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Michel Zaidan

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O cativeiro doméstico

O que há de errado em se "nascer" mulher?

O cativeiro doméstico (Foto: Reprodução/Brasil de Fato)

Ao comemorar os 70 anos de casada, a minha avó paterna, libanesa de Beirute, fez uma afirmação melancólica e desconcertante: só  fiz sofrer! Essa declaração de tristeza e desolação repercutiu na minha cabeça à  vida inteira. O que leva as mulheres a se submeteram  a essa espécie  de escravidão  doméstica?

No caso dela, que veio ao Brasil para uma viagem de núpcias  e nunca mais voltou ao seu país  de origem, muitos fatores  explicam essa trágica condição  feminina: os costumes familiares, a tradição patriarcal, o catolicismo falangista do Líbano, as incertezas  do imigrante que deixa  sua  terra e seus familiares, o apego aos filhos. Ou seja: muita coisa. 

As mulheres  das gerações  passadas acham que o casamento  heterossexual, monogâmico é  um  porto seguro de respeitbilidade  e seguranca. Uma mulher que não se casa com um homem, constitui família e mantém  seu casamento, é como se tivesse nascido  com um defeito de fabricação, inapta para vida social. Parece a Índia,  onde as mulheres podem ser devolvidas a suas famílias, se não procriarem  filhos homens, não obedecerem a sogra ou caírem sob a suspeição  do marido.

O caso brasileiro é  mais grave em razão das deformações culturais advindas da nossa formação (escravista e patriarcal). Uma lei como a da Maria da Penha (como a dos crimes raciais) é  um documento precioso para entender a misoginia e o feminicídio no Brasil. Por que se odeia tanto  as mulheres, sob a alegação de tanto zelo e amorosidade (na verdade, posse) ao gênero femininino? O que há de errado em se "nascer" mulher?

Infelizmente,  não aprendemos o suficiente sobre os estudos de gênero e transgênero para alcançar a compreensão  de que não se "nasce" isto ou aquilo, mas se constrói  ao longo da socialização  familiar, escolar e social  uma espécie  de identidade fixa, eterna e imutável. Daí as polaridades: homem x mulher, homo ou trans x heterosexual. Razão assiste as feministas  americanas  que defendem identidades múltiplas e móveis, desconstruindo essas polaridades fixas e essencialistas. Assim, vamos construir o perfil de uma nova sociedade solidária, plural e feliz.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.