sem conseguir conquistar bons empregos, fica literalmente a ver navios.

Afinal, a libertação oficial dos escravos no fim do século XIX, não verdade, não libertou os homens negros e as mulheres negras dos seus grilhões, porque amarras invisíveis, mas perceptíveis. Pelo contrário, após a “libertação” os escravizados pelos donos da casa grande brasileira e pela coroa portuguesa ficaram à deriva e não receberam nada do Estado, como terras, sementes, animais e crédito, realidade esta que não ocorreu, posteriormente, com os imigrantes brancos e europeus, que vieram tentar uma nova vida no Brasil.

A verdade é que esse processo sem planejamento e programação por parte do Estado nacional e da sociedade civil brasileira em todas as épocas, no que tange à libertação dos escravos, causou problemas econômicos e sociais estratosféricos, que hoje estão solidamente configurados e consolidados nos guetos e nas periferias, nos morros e nas favelas, que são aos milhares por todo o Brasil.

Trata-se de localidades com problemas sociais complexos, que não raramente se transformam em violência, fome, miséria, desemprego e incontáveis ações policiais, que tem por finalidade apenas reprimir e manter de qualquer maneira milhões de brasileiros limitados às suas localidades, bem como presos em eterno e insolúvel apartheid, sendo que como vítimas da segregação se tornam também vítimas do sonho de um futuro melhor, pois desejado, mas que poderá nunca acontecer.

O Brasil construiu em mais de cinco séculos de sua existência muros invisíveis da vergonha, piores e mais vergonhosos do que os de Israel, em Gaza, e dos Estados Unidos na fronteira com o México. Os últimos dois governos (Temer e Bolsonaro) permitiram que doenças erradicadas voltassem a atingir as pessoas, que a Covid-19 matasse mais de 700 mil brasileiros, e que o flagelo da fome voltasse com força e transformasse mais de 33 milhões de brasileiros em famélicos, sendo que mais de 125 milhões de pessoas tiveram problemas para se alimentar por causa de insegurança alimentar. E o que esses números sobre fome e localidades pobres têm a ver com a questão da população negra? Respondo: quem mora nas localidades pobres, sem acesso a quase nada, e que passa fome neste País são as pessoas pretas, e elas são a maioria da população brasileira de norte a sul, de leste a oeste.

A quantidade de brasileiros que enfrentaram insegurança alimentar alcançou o número de 61,3 milhões, conforme relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), divulgado no ano de 2021. Além disso, dos 213,3 milhões de habitantes que vivem no Brasil, 15,4 milhões de brasileiros tiveram de enfrentar insegurança alimentar grave. Enfim, praticamente três em cada dez habitantes tiveram, de forma grave ou moderada, de enfrentar a humilhação, a tristeza e o sofrimento que é ser vítima da fome.

E todos esses graves problemas se intensificaram e surgiram de forma avassaladora a partir do golpe de estado contra o governo trabalhista de Dilma Rousseff, assim como para a direita e a extrema direita darem continuidade à rapinagem, ao roubo monumental contra o Brasil e os brasileiros trataram de prender o candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Porém, o golpe de estado de fundo econômico e financeiro recrudesceu, assim como piorou, e muito, os números e índices sociais e econômicos, pois o PIB do Brasil diminuiu, a concentração de renda e riqueza aumentou, sendo que os programas sociais foram extintos ou sufocados financeiramente, além de os mecanismos ou a engrenagem estatal de fiscalização e repressão a crimes ambientais ou contra indígenas, por exemplo, fossem propositalmente esvaziados.

E desse jeito aconteceu em todas as áreas, setores e segmentos, desde os programas sociais, a passar pelo desmonte criminoso da Petrobras, da venda irresponsável e inconsequente de suas subsidiárias e outras estatais, assim como limitaram inescrupulosamente os recursos financeiros da saúde e da educação, em nome do controle fiscal e do teto de gastos, na verdade, uma corruptela para não chamar esse processo elitista e draconiano de arrocho salarial e congelamento radical dos investimentos estatais. Trata-se do velho neoliberalismo de exploração, espoliação e pirataria, que apregoa e efetiva o desmonte do Estado e rouba o povo brasileiro. Ponto.

Os governos que atuam e agem dessa forma não são profundamente racistas? Se a maioria da população é negra e se as políticas econômicas de certos mandatários efetivam políticas públicas de arrocho salarial e falta de investimentos públicos, evidentemente que chefes de governo dessa estirpe et caterva são também, entre outras coisas nada elogiáveis, racistas. Contudo, vamos à pergunta que se recusa a calar: Quem é a maior vítima desse estado de coisas, que é mais assustador do que os filmes de terror? O povo negro e pardo brasileiro, que, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2022, atualmente é maioria, porque com 55,9% da população do Brasil.

Vamos a outras perguntas: Quem mora nas periferias, favelas e lugares insalubres? Quem morre mais por meio de ações violentas? Quem está desempregado? Quem tem menos estudo? Quem tem mais dificuldade para se movimentar pelas cidades? Quem tem dificuldade para se alimentar? Quem tem menos acesso à saúde? Quem tem menos acesso à cultura? E, por fim: Quem é estigmatizado por causa da escravidão centenária e quem sofre preconceito racial e de origem por causa da cor da pele nos locais públicos e privados?

Com a resposta, quem quiser responder...

O racismo é maldito! Eu amaldiçoo os racistas, porque são verdadeiras desgraças sociais. Amaldiçoo o racista, a não importar a cor de pele que tiver. Medir, julgar e considerar um cidadão ou uma cidadã pela cor de sua pele e, consequentemente, transformar esse pensamento dantesco ou diabólico para benefício próprio ou apenas por sadismo e perversidade, torna-se totalmente inaceitável, hediondo, e por isto tem de ser severamente combatido e duramente punido.

Raça não existe. O que existe é a espécie humana. É isso aí.

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