O caso do ejaculador e o desmonte das políticas públicas para mulheres
Ações que levam ao desmonte das políticas públicas no combate à violência contra as mulheres, trazem a interdição do debate e o fim dos atendimentos e serviços. Essa situação resultará em maior elevação dos índices de agressão, assassinatos e impunidade
O caso do homem que praticou violência sexual, ejaculando em uma passageira de ônibus que estava dormindo em São Paulo - o que evidencia a cultura da dominação e submissão da mulher na sociedade - teve ampla repercussão também do ponto de vista jurídico por conta da decisão de um juiz em soltá-lo com a alegação de que não foi cometido ato que configurasse estupro ou ameaça à vítima. Isso, apesar do agressor já ter praticado crime sexual por 16 vezes. Ele voltou a cometê-lo dois dias depois e desta vez encontra-se em prisão provisória.
A atitude do juiz leva a outro tipo de reflexão. Além do despreparo do judiciário em relevar o número de delitos realizados pelo mesmo agressor e a gravidade destes atos em prejuízo à saúde emocional, física e de relacionamento social das vítimas, um longo caminho ainda será necessário até que as instituições e a sociedade em si, permeada pela visão machista de transformar a vítima em culpada pela agressão, possam mudar a cultura, comportamentos, legislações e trazer o fim da impunidade. Sem essas iniciativas, o Brasil continuará a carregar a marca de um dos campeões mundiais de estupro e de violência. E por mais lei que se implante, ela não surtirá efeito em razão da realidade que banaliza a violência e que contamina a todos, inclusive juízes.
O Brasil deu passos importantes nos últimos 10 anos, principalmente, com a aplicação da Lei Maria da Penha e com a criação de espaços institucionais como a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, com status de ministério, e de instituições semelhantes em âmbitos estaduais e municipais. A partir disso, foram definidos orçamentos e desenvolvidos programas e projetos para conscientizar a população e diminuir os casos de violência contra as mulheres. Porém, com o golpe e a vitória de conservadores em várias administrações importantes, como a de SP, o que se viu foi o desmantelamento destes importantes órgãos ou o definhamento, por corte de investimentos, de programas para atendimento e apoio as vítimas de violência. Aliado a isso, parlamentares como Bolsonaro a todo o momento incentivam o estupro de mulheres e a homofobia para despertar e manter comportamentos de extrema violência.
Uma das primeiras medidas de Temer foi o fechamento da Secretaria Especial de Políticas para a Mulher criada e mantida pelos governos Lula/Dilma. A partir disso, o amplo programa "Mulher, Viver sem Violência" foi paralisado. Dória, assim que assumiu, extinguiu a Secretaria de Políticas para Mulheres, criada no governo Haddad e desmontou as equipes de trabalho, com cortes em recursos humanos, administrativos e financeiros. E o governo Alckimin conta com apenas uma coordenadoria da mulher. Sua politica é extremamente tímida, por não falar omissa, em relação ao atendimento e o combate à violência contra a mulher.
Em levantamento feito pelo jornal Agora, a partir de 200 mil Boletins de Ocorrências de 2010 até maio de 2017, descobriu-se que de cada 10 agressões contra mulheres, quatro ocorrem durante a noite e nos finais de semana. E em sua maioria na periferia da cidade, como Itaquera, Pirituba, Itaim Paulista e Cidade Tiradentes. Acontece que em SP funcionam apenas nove delegacias das mulheres e apenas uma funciona 24 horas e nos finais de semana, mas na Sé, região central da cidade.
Durante meus mandatos de deputado estadual, trabalhei continuamente para aprovar Projeto de Lei que determinava a abertura das delegacias de Mulheres 24h por dia e nos fins de semana - elas só funcionam de segunda a sexta em horário comercial. Os governos tucanos - que sucatearam as polícias - sempre alegavam aumento de despesas e falta de funcionários para não deixar o projeto ser aprovado.
Como secretário da Secretaria Municipal de Serviço, do governo Haddad, implantamos o Programa LED nos Bairros, responsável por mais 250 mil pontos de iluminação pública com luzes de LED na periferia de SP, beneficiando mais de dois milhões de moradores. Essa iniciativa foi fundamental para o enfrentamento à violência contra a mulher e para ocupação do espaço público e, só foi possível, em razão de uma parceria entre a Secretaria e a extinta Secretaria Municipal para Mulheres. Porém, Dória paralisou a política de iluminação pública implantada por Haddad.
É preciso reforçar que a violência contra as mulheres é subnotificada, apesar do aumento de registros, é possível que os dados sobre a violência sexual sejam ainda maiores. Entre janeiro e março de 2016, foram registrados, pelo serviço municipal da capital, 9.228 atendimentos de mulheres vítimas de violência. No mesmo período em 2017, foram 12.138 novos atendimentos – um aumento de mais de 30% dos atendimentos. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do estado em maio de 2016 foram registrados 184 casos de estupro, já em maio de 2017, foram 225, um aumento de 22,3%.
Portanto, ações que levam ao desmonte das políticas públicas no combate à violência contra as mulheres, trazem a interdição do debate e o fim dos atendimentos e serviços. Essa situação resultará em maior elevação dos índices de agressão, assassinatos e impunidade E o pior, vai aprofundar na sociedade a visão que naturaliza a conduta violenta e machista seja no ambiente doméstico, no trabalho e nas instituições privadas e públicas. De acordo com a pesquisa Datasenado, mulheres que declararam ter sofrido apenas algum tipo de violência doméstica passou de 18% em 2015 para 29% em 2017. Reagir a essa violência não é apenas uma ação dos movimentos de mulheres, mas também da própria sociedade que não pode permitir a perpetuação de um ciclo de violência que atinge a todos.
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