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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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O Ano do Tigre começa com um estrondo sino-russo

A declaração firmada entre China e Rússia representará um lance crucial no jogo de xadrez entre a Eurásia e o OTANistão

Presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping (Foto: REUTERS)
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Por Pepe Escobar, para o Strategic Culture

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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O Ano do Tigre da Água Negra, para todos os fins práticos,  começou com um estrondo, na sexta-feira em Pequim, quando os Presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin, depois de se encontrarem pessoalmente, antes da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Inverno, firmaram uma declaração conjunta sobre relações internacionais. 

Essa declaração representará um lance crucial no jogo de xadrez entre a Eurásia e o OTANistão, no momento em que o eixo Anglo-Americano se vê cada vez mais atolado no Beco do Desespero: afinal, a tal "agressão russa" recusa-se tenazmente a se materializar. 

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Após uma espera interminável, supostamente causada pela falta de funcionários devidamente equipados para redigir uma carta inteligível, o combo EUA/OTAN, finalmente, preparou sua previsível "resposta" não-resposta, carregada de jargão burocratês, às exigências russas de garantias de segurança. 

O conteúdo foi vazado para um jornal espanhol, membro pleno da mídia OTANistanesa. O responsável pelo vazamento, segundo fontes de Bruxelas, talvez esteja agora em Kiev. O Pentágono, em modo controle de danos, apressou-se a afirmar: "Não fomos nós". E o Departamento de Estado diz que a informação "é autêntica".

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Mesmo antes do vazamento da "resposta" não-resposta, o Chanceler Sergey Lavrov foi forçado a enviar mensagens a todos os chanceleres da OTAN, inclusive ao Secretário de Estado Blinken, dos Estados Unidos, perguntando o que eles entendem por princípio de indivisibilidade da segurança - se é que eles fazem alguma ideia a esse respeito.

Lavrov foi extremamente específico: "Refiro-me a nossa exigência de que todos implementem fielmente os acordos sobre a indivisibilidade da segurança firmados no âmbito da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação Europeias) em 1999, em Istambul, e em 2010, em Astana. Esses acordos preveem não apenas a liberdade de escolher alianças, mas também de condicionar essa liberdade ao imperativo de evitar quaisquer medidas que fortaleçam a segurança de um estado em detrimento da segurança de outros". 

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Lavrov tocou no cerne da questão ao enfatizar que "nossos colegas ocidentais tentam não apenas desconsiderar esse princípio-chave do direito internacional acordado no espaço euro-atlântico, mas também esquecê-lo por completo".  

Lavrov também deixou bem claro que "não iremos permitir que esse tópico seja "escamoteado". Insistiremos em uma conversa honesta e em uma explicação de por que razão o Ocidente não se mostra disposto a cumprir suas obrigações, ou as cumpre, no máximo, de forma exclusiva, seletiva e a seu próprio favor". 

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O mais importante é que a China presta total apoio às exigências russas de  garantias de segurança na Europa, e concorda plenamente que a segurança de um estado não pode ser alcançada às custas de danos infligidos a um outro estado.

A situação não poderia ser mais grave: o combo EUA/OTAN está decidido a violar dois importantíssimos tratados que tratam diretamente da segurança europeia, pensando que vai conseguir se safar porque  a mídia OTANistanesa não abre o mínimo espaço para discussões sobre esses tratados e suas implicações. 

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A opinião pública ocidental continua totalmente desinformada. A única narrativa, martelada 24/7, é a da "agressão russa" - por sinal, devidamente enfatizada pela "reposta" não-resposta da OTAN. 

Quer dar uma checada no nosso equipamento militar? 

Pela enésima vez, Moscou deixou bem claro que não vai fazer concessões quanto às exigências de segurança só porque o Império do Caos continua a ameaçar - com o que mesmo? - com sanções severíssimas - a única política imperial que não o puro e simples bombardeio.

