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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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O capital não gosta da democracia

Ao longo dos três primeiros quartos do século XIX o capitalismo prosperou sobre o sangue de homens, mulheres e crianças que trabalhavam à exaustão em jornadas de trabalho abusivas, sem direitos trabalhistas

Lula (Foto: Felipe L. Gonçalves/Brasil247 | Fabiano Couto/Sindicato dos Bancários de Santos e Região)
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Economista do Santander emitiu relatório para os clientes do banco defendendo um golpe de Estado para impedir que Lula se eleja em 2022. O Santander nega ter ele em seus quadros e informa que o economista é terceirizado.

No mesmo dia, pesos pesados da economia nacional - Pedro Passos, dono da Natura, Pedro Wongtschowski, do grupo Ultra e Horácio Lafer Piva, do grupo Klabin – publicam artigo intitulado Nem Lula, nem Bolsonaro no Estado de S. Paulo, porta-voz do que há de pior entre a burguesia neocolonial brasileira. Logo abaixo do título e o editor do jornal pinçou do artigo a frase lapidar “persistir no que já se mostrou errado não será apenas burrice, mas covardia”, referindo-se a Lula e Bolsonaro. Por si só a análise desta frase já daria uma enciclopédia com muitos tomos. Deu errado? O que deu errado no governo Lula para esses grandes parasitas da economia nacional? Foram favorecidos e ganharam muito dinheiro durante os 13 anos dos governos do PT.

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Os autores tiveram a desfaçatez de propor ao eleitor “não se entregar aos malfadados benefícios privados que aniquilam a Nação”, sem explicar que benefícios são esses e quem a eles se entregou. Isso vindo da pena daqueles que, como bem já mostrou Jessé Souza, utilizam o Estado como um banco privado para financiar seus negócios, que criaram impérios privados com dinheiro público soa como uma ofensa para os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros. Dizem desejar um novo caminho, diferente das políticas de Lula e Bolsonaro. Contudo, o trabalhador e a trabalhadora brasileiros os conhecem bem e sabem que o que eles chamam de novo é o velho caminho da exploração que flerta com o autoritarismo.

O relatório do Santander é mais explícito. Nele o autor defende, abertamente, que “ninguém apoiará um golpe em favor de Bolsonaro, mas é possível especular sobre um golpe para evitar o retorno de Lula.” Bolsonaro é blindado por esta gente porque segue implementando políticas que asseguram gordos dividendos ao capital. 

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Relatório e artigo publicados compõem o tabuleiro no qual a direita neolib, democrática por interesse e conveniência, movimenta desesperada suas peças em busca de um opção que consiga rivalizar com a candidatura de Lula em 2022. Se não conseguir, voltarão a apoiar Bolsonaro sem nenhum pudor, como já o fizeram em 2018.

Outra peça desse tabuleiro foi explicitado em tuíte publicado por Ciro Gomes convidando seus seguidores para acompanharem um debate de “ideias e projetos para o Brasil” do qual ele participou juntamente com Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, e Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul. Este debate chamou-se Segundo Debate dos Presidenciáveis do Centro Democrático e teve como uma de suas hashtag #Primarias. Primárias entre os candidatos do “centro democrático”. Os neolibs testando para ver quem melhor serviria aos seus interesses. 

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O tal centro democrático votou em peso na aprovação da MP 1045 (que pode ser conhecida como meu jovem escravo, meu lucro), pela privatização dos correios e em todas as outras leis e reformas que liquidaram com os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e venderam patrimônio público.
Além do Estadão, essas “primárias” foram organizadas pelo CLP (Centro de Liderança Pública), think tank da direita que procura formar novos Tábata Amaral (sem partido-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES), lideranças travestidas de oposição que possam defender as políticas neolibs no Congresso Nacional.

Essa direita que se autodenomina centro democrático é a mesma que financiou, organizou e apoiou em massa o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e apoiou Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018, a quem conhecia intimamente.

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Na verdade, o capitalismo nunca se deu muito bem com a democracia.

Ao longo dos três primeiros quartos do século XIX o capitalismo prosperou sobre o sangue de homens, mulheres e crianças que trabalhavam à exaustão em jornadas de trabalho abusivas, sem direitos trabalhistas. Em termos de exploração, a conjuntura ao longo do século XIX tem muitas semelhanças com a conjuntura atual do capitalismo 4.0 contemporâneo. 

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Foi a organização dos trabalhadores e trabalhadoras que impôs aos capitalistas no final do século XIX e início do século XX limites para essa exploração excessiva, através de medidas que democratizaram o regime político liberal da época. Esta democratização foi a forma que os capitalistas desenvolveram de manter seu controle sobre a massa operária e camponesa.

A resposta dos capitalistas aos limites impostos à exploração dos trabalhadores e trabalhadoras no continente europeu foi o imperialismo e o colonialismo, que recaíram com ferocidade e sem limites sobre os trabalhadores e trabalhadoras dos territórios colonizados, obrigados a trabalhar sob condições muito semelhantes à escravidão. Os regimes políticos e o controle a que os colonizados foram submetidos condicionavam-nos a relações de trabalho e exploração abusivas.

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Lênin defende a tese de que democracia liberal-representativa é um regime político do Estado capitalista, é uma das formas políticas que, em certas condições históricas, o Estado capitalista pode assumir, assim como, em outras condições históricas, tal Estado pode assumir outras formas políticas. Quando há uma forte pressão organizada dos trabalhadores e trabalhadoras, o Estado capitalista é forçado a negociar e a burguesia, a contragosto, abre mão de uma parcela de seus lucros, o que diminui a acumulação de riqueza e a democracia prospera. Em momentos de crise, com as organizações dos trabalhadores e trabalhadoras fragilizadas, a burguesia abre mão da democracia e instaura um regime político autoritário que assegure suas margens de lucro.

