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Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

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O cientista Pedro Hallal não pode ser um homem só

"As falas de Hallal vão, nas linhas e nas entrelinhas, muito além das questões específicas relacionadas ao enfrentamento da Covid-19. Mas sua decisão de enfrentar o fascismo é um exemplo escasso em meio à acomodação nos corredores das universidades", escreve o jornalista Moisés Mendes

(Foto: Reprodução)
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Por Moisés Mendes, para o Jornalistas pela Democracia

O epidemiologista Pedro Hallal, perseguido pelo governo, já avisou que não ficará calado. Hallal não deixou de falar, depois de submetido ao constrangimento de assinar um termo de conduta para escapar de punição administrativa e encerrar o que pode ser apenas mais uma etapa de uma caçada.

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Seria compreensível se um cientista cercado pelo autoritarismo, numa democracia despedaçada e militarizada, fosse empurrado para o silêncio. Mas quem o conhece sabe que ele não irá se amedrontar.

O encolhimento ameaçador é outro. É o silêncio prolongado dos que poderiam reforçar a resistência de Hallal. A universidade está calada demais diante das ameaças e dos avanços do bolsonarismo.

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O cientista, ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas, foi coordenador da Epicovid-19, a maior pesquisa brasileira sobre a propagação da pandemia, depois sabotada por Bolsonaro com o corte de verbas. Hallal foi enquadrado em fevereiro pela Controladoria e pela Corregedoria-Geral da União por ter criticado Bolsonaro dentro da universidade.

Ele e o pró-reitor de Extensão e Cultura, Eraldo dos Santos Pinheiro, foram acusados de cometer infração disciplinar por ofensas ao líder nacional do negacionismo.

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Estava em debate na universidade, em janeiro, a escolha do novo reitor por Bolsonaro, que indicou a professora Isabela Andrade, segunda mais votada na lista tríplice (esclarecendo sempre que Isabela não é bolsonarista, mas o governo tentou cooptá-la).

Hallal e Pinheiro criticaram Bolsonaro por não ter respeitado a escolha do mais votado pela comunidade universitária, o professor Paulo Ferreira. E estenderam suas falas à avaliação do desastre nacional patrocinado pelo governo.

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A investida da CRG, mobilizada pela base bolsonarista no Estado, carrega outros ressentimentos. A UFPel decidiu que Isabela e Ferreira seriam os reitores e trabalhariam juntos. Foi um golpe em Bolsonaro. Dois reitores iriam compartilhar a direção.

A tentativa de mordaça é um teste. Se Hallal, com reconhecimento internacional, decidisse se recolher, teria funcionado o recado dado a todos, e não só aos quadros da UFPel. O governo deseja manter toda a universidade pública de joelhos.

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O epidemiologista, odiado pelos negacionistas e o mais conhecido dos perseguidos, seria colocado na vitrine como exemplo de acovardamento. Brasília sabe bem que o meio universitário perdeu a capacidade de reação desde o tempo de Abraham Weintraub.

O reduto da resistência não tem mais o vigor e a vontade para afrontar o poder e correr riscos, pelo menos no Brasil. E já faz tempo.

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As manifestações de rua que começaram no inverno de 2013 em Porto Alegre, espalharam-se pelo país e desembocaram no golpe de 2016, quando já estavam sob a orientação da Globo. Mas nunca foram consideradas atos sob o comando de organizações estudantis.

As ocupações de escolas, a partir de outubro, talvez tenham sido o último gesto político relevante dos estudantes brasileiros, mas sem o impacto que esse tipo de protesto teve no Chile.

Mais adiante, grupos se arriscaram a fazer mobilizações esparsas de rua. Mas os atos públicos acontecidos desde o golpe de agosto de 2016 foram pontuais e intermitentes, até cessarem por completo.

Pedro Hallal, uma figura surgida na pandemia, não é apenas um combatente em defesa da saúde pública a partir dos esforços para liderar a identificação de formas de contenção do contágio. É um militante das liberdades e da democracia.

As falas de Hallal vão, nas linhas e nas entrelinhas, muito além das questões específicas relacionadas ao enfrentamento da Covid-19. Mas sua decisão de enfrentar o fascismo é um exemplo escasso em meio à acomodação nos corredores das universidades.

As esquerdas são cuidadosas na abordagem desse alheamento, porque uma crítica mais dura poderia acionar constrangimentos e até rupturas.

Há um esforço para que ninguém fale em voz alta uma palavra sequer fora do tom sobre a acomodação dos jovens, como se qualquer abordagem crítica pudesse macular a relação histórica das esquerdas com os estudantes.

Há um silêncio obsequioso diante do distanciamento também dos professores da universidade pública, incluindo os institutos federais.

É certo que os espaços de reflexão e de ação de professores e estudantes não são mais os mesmos. Que o espancamento da política tradicional pelo lavajatismo abalou também as crenças dos jovens. E que ainda estão submersas muitas das explicações para a aquietação de quem deveria ter reagido muito antes da pandemia.

E agora um detalhe que é mais do que uma curiosidade. Na ditadura, os militares davam preferência à perseguição de professores e estudantes de filosofia, sociologia, história, letras, ou todos os que eram chamados de pessoal das humanas.

Hoje, os perseguidos da UFPel são dois professores formados em educação física. Hallal fez depois especialização em epidemiologia. É uma situação reveladora da desarrumação do cenário geral.

Dois professores dedicados à compreensão do corpo e de suas conexões com a mente mexem com as nossas cabeças e atordoam as cabeças dos fascistas, enquanto o pessoal das humanas pensa, pensa e vai pensando no que pode fazer.

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