Novo personagem, velhas práticas: a derrocada de Bacellar e a reestruturação da direita fluminense
"A prisão de um parlamentar sempre causa um trauma institucional, uma vez que é um caso invariável em que a separação dos poderes é relativizada"
No dia três de dezembro de 2025, o mundo político fluminense entrou em polvorosa com a prisão preventiva de Rodrigo Bacellar, presidente da ALERJ e principal articulador do governo Cláudio Castro com o legislativo estadual, em ação empreendida pela Polícia Federal, sob a acusação de vazar dados sobre uma operação que acarretou na prisão do deputado estadual Tiego Raimundo dos Santos Silva, conhecido como TH Jóias, suposto braço político do Comando Vermelho.
A prisão de um parlamentar sempre causa um trauma institucional, uma vez que é um caso invariável em que a separação dos poderes é relativizada. No entanto, o que deveria ser uma exceção, acabou virando uma tradição no legislativo fluminense, já que Bacellar foi o quarto ocupante do cargo que foi preso, juntamente com Sérgio Cabral, Jorge Picciani e Paulo Melo. Assim como Picciani, Bacellar foi preso enquanto exercia a presidência, o que agrava esse trauma.
Não se pode entender a prisão de Rodrigo Bacellar como um episódio isolado, tampouco como a queda repentina de uma liderança política emergente. Ela revela, com precisão cirúrgica, o colapso de um sistema político incapaz de produzir estabilidade desde a queda do grupo de Sérgio Cabral. Bacellar ascendeu ocupando exatamente o espaço deixado pela implosão da antiga elite dirigente — com o MDB enfraquecido a partir da prisão do ex-governador e outros importantes dirigentes, a ausência de um governo incapaz de formar base legislativa por conta própria, resultando no impeachment de Wilson Witzel, e um governador sem trajetória própria consolidada. O vácuo criado por essa recomposição abriu espaço para um operador capaz de articular governo, Assembleia Legislativa e redes municipais em um momento de dispersão de poder.
Esse processo de desorganização institucional não se explica apenas pela saída das lideranças tradicionais, mas também pelos mecanismos que sustentaram o sistema político fluminense ao longo das últimas décadas. Um episódio ilustrativo desse padrão foi o caso envolvendo Jorge Picciani, ex-presidente da Alerj. As investigações do Ministério Público e da Polícia Federal identificaram o uso de empresas agropecuárias e operações com gado para movimentar recursos ilícitos, vinculando empresários contratados pelo Estado a estruturas de poder no Legislativo. Esse arranjo mostra como práticas paraestatais e redes de financiamento político moldaram o funcionamento da Alerj, criando o ambiente no qual esquemas posteriores — como o Ceperj, que pode causar a cassação da chapa de Cláudio Castro nas eleições de 2022 na Justiça Eleitoral — se desenvolveram e no qual a ascensão de Bacellar se tornou possível.
Ocupando esse vácuo institucional e sendo principal fiador de Castro através da combinação entre capital familiar, experiência profissional nos bastidores da administração pública e, sobretudo, amplo trânsito com as elites fisiológicas territorialmente enraizadas, Bacellar tornou-se peça-chave no impeachment do então governador Wilson Witzel, em 2021, e presidente da ALERJ logo no seu segundo mandato como deputado estadual, garantindo inclusive a recondução ao cargo com unanimidade dos votos, algo que foi inédito na história da Assembleia, que tem histórico de presidências fortes, centralizadoras e duradouras.
Apesar de ter passado para a figura de “rei posto”, a institucionalidade da ALERJ garantiu uma sobrevida a Bacellar. No dia 08 de dezembro, a Assembleia Legislativa apreciou a manutenção da prisão de seu presidente, deliberando pela revogação com 42 votos favoráveis, 21 contrários, duas abstenções e quatro ausências, sendo a maior parte desses votos garantidos pelos partidos da direita, como União Brasil, PP, Republicanos e PL.
Embora Bacellar tenha sido salvo pela institucionalidade, apesar de ainda ser peça importante no jogo político, saiu enfraquecido do episódio, sendo mais um resultado de uma série de eventos, a começar talvez da desavença pública com Washington Reis, que levaram o deputado de pré-candidato ao Governo na sucessão de Castro ao apoio envergonhado de muito pares. Afastado da presidência da casa e utilizando tornozeleira eletrônica por decisão do STF, Bacellar pediu afastamento do cargo por 10 dias após a saída da prisão.
O atual momento político fluminense, portanto, gira em torno da reestruturação do campo da direita para ocupar o lugar deixado por Rodrigo Bacellar, seja na casa legislativa, seja no posto de candidato à sucessão de Castro. Entre os nomes que despontam, está o do deputado Guilherme Delaroli (PL), que ocupa a presidência interina da Casa. Sua ascensão evidencia outro elemento estrutural do estado: a reprodução de operadores políticos oriundos de famílias do interior - no caso, de Itaboraí - com trajetórias marcadas pela combinação entre redes municipais, influência religiosa e trânsito com elites fisiológicas. Além de Delaroli, veiculam-se notícias sobre articulação de dois grupos à presidência em caso de nova eleição: do deputado Chico Machado (Solidariedade), que possui capital político em Macaé e que busca apoio de alas da base governista e de independentes, e do grupo chamado de “Tropa do Bacellar”, envolvendo os deputados Rodrigo Amorim (União), Alan Lopes (PL), Felippe Poubel (PL) e Alexandre Knoploch (PL).
Quanto à sucessão de Cláudio Castro, principalmente após o governador se colocar no centro do debate sobre segurança pública após a megaoperação no Complexo do Alemão, em outubro de 2025, e do lançamento do programa “Barricada Zero”, dois nomes ligados à essa pauta aparecem como pretendentes: o atual prefeito de Belford Roxo, Marcio Canella (União Brasil), que tem como principal feito a retirada de barricadas na sua gestão, e Douglas Ruas (PL), policial civil, filho do prefeito de São Gonçalo, Capitão Nelson (PL), segundo deputado estadual mais votado nas eleições de 2022 e atual Secretário das Cidades de Cláudio Castro.
Mayra Goulart - Professora de Ciência Política da UFRJ e Coordenadora do LAPPCOM
Victor Escobar - Doutorando em Ciências Sociais (UFRRJ) e membro do LAPPCOM
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

