Rodrigo Lamore avatar

Rodrigo Lamore

Rodrigo Lamore é cantor, músico e compositor. Possui trabalho autoral e atualmente vive de shows voz e violão em barzinhos do Rio de Janeiro. É oriundo da cidade de Guanambi - BA e tem quase trinta anos de carreira musical.

32 artigos

HOME > blog

O Auto da Compadecida 2 e a fórmula batida do Nordeste pobre e burro

Já não basta a Globo exibir em suas novelas uma imagem do Nordeste que, não só não existe mais, como também, pra piorar a situação

O Auto da Compadecida 2 (Foto: Reprodução (Prime Video Brasil))

Comecei a assistir ao filme O Auto da Compadecida 2, mas não aguentei e desisti antes da metade. Não sei como é o final, e na verdade nem preciso, pois diante de tudo o que vi durante a primeira metade, percebi diversos elementos que me incomodaram e acredito que incomodam qualquer nordestino que se preze.

Já não basta a Globo exibir em suas novelas uma imagem do Nordeste que, não só não existe mais, como também, pra piorar a situação, utilizar atores que não são oriundos da região, deixando as obras ainda mais artificiais, agora temos o lançamento do filme caça níquel, O Auto da Compadecida 2, uma produção cinematográfica que (obviamente) não faz parte das obras de Ariano Suassuna.

Como sempre, temos aqui todos os clichês, que no passado faziam algum sentido, porém já deixaram de simbolizar algo relevante e totalmente verídico, do ponto de vista da situação político econômico cultural do momento atual: pobreza extrema, fome, analfabetismo, dependência da população à Igreja Católica, e com relação à estética cinematográfica, imagem em tons pastéis e alaranjados, fazendo referência subliminar à sujeira. Quanto ao sotaque, assim como em TODAS as produções do audiovisual brasileiro, é aquele da personagem da Susana Vieira, na novela Senhora do Destino.

E agora irei relatar alguns aspectos mais específicos que me deixaram revoltado. No enredo é mostrado, assim como aconteceu de fato nos últimos 20 anos, um desenvolvimento econômico na região, mas o desenrolar da história segue por um viés negativo, como se isso fosse algo ruim. É como se você estivesse vendo um filme em que o roteiro narrasse de maneira implícita, que o fim da escravidão fosse algo desfavorável para os próprios seres humanos escravizados. No filme há dois candidatos à prefeitura (tática da direita de demonizar a política), onde um é um coronel que troca os votos pelo acesso da população à água nos poços artesianos e o outro é um empresário que gerou muitos empregos pro povo, a partir de suas próprias empresas, gerando assim controle e monopólio. Nos dois casos, há referências a Lula e ao PT, desde aos aspectos físicos do coronel (barba, idade, sotaque, etc) e características do empresário no seu vídeo de campanha (cor vermelha e discurso desenvolvimentista).

Todo aquele que conhece o mínimo de história e não foi afetado pelo vírus da ignorância da extrema direita, sabe que foram os governos do PT que transformaram o Nordeste, elevando o IDH, gerando emprego, aumentando a renda, permitindo o acesso à educação superior, levando água às regiões de seca, fomentando a industrialização, dando mais oportunidades aos artistas, etc. E tudo isso, além de ser apresentado de maneira deformada e mentirosa, deixa a entender que os nordestinos, na verdade estão sendo manipulados pelo “discurso do desenvolvimento”, ajudando a criar no subconsciente do espectador o conceito falso de que, esse tal de “desenvolvimento” está fadado ao fracasso, já que sua premissa está assentada sob a tática dos políticos em tentar ganhar votos e se elegerem.

Em resumo, o filme é uma peça de propaganda contra o Nordeste, contra Lula e o PT e contra tudo aquilo que representa a possibilidade de progresso, desenvolvimento, riqueza, emprego e renda, arte e cultura da região. Para quem é da área artística e política, é fácil de perceber os objetivos e interesses por trás dessa película. Mas a produção não foi criada para atingir esse nicho, mas sim, as massas que consomem as obras como forma de entretenimento e não tem o olhar crítico para perceber suas reais intenções. Assim como antes, quando as emissoras e grandes produtoras cinematográficas se ocupavam em mostrar o nordestino como um ser inferior, expondo-os como pobres e burros (ou engraçados, na melhor das hipóteses), agora o procedimento é apontar que, mesmo com as melhorias econômicas e educacionais, tudo isso não passa de “enganação dos políticos”, dando mais combustível para o fascismo e seu dissimulado discurso “contra todos os que estão aí”.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.