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Patrícia Valim

Professora de História do Brasil Colonial da Universidade Federal da Bahia. Conselheira do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Perseu Abramo

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O artigo de João Filho, a frente ampla e Lula Livre

A historiadora Patrícia Valim escreve sobre a necessidade de combinar a luta por Lula Livre com a amplitude política capaz de isolar e derrotar o bolsonarismo: "Não me parece haver saída possível além de uma aliança tática de centro esquerda para o retorno da normalidade democrática no país. Não se trata, contudo, de uma Frente Ampla na qual o Partido dos Trabalhadores tenha de abrir mão de seu projeto político e econômico"

(Foto: Jornalistas Livres | Felipe L. Gonçalves/247)
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Começo esse artigo esclarecendo que escrevo como militante do Partido dos Trabalhadores, lugar a partir do qual tenho manifestado publicamente minhas opiniões políticas com alguma frequência nos últimos anos. E como militante do PT, concordo com a ponto de partida do artigo de João Filho, publicado no The Intercept Brasil, em 8 de setembro do corrente, ao constatar que as eleições de 2022 já começaram após os ataques do atual presidente Jair Messias Bolsonaro ao atual governador do Estado de São Paulo, João Doria Jr., seu principal concorrente para atrair o eleitorado da direita política brasileira enquanto, segundo o autor, a esquerda segue “dividida, desarticulada e paralisada diante da violência do bolsonarismo no poder”. Divergimos fortemente, entretanto, sobre as razões pelas quais a esquerda ainda não se uniu para derrotar o bolsonarismo.    João Filho afirma que um dos maiores obstáculos para a construção de uma Frente Ampla para derrotar o bolsonarismo é o “cacoete da hegemonia petista”, que o autor acredita ser o fator decisivo para o PT se recusar “a participar de qualquer movimento que não tenha a liberdade de Lula como bandeira principal”. O autor se refere à ausência de algumas lideranças do PT, sobretudo de Fernando Haddad, no evento realizado há quinze dias na PUC/SP: “Direitos Já – Fórum pela Democracia”.  Trata-se de um evento que contou com a presença de vários movimentos sociais e religiosos, e de amplo arco de lideranças políticas no país: Flávio Dino (PCdoB), Ciro Gomes (PDT), Márcio França (PSB), Marta Suplicy (atualmente sem partido, mas ex MDB e ex PT). Além de presenças virtuais por meio de mensagens gravadas por figuras como Kassab, Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin e Anastasia. 

João Filho cita a ausência de lideranças do PSOL, sobretudo de Guilherme Boulos, por exemplo, mas não tira implicações sobre isso uma vez que o objetivo do texto é centrar sua crítica no PT, conforme o título anuncia. Tanto mais que o autor não comenta sobre o significado da presença do Presidente da Fundação Perseu Abramo, Márcio Pochmann, militante histórico, um dos principais formuladores do PT e um dos responsáveis pela campanha presidencial de Lula e depois de Fernando Haddad em 2018. O autor também não comenta o significado da presença do Presidente da CUT, Central Sindical ligada ao PT, Vagner Freitas. Se eles também não representam o PT, quem mais representa?! Concentra-se, no entanto, em transformar a liberdade de Lula em empecilho para a formação de uma Frente Ampla, e o faz retomando a decisão do PT em manter a candidatura do ex-presidente até o limite do prazo regulamentar em vez de ceder a cabeça de chapa para Ciro Gomes (PDT) porque ele venceria Bolsonaro no segundo turno. 

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Ao desconsiderar a lógica matemática elementar que demonstra que antes do segundo turno havia o primeiro turno e passar pano para um dito português secular sobre o problema das consequências – o bolsonarismo - é que elas vieram depois de 2013, do Fora Todos, do Golpe de 2016, João Filho mobiliza novamente a cantinela sobre o “cacoete da hegemonia petista” para cobrar a adesão do PT e de outras lideranças do partido ao esboço de uma Frente Ampla ensaiada no evento. Só que ao colocar a reivindicação da participação dessas lideranças petistas no centro de seu argumento, o autor acaba reconhecendo publicamente a falta de densidade social e fragilidade de qualquer movimento político das forças de centro-esquerda para barrar o bolsonarismo sem a adesão do PT: o nome disso é hegemonia, Bino! João Filho acaba acertando sem querer. 

