Nunca os EUA estiveram tão isolados na América Latina
"Hoje, o único aliado incondicional dos EUA é a Argentina de Javier Milei"
No seu auge, no século passado, os EUA tinham o controle sobre a América Latina, considerada seu pátio traseiro. Seja diretamente, pela presença de tropas, seja mediante governos impostos por golpes militares patrocinados pelos EUA. Seja pela presença econômica das suas grandes empresas multinacionais, além da propaganda que vendia a imagem maravilhosa do país.
A onipresença da imagem do modo de vida norte-americano (o “american way of life”) servia para projetar a maior economia do mundo, seus avanços tecnológicos e seu nível de vida, com toda a atração que isso exercia sobre as populações do continente.
Os EUA exerciam seu domínio sobre a América Latina mediante esses mecanismos e sua relação com alguns países em particular. Em primeiro lugar, com o México – “tão longe de Deus e tão perto dos EUA” – que paga um preço caro pelas fronteiras que tem com o gigante do norte, pela fuga de milhões de mexicanos que tentam viver, mesmo que de forma clandestina, e enviar recursos para suas famílias, fazendo dessa fronteira também a passagem de gente da América do Sul e da América Central.
A presença das grandes empresas multinacionais passou a ser o eixo da economia dos países do continente, tornando-se hegemônicas nessas economias. Elas traziam as inovações tecnológicas – de geladeiras a liquidificadores – e representavam o que de mais avançado havia no mundo.
Papel específico tiveram as indústrias automobilísticas nos países mais avançados economicamente, como o México, a Argentina e o Brasil. Ford, Chevrolet e outras companhias passaram a ser o eixo mais desenvolvido das economias desses países.
Além disso, trouxeram uma forma específica do modo de vida norte-americano: o carro. Com a sensação de liberdade que as pessoas sentiam ao poder dirigir-se para onde bem entendessem, no momento que quisessem, como uma das expressões da liberdade individual, desvinculada dos que precisavam se valer do transporte coletivo.
Assim, o acesso a um automóvel passou a ser o sonho da classe média. Quem conseguia comprar um carro se sentia superior à massa da população, quase como alguém da classe alta, com quem compartilhava o fato de ter um automóvel.
Era uma mercadoria que, ao contrário de tantas outras, podia ser exibida aos vizinhos e parentes como expressão do progresso de vida de uma pessoa e de uma família.
O carro, junto com Hollywood, foi uma das expressões mais marcantes da hegemonia norte-americana no mundo. Quando outros países – como a Alemanha e o Japão – passaram a tentar se rivalizar tecnologicamente com os EUA, fizeram-no também com o carro como mercadoria mais significativa.
E Hollywood invadia o imaginário de todo o mundo, com seus filmes de distintos tipos. Os de guerra eram sempre sobre combates contra pessoas de outra cor de pele que não a branca, apontando para asiáticos ou africanos. Eram a narrativa heroica dos soldados norte-americanos que iam combater tiranias e levar a democracia a tantos países do mundo.
Os filmes de cowboy, por sua vez, eram a expressão da invasão das terras das populações originárias, que apareciam como os peles-vermelhas, gente também de outro tipo, não brancos. Os soldados norte-americanos eram automaticamente os “mocinhos”, fazendo com que os outros fossem automaticamente os “bandidos”.
Essa hegemonia sofreu com a passagem do poderio dos EUA do século passado para seu declínio neste século. Se tomamos uma imagem atual, vemos como já não há aqueles países aliados quase incondicionais, como foram um dia o México, a Colômbia e o Chile.
Hoje, o único aliado incondicional dos EUA é a Argentina de Javier Milei, com um modelo de governo que promove a maior concentração de renda e exclusão social que o país já conheceu. Cercado por nações com políticas muito distintas e até contraditórias, como o Brasil, o Chile e o Uruguai, Milei tem como aliados internacionais apenas governos de fora do continente, como os EUA e Israel.
Dessa forma, nunca os EUA estiveram tão isolados na América Latina. Já não existe o pátio traseiro. E eles têm que enfrentar, na própria região, governos que mais se opõem ao seu poder decadente, como o Brasil, o México, o Uruguai, o Chile, a Colômbia, a Venezuela e Honduras.
Essa é uma das características mais marcantes desta primeira metade do século XXI: o declínio da hegemonia norte-americana e seu isolamento, até mesmo no continente onde, no século passado, haviam reinado de forma prepotente.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

