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Camilo Vannuchi

Jornalista, escritor, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela USP, membro da Comissão Municipal da Verdade da Prefeitura de São Paulo

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O best seller Brilhante Ustra e a construção da verdade

O reconhecimento da União sobre os crimes de tortura praticados por Ustra não foram suficientes para que ele fosse punido. Ustra morreu livre. E, depois de morto, virou best seller

O reconhecimento da União sobre os crimes de tortura praticados por Ustra não foram suficientes para que ele fosse punido. Ustra morreu livre. E, depois de morto, virou best seller (Foto: Camilo Vannuchi)
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Fico sabendo pela Folha de S.Paulo que o livro "A verdade sufocada", escrito pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015) e impresso pela sua própria família, acaba de assumir posição de destaque no ranking brasileiro de não ficção, tornando-se a sexta obra mais vendida do país segundo a lista publicada pelo jornal no último sábado.

Um dia antes, na sexta-feira (3), a Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo realizou audiência pública sobre a atuação deste que foi, ao lado de Sérgio Paranhos Fleury, o mais canalha e inescrupuloso dos algozes da ditadura em São Paulo. Os que ali estivemos pudemos ouvir com atenção depoimentos de familiares de vítimas, como Ângela Mendes de Almeida (viúva de Luiz Eduardo Merlino), e Criméia, Amelinha e Janaina Teles, mulheres que sofreram em seus próprios corpos – e mentes – a truculência e a perversidade do chefe do DOI-Codi (Janaína aos 5 anos de idade, acredite).

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Também pudemos ouvir, na ocasião, juristas como Fábio Konder Comparato, que representou familiares de vítimas em processos movidos contra ele. Em um dos processos, uma ação declaratória movida pela família Teles, houve sentença favorável da Justiça brasileira, o que transformou Brilhante Ustra naquele que é, ainda hoje, o único torturador oficialmente reconhecido como torturador neste país. É justamente em razão desta condenação que se pode acusar Jair Bolsonaro de incorrer em crime segundo o artigo 287 do Código Penal ao homenagear Ustra publicamente durante o golpe de 17 de abril de 2016: "Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime", diz a lei.

O reconhecimento da União sobre os crimes de tortura praticados por Ustra não foram suficientes para que ele fosse punido. Ustra morreu livre. E, depois de morto, virou best seller.

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Sou do time que defende a livre circulação de livros, dos mais torpes aos mais elevados, incluindo aqui a nova edição do Minha Luta, de Hitler. Proibir, queimar ou censurar obras literárias me parecem sempre atitudes autoritárias e míopes, desde que não incorram no mesmo crime de fazer "apologia de fato criminoso ou de autor de crime", nem incite o ódio ou a discriminação (também crimes segundo a legislação brasileira). Ainda assim, é estarrecedor saber que o livro "A verdade sufocada" tenha sido alçado ao topo do ranking do mercado editorial brasileiro.

À luz de Hannah Arendt, é fundamental lembrarmos que verdade factual e opinião são conceitos distintos. Negar a verdade dos anos de chumbo pode ser um exercício retórico para Ustra e seus leitores. O resultado pode ser um texto coeso, bem estruturado e até verossímil, um livro que desperte interesse a ponto de se tornar sucesso no mercado, mas que jamais alcançará a verdade factual daquele período, hoje suficientemente revelada e comprovada, por testemunhos, documentos, tribunais internacionais e comissões da verdade.

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O momento atual, sabemos, tem sido de condenação sistemática dos direitos humanos e de ascensão vertiginosa do projeto conservador encabeçado por Bolsonaro e seus asseclas. Diante disso, resta à sociedade atuar com todas as ferramentas de que dispomos para não permitir que essa narrativa prevaleça. Daí o papel formador e civilizatório dos trabalhos em memória e verdade, como o que está sendo conduzido pela Comissão Municipal da Memória, da qual sou membro.

Sobretudo, é preciso encher as prateleiras de livros, multiplicar informações nas redes e na blogosfera, discutir memória e verdade nas salas de aula, cuidar do ensino de História do Brasil com zelo e afeto. Para cada livro de Ustra, é preciso lançar e promover dezenas de livros como "A casa da vovó", de Marcelo Godoy, "A ditadura acabada", de Elio Gaspari, "Os livros secretos da ditadura", de Lucas Figueiredo, "Rota 66", de Caco Barcellos, "Cale-se", de Caio Túlio Costa, "Brasil: Nunca Mais" e tantos outros.

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Para que não se esqueça.
Para que nunca mais aconteça.

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