O fascismo e nazismo surgem em momentos de crise do capitalismo em que a democracia liberal-representativa não consegue assegurar à burguesia o controle da conjuntura político-econômica e atrapalha a acumulação e concentração do capital. Assim sendo, a burguesia descarta a democracia e implementa um regime político autoritário que perdurará até que os trabalhadores e trabalhadoras consigam se reorganizar e forçá-la a aceitar medidas que distribuam as riquezas e assegurem direitos.

Todos os pesos pesados da economia industrial, agrícola e financeira da Itália apoiaram Mussolini e o mesmo aconteceu com Hitler que contou com apoio dos grandes conglomerados industriais e financeiros da Alemanha, bem como dos grandes proprietários rurais.

Os barões ladrões juntaram fortunas incalculáveis no final do século XIX nos EUA. O fizeram a contrapelo da lei ou modificando a legislação a seu bel prazer de maneira a explorar ao máximo o trabalho, gastando uma enorme quantidade de trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo imigrantes chineses, alemães e de outras nacionalidades que chegavam aos EUA fugindo da pobreza em seus países de origem. Nos territórios roubados aos mexicanos ou às primeiras nações, o que prevalecia era a lei do mais forte e os direitos dos mais fracos eram vilipendiados pelos capitalistas. 

Vigoravam nestes momentos históricos uma conjuntura similar a do capitalismo 4.0 que vivenciamos hoje. 

A conjuntura político-econômica contemporânea é marcada pelo refluxo das organizações e dos movimentos dos trabalhadores e trabalhadoras que assumiram uma posição defensiva frente ao ataque do capital aos direitos sociais e às políticas redistributivas.

Os regimes democráticos mundo afora estão sob constante e contundente ataque das forças reacionárias de extrema-direita aliadas às forças do “centro democrático”. 

Para este capitalismo 4.0, capitalismo de vigilância, capitalismo gângster ou seja lá que outro sobrenome queira se dar a ele a democracia é um estorvo que deve ser extirpado ou reduzido ao mínimo possível. Isso não é nenhuma novidade porque o autoritarismo é imanente ao capitalismo. Desde a primeira Revolução Industrial, marco da implantação do capitalismo no mundo, os momentos de liberdade e democracia são mais raros do que os momentos em que estas prevaleceram no mundo. Mesmo a democracia liberal-representativa europeia só foi possível às custas do sangue, do suor e das lágrimas dos povos colonizados e graças à gigantesca transferência de riqueza dos territórios colonizados ou periféricos para os conglomerados econômicos sediados nos países imperialistas que, desta maneira, repuseram as perdas que o movimento sindical lhes havia imposto na Europa e nos EUA.

Quando Winston Churchill afirmou que “a democracia é o pior dos regimes políticos mas não há nenhum sistema melhor que ela” ele o fez enquanto continuava a explorar as colônias submetidas à força das armas do império britânico.

A lógica do capitalismo é a valorização crescente do capital. O melhor dos mundos para o capitalista seria uma conjuntura onde existisse um gigantesco desemprego que pressionasse os salários para baixo, onde o consumo fosse mais facilmente controlável e influenciável, onde houvesse fartura de matéria-prima e governos maleáveis que não só não atrapalhassem como executassem prontamente todas as medidas necessárias para assegurar a valorização do capital. Na conjuntura contemporânea, a informatização da produção e outras medidas asseguram uma enorme massa de desempregados. Os algoritmos e a publicidade permitem uma influência maior sobre os consumidores e seu consumo final, bem como sobre os eleitores. Junto com os algoritmos, a corrupção assegura a eleição de governos maleáveis dispostos a trabalhar contra a democracia e a favor da exploração máxima dos trabalhadores e trabalhadoras pelo capital. A matéria-prima vem se tornando escassa, mas de todos os elementos necessários à reprodução do capital este é o único que, no momento, encontra-se em situação desfavorável.

Não há capitalistas bonzinhos ou malvados. Não se trata de uma questão moral. Há capitalistas e como tais se organizam, se movimentam e agem sempre em busca de extrair a maior taxa possível de mais-valor, no menor tempo possível, com a maior produtividade possível, empregando a menor quantidade de mão de obra possível. Para que isso seja exequível, o melhor é o regime político onde a participação e o controle populares sejam reduzidos ao menor nível possível e interfiram o menos possível para limitar os ganhos do capital.

O relatório do Santander e o artigo publicado no Estadão são peças movidas pela burguesia neocolonial brasileira no tabuleiro político que procura desenvolver estratégias que evitem a provável eleição de Lula em 2022. Para alcançar este intento, ela está disposta a se livrar da incômoda democracia. Desta maneira, a burguesia neocolonial procura assegurar que ninguém colocará em risco as extraordinárias margens de lucro que vem auferindo desde o golpe de Estado contra a presidenta Dilma Rousseff, apoiado por estes mesmos que defendem o fim da democracia no Brasil, assim como o fim dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros. O tal “centro democrático”.

P.S.: Precisamos defender uma reforma constitucional que substitua o impeachment, instrumento utilizado pela burguesia neocolonial para retomar o controle do poder, pelo recall, instrumento que coloca nas mãos do povo a destituição daqueles que ele mesmo elegeu.

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