O Partido dos Trabalhadores não é hegemônico na esquerda brasileira em razão do “cacoete” de suas lideranças, como o autor afirma. O PT é hegemônico por várias razões, mas aqui destacarei três. Trata-se de um partido de massas altamente capilarizado com quase dois milhões e meio de filiadas e filiados, com 3187 diretórios municipais, 289 comissões permanentes e outros tantos diretórios aguardando formalização em um total de 5570 municípios no país. Trata-se, também, de um partido que governou por quase quatro mandatos consecutivos, com muito mais acertos do que erros para a maioria da população e, não por acaso, foi alvo de uma campanha altamente articulada entre FIESP, Agronegócio, Think Tanks americanos, rentistas, bancada da bala, judiciário, mídia para criminalizá-lo. Por fim, foi a maior liderança política do PT, e não de outro partido, que foi sequestrado politicamente pela parcela mais corrupta do judiciário brasileiro para garantir a eleição de Jair Messias Bolsonaro à presidência do país. Por isso, a liberdade do ex-presidente Lula é defesa central para o Partido dos Trabalhadores, sobretudo depois das provas incontestáveis da #VazaJato, publicadas pelo The Intercept Brasil, sobre toda sorte de arbitrariedades cometidas pelo o então juiz Sérgio Moro em conluio com o procurador Deltan Dallagnol na operação Lava Jato para aprisionar sem provas o primeiro candidato nas pesquisas e que seria eleito no pleito de 2018. Essa “sentença anunciada” foi o golpe fatal no Estado Democrático de Direito que já estava bastante subtraído pela farsa das pedaladas fiscais que resultou no impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, o Golpe de 2016, e na criminalização do Partido dos Trabalhadores. Assim, duas questões: como defender a democracia brasileira sem se opor àquilo que a subtraiu? Como derrotar o bolsonarismo sem se opor ao seu único projeto bem sucedido: o antipetismo? 

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Nesse momento, qualquer pacto contra o bolsonarismo e em defesa da Democracia sem o #LulaLivre significa, no limite, mais uma conciliação entre setores da classe média que historicamente se organizaram politicamente para barrar a classe trabalhadora do universo da política e das estruturas internas do Estado com o objetivo de manter as nossas estruturais desigualdades. A eleição de Jair Messias Bolsonaro também foi o resultado desse processo, de sorte que o retorno à normalidade democrática no país não ocorrerá ao custo de mais uma injustiça contra a classe trabalhadora. Razão pela qual, para o PT, não há defesa possível da Democracia sem a defesa da liberdade do ex-presidente Lula e a anulação dos processos ligados à Lava Jato. E para o centro-esquerda de maneira geral, não há como derrotar o bolsonarismo sem combater e não alimentar o anti-petismo, pois nesse momento o fortalecimento do Partido dos Trabalhadores significa o fortalecimento de todo campo político de centro-esquerda necessário para essa tarefa urgente. Até para garantir as eleições de 2022 e disputá-las. 

Entretanto, pesquisas recentes demonstram alguma força do anti-petismo, de maneira que ainda não há consenso sobre o #LulaLivre na sociedade brasileira, muito menos entre as forças de centro-esquerda como ficou claro no texto de João Filho e nas orientações para a realização do evento na PUC/SP, que interditaram a palavra de ordem #LulaLivre, conforme demonstrou a reportagem de Luís Nassif. E o caminho para ampliarmos essa pauta na sociedade me faz concordar novamente com João Filho sobre a importância da presença de lideranças petistas em eventos como o que ocorreu na PUC/SP, mas por razões distintas. No estágio atual do bolsonarismo ameaçando recrudescer o regime, é urgente que o PT construa uma Frente Ampla com lideranças políticas de todos os matizes, inclusive as que estiveram no Golpe de 2016 e se arrependeram, em defesa da Democracia e para derrotar o bolsonarismo. 

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Não me parece haver saída possível além de uma aliança tática de centro esquerda para o retorno da normalidade democrática no país. Não se trata, contudo, de uma Frente Ampla na qual o Partido dos Trabalhadores tenha de abrir mão de seu projeto político e econômico para o país, entrando com seus militantes e eleitores, algo em torno de 40% dos votantes, para ceder capital político para lideranças sem base social ao tempo em que sua principal liderança política permanece arbitrariamente preso na sede da Polícia Federal em Curitiba. Não há vida fácil na política, sabemos. Nossas lideranças petistas precisam articular uma Frente Ampla e participar de eventos como o “Direitos Já – Fórum pela Democracia”. 

Para tanto, devem reivindicar as pautas do Partido dos Trabalhadores, desobedecendo quaisquer orientações que interditam o #LulaLivre - como fez o governador do Maranhão, Flávio Dino, e até o Paulinho da Força no evento na PUC/SP. Devem, sobretudo, explicar a centralidade da liberdade do ex-presidente Lula e a importância do Partido dos Trabalhadores para a Democracia brasileira e divulgar o nosso projeto político para o país por meio de, entre outras coisas, esclarecimentos sobre o Programa Emergencial de Emprego e Renda (PEER) que o Partido dos Trabalhadores formulou para a recuperação dessa crise econômica sem paralelo na nossa história. 

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O nome disso é boa política, Bino! Precisamos voltar a fazê-la entre nós e, sobretudo, com os que discordam de nós. Pois neste momento não participar desses eventos e não construir uma Frente Ampla para derrotar o bolsonarismo e pela  Democracia significa imobilismo – algo que além de não fazer parte da história dos Partido dos Trabalhadores, é caro apenas ao bolsonarismo. A rima é infame, eu sei, mas a realidade com Jair Messias Bolsonaro é muito mais. 

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