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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

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O cerco do atraso

No entanto, há quem imagine que, fazendo pressão aqui e ali pode retornar ao ontem e impor novamente o atraso como nossa característica

As comemorações do 7 de setembro voltaram à normalidade. Um pequeno distúrbio numa praça em Belo Horizonte não mudou o perfil da festa. O bolsonarismo está em agonia. No entanto, há quem imagine que, fazendo pressão aqui e ali pode retornar ao ontem e impor novamente o atraso como nossa característica. À época do humorista Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, o “festival de besteira que assola o país”, o FEBEAPÁ, se consagrou como uma face da estupidez mesclada ao engraçado, para não nos deprimir. Pois hoje também o tal do FEBEAPÁ não se aboliu de maneira absoluta. Um deputado do Estado do Rio, Anderson Moraes, apresentou um projeto para extinguir a UERJ, nossa importante universidade. Óbvio que odeia o saber que lá se exerce. Gosta do obscurantismo, valorizado na era Bolsonaro, tendo à testa o economista Paulo Guedes e seu séquito de ideólogos neoliberais. Houve reações, felizmente. Mas o projeto chegou a entrar nas considerações da Comissão de Constituição e Justiça, presidida por Rodrigo Amorim, de triste memória, antes de ser arquivado.

Em São Paulo, para não dizer que estamos sozinhos, outro projeto, com o apoio do governador Tarcísio de Freitas, se destinou a conferir o nome de Erasmo Dias a um entroncamento de rodovia em Paraguaçu Paulista. A crônica do Estado recorda, ainda, o momento em que a reitora da PUC, Nadir Kfouri, se recusou a apertar a mão do militar que adentrava no campus da universidade, em 22 de setembro de 1977. Era a coragem se erguendo contra a violência. Ela declarou que não cumprimentava assassinos. 800 alunos haviam sido detidos e espancados quando participavam de um ato diante do TUCA, o teatro da Universidade Católica.

Na verdade, o FEBEAPÁ não se estanca aí. O Secretário de Educação de SP chegou a aprovar um livro didático recheado de erros de informação entre os quais a de que Pedro II assinara a abolição da escravatura! A grita impediu a consagração desta nova versão, não obstando, no entanto, que o escândalo se espalhasse, com a desmoralização do governo e de sua falta de cuidado na administração dos negócios.

Uma nação que pretende ser digna não pode se dar ao luxo de pendurar no pescoço galardões de incompetência militante. É razão suficiente para que a Bolsonaro não se permita que retorne ao centro da cena. As eleições passadas, incrivelmente manipuladas, não impediram, mesmo assim, que um político inteligente e consciente do papel a exercer no Governo chegasse ao Planalto. Foi uma demonstração de que, apesar das dificuldades, o lobby do atraso cerca as instituições, mas não dispõe de força para se consolidar. Um detalhe (importante como este) bastou para relegar ao tempo pretérito aquelas pequenas comissões de parlamentares, municipais, estaduais ou federais, que tirava prazer em visitar instituições respeitáveis como o Colégio Pedro II ou a UFRJ, assediando alunos por motivos ideológicos. Eram mal educados e feriam as liberdades individuais. Ciência positivamente não é com eles. Inteligência igualmente não. Devem estar sofrendo horrores.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.