O novo pacote de sanções, seja como for, já está pronto há um bom tempo, sendo capaz, ao que dizem, de alijar Moscou do sistema e/ou cassino financeiro ocidental, mirando, entre outros, o Sberbank, o VTB, o Gazprombank e o Alfa-Bank. 

O que nos traz ao que Moscou vai fazer em seguida - levando em conta a previsível "atitude extremamente negativa" (Lavrov) do OTANistão. O chanceler-adjunto Alexander Grushko já insinuou que a OTAN sabe perfeitamente o que está por vir, e já sabia mesmo antes da "resposta" não-resposta:

"A OTAN tem perfeito conhecimento do tipo de medidas tecno-militares que poderão partir da Rússia. Não fazemos segredo quanto a nossas possibilidades e estamos agindo de forma muito transparente". 

Mesmo assim, os "parceiros" americanos não estão ouvindo. Os russos continuam imperturbáveis. Grushko expressou a situação em termos geopolíticos: as medidas concretas irão depender dos "potenciais militares" a serem usados contra a Rússia. Isso é linguagem-código para que tipo de armas nucleares serão usadas no Leste Europeu, e que tipo de equipamentos letais continuarão a ser despejados na Ucrânia. 

Na verdade, a Ucrânia - ou o país 404, na indelével definição de Andrei Martyanov – não passa de um peão subalterno no jogo (imperial). Agravando a indigência de Kiev em todas as frentes, o chefe do Conselho de Segurança Nacional e Defesa da Ucrânia, praticamente entregou o jogo (regional).

Em uma entrevista à AP, Danilov disse que "os Acordos de Minsk podem criar o caos" e admitiu que  Kiev perdeu feio a guerra em 2014/15, e em seguida assinou os Acordos de Minsk "sob ameaça dos armamentos russos" (falso: Kiev foi totalmente derrotada pelas milícias de Donbass); mas, acima de tudo, ele admitiu que Kiev nunca teve intenção de cumprir os Acordos de Minsk.

Kiev, portanto, está violando o direito internacional: os Acordos de Minsk são garantidos pela resolução 2022, de 2015, do Conselho de Segurança da ONU, aprovada por unanimidade. Até mesmo os Estados Unidos, o Reino Unido e a França votaram "sim". O que quer dizer que descumprir a lei não é assim tão difícil se você tiver a anuência das "grandes potências".

E quanto à invisível "agressão russa", bem, nem mesmo Danilov consegue ver "a prontidão das forças russas próximas à fronteira para uma invasão, que levará de três a sete dias".

Tragam os Cavalos Dançarinos 

Nada do que foi dito acima altera o fato fundamental de que o combo Estados Unidos-Reino Unido - mais os proverbiais chihuahuas da OTAN, Polônia e Países Bálticos – estão rodopiando loucamente na tentativa de provocar uma guerra. E a única maneira de fazê-lo é Soltar as Falsas Bandeiras. Pode ser que elas aconteçam em fevereiro, ou talvez durante as Olimpíadas de Inverno de Pequim. Ou ainda antes do começo da primavera. Mas elas virão. E os russos estão prontos.

O preâmbulo foi copiado diretamente do Circo Voador de Monty Python – com o Boneco de Teste de Colisão, também conhecido como o Presidente dos Estados Unidos, berrando para o comediante Zelensky que, em uma remontagem vagabunda da invasão mongol, "Kiev será saqueada" (ao som do Bring On the Dancing Horses, quem sabe?); um Zelensky indignado dizendo ao Presidente dos Estados Unidos "qual é, cara, se manca", e a Casa Branca jurando que os Estados Unidos já projetaram 18 cenários para a "invasão russa" (segundo Lavrov, 17 foram escritos pela sopa de letrinhas do serviço de inteligência e o 18º pelo Departamento de Estado).

Dica sobre o armamento frenético e ininterrupto do país 404 – tudo o que se possa imaginar, desde javelins até MANPADs e levas de superfaturadíssimos "consultores" com matizes acadêmicos a serviço da Blackwater.

