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Carlos Alberto Mattos

Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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O cinema cálido de Diego Lublinsky

Cinema do Rio mostra em sessões únicas dois filmes do argentino Diego Lublinsky, inéditos em salas brasileiras

"Amor Urgente" (Foto: Divulgação)
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Na paisagem fértil e apreciada pelos brasileiros que é o cinema argentino, um recanto ainda precisa ser conhecido. São os filmes de Diego Lublinsky, cineasta ativo na Argentina e na Espanha, mas ainda pouco divulgado por aqui. No ano passado, seu documentário Me Busco Longe passou pela plataforma Sesc Digital, mas só agora terá uma exibição em sala de cinema.Na próxima terça-feira, 26/3, Diego estará presente na sala 3 do Estação Net Botafogo para apresentar e comentar (comigo) dois longas de sua autoria: a ficção Amor Urgente às 19h e o doc Me Busco Longe às 21h.

Adolescentes à beira do amor

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Diego percorre uma senda diferenciada dentro do cinema argentino. Amor Urgente (2018) foi o seu quarto longa-metragem, antecedido pelo telefilme Comunidade Organizada, Hortensia (hilariantes desventuras de uma jovem) e Três Minutos (casal vive romance enquanto o resto do mundo para no tempo). Em Amor Urgente, acompanhamos a tímida evolução do namoro de dois adolescentes em época imprecisa, mas que se parece muito com os anos 1960.

Agustina (Paula Hertzog), recém-chegada com a mãe ex-modelo à pequena cidade fictícia de Resignación, recebe a princípio com hesitação a corte do igualmente retraído Pedro (Martin Covini). Ambos compartilham o sonho de evasão e a curiosidade quanto ao desejo, mas são tolhidos por medo e convenções particulares em relação ao despertar sexual e ao lugar do amor em suas vidas.

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O ambiente escolar propicia a criação de divertidos contrastes com colegas mais supostamente “avançados”. Já no âmbito da família, sobretudo a de Agustina, é interessante notar como a mãe voluptuosa e o pai ausente teriam forjado a personalidade da menina.

O ótimo elenco atende com perfeição à proposta de um estilo minimalista, marcado por interpretações impávidas e que lembra a melancolia cômica de Aki Kaurismäki ou de Roy Andersson, mas também a fabulação desconcertante de Haruki Murakami. Para sublinhar a artificialidade dessa escolha, Diego trabalhou com cenários e diálogos essencialistas em quadros minuciosamente estudados, situando os atores e atrizes frente a telas de retroprojeção. Todas as tomadas são fixas, e os movimentos se dão nas imagens de fundo.

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O efeito é tão singelo quanto original. A ausência de profundidade de campo descarta qualquer naturalismo, ao mesmo tempo que o elenco se comporta com um misto de hieratismo e espontaneidade. Tudo isso faz de Amor Urgente uma singularíssima história de coming of age, cheia de graça e personalidade.

Trailer legendado em inglês:

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No exílio, ao encontro de si mesma

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Diego Lublinsky tem sua vida entrelaçada com o Brasil. É casado com a brasileira Xenia Ricas Anjo, e sua família se envolveu na luta contra a eleição do ex-presidente fascista em 2018, como você pode ver por estas mensagens de Xenia e de sua irmã mais nova, Graziele Moreira. Pouco depois disso, Diego aprofundou essa relação quando o casal resolveu acolher Graziele em Buenos Aires. Aos 18 anos, mas parecendo bem menos, Grazi temia viver sua homossexualidade em tempos de ultraconservadorismo na pequena ilha de Itacuruçá (RJ), onde fora criada pela avó e pelo avô pastor evangélico, sem mãe e com um pai ausente. Me Busco Longe (Me Busco Lejos) começa com Diego chegando ao Brasil para buscar Graziele e, desde aí, acompanha a difícil assimilação da garota à vida no auto-exílio. Ela deixa para trás uma namorada, que conhecemos em bonitas conversas íntimas filmadas com naturalidade e delicadeza. Tem pela frente uma nova vida com poucos planos e sem muita disposição para cumpri-los. Seu temperamento interiorizado não ajuda muito na convivência com a irmã. Numa operação interessante em matéria de documentário familiar, Lublinsky toma a história da cunhada como um espelho para falar um tanto da sua própria história. Ele também teve períodos de ensimesmamento na infância, deixou a família para viver um longo período na Espanha e vivenciou a separação dos pais. Havia pouco perdera o irmão, Guido Lublinsky, responsável pela fotografia de alguns de seus filmes anteriores. Enquanto fazia Me Busco Longe, sofria com dores na coluna que, de certa forma, criavam um paralelo com o mal-estar da cunhada. Demonstrando um bom senso de medida, ele não deixa que suas questões se sobreponham à da real protagonista.

Graziele escapa a todos os clichês da condição gay. Não é propriamente deprimida, apesar da lacuna dolorosa que lhe deixou a orfandade materna muito precoce. Seus dilemas, pequenas vitórias e grandes decepções são similares aos de qualquer jovem em busca de seu lugar no mundo. O diretor-cunhado os recolhe afetuosamente, mas sem dissimular os problemas acarretados por esse trânsito entre as realidades brasileira e argentina.

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No fim das contas, Me Busco Longe chega até nós como um terno depoimento sobre o desejo de mudança, aceitação e pertencimento. Um filme de formação e de conquista de independência que se dá no simples registro das esquinas que a vida dobra.

Trailer:

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