Deixando de lado a pantomima, para não falar dos cenários equivocados que partem da falsa premissa de uma "invasão", a única jogada racional que Moscou  pode estar contemplando é o reconhecimento de fato das Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk e o envio de um contingente de forças de paz. 

O que, é claro, levaria a matriz do Guerra S.A. infestada de neocons a uma fúria paroxística de escala intergaláctica, uma vez que esse reconhecimento anularia todas aquelas elaboradíssimas operações psicológicas concebidas para instilar o Medo de Deus nas vítimas atônitas do Retorno do Kanato da Horda Dourada, que incendiaria e saquearia por todo o caminho até as ... planícies húngaras?  

Resta então a  complicada questão de como des-nazificar  o Leste da Ucrânia: esse será uma assunto estritamente ucraniano, com zero envolvimento russo.  

O fantasma de Mackinder está em modo pânico total ao contemplar, impotente, a brilhante decisão imperial de lutar uma guerra em duas frentes contra a parceria estratégica Rússia-China. Pelo menos, há Monty Python para vir em socorro: o Ministério das Caminhadas Tolas foi gloriosamente ressuscitado como o Ministério das Estratégias Tolas.

O lugar de honra cabe ao telefonema dado pelo Little Blinkie ao Chanceler chinês Wang Yi – que contém todos os elementos de um  brilhante quadro cômico. Ele começa com o combo por trás da nulidade chamada Biden pensando que as lideranças de Pequim poderiam influenciar Putin e convencê-lo a não praticar "agressão russa" contra o 404. Nos bastidores, talvez tenha havido alguma discussão sobre a treta do "Indo-Pacífico". 

O plano veio abaixo quando, mais uma vez, Wang Yi – lembram-se do Alasca? – fez sopa de barbatana de tubarão de Blinkie. Os principais pontos: a China apóia totalmente a Rússia, são os Estados Unidos que estão desestabilizando a Europa e, se novas sanções forem aplicadas, a Europa irá pagar um preço terrível, e não a Rússia que, é claro, pode contar com uma forte mão amiga chinesa.

Compare-se essa conversa ao telefonema entre Putin e Macron, que foi, para começo de conversa, cordial. Eles discutiram a  "morte cerebral" (copyright Macron) da OTAN. Eles discutiram as proverbiais palhaçadas  anglo-saxônicas. Eles chegaram mesmo a discutir a possibilidade de formar um grupo pan-europeu - uma espécie de anti-AUKUS - incluindo a Rússia e visando a conter a influência dos Cinco Olhos e a evitar, a qualquer preço, uma guerra em solo europeu. Até agora, é apenas conversa. Mas as sementes de uma grande virada já estão presentes. 

Cenários equivocados insistem em que Putin, com grande habilidade, explorou a obsessão imperial com a  ascensão da China para restabelecer a esfera de influência russa. Bobagem. Essa esfera sempre existiu - e não vai mudar. A diferença é que, agora, Moscou se cansou do simbolismo pesado que permeia a grande confusão do 404: a mistura da russofobia nua e crua de Washington com a contenção/cerco da OTAN batendo à porta. 

Metaforicamente, este talvez venha a se tornar o Ano dos dois Tigres da Água Negra, ambos objetos de sanções - um chinês e outro siberiano. Eles serão incessantemente acossados pela águia sem cabeça, cega a sua irreversível decadência e sempre recorrendo, em desespero, a uma série de jogadas tudo-ou-nada que são a única "política" que ela conhece.  

O perigo supremo - em especial para os lacaios europeus - é que a águia sem cabeça nunca venha a abrir mão de sua condição de "indispensável" sem provocar mais uma guerra devastadora. Em solo europeu. Mesmo assim, os tigres persistem: em Pequim, antes do início do Jogos, eles estarão dando mais um passo para enterrar de uma vez por todas  a "ordem internacional baseada em regras".  

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