O clima do Brasil pós-COP30 esquentou mais que Belém em novembro
Crise política pós-COP30 expõe fissuras entre governo e Congresso e ameaça aprofundar instabilidade fiscal
Cinco dias depois de o Brasil encerrar a COP30 com discursos sobre cooperação, pacto climático e “espírito amazônico de diálogo”, o clima político em Brasília virou outra coisa — bem menos sustentável. A temperatura subiu entre o governo e o Congresso após a indicação de Jorge Messias (AGU) ao STF, e o que deveria ser uma semana de capitalização diplomática virou, rapidamente, uma frente de instabilidade política e fiscal.
Davi Alcolumbre (União) e Hugo Motta (Republicanos), que até então mantinham um canal razoavelmente harmônico com o Planalto, engrossaram o tom e sinalizaram que vão desengavetar vetos presidenciais e acelerar a votação de projetos de lei com alto impacto fiscal. É o início de um movimento que, somado, pode pressionar as contas públicas em mais de R$ 100 bilhões já nos dois primeiros anos.
Pelos cálculos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), apenas uma das medidas em discussão no Congresso, relacionada ao aperfeiçoamento previdenciário dos regimes próprios municipais, pode gerar um impacto atuarial de até R$ 103 bilhões ao longo de aproximadamente 75 anos. Esse tipo de projeção, que considera o horizonte de 70 a 100 anos, acende um alerta permanente sobre a sustentabilidade financeira dos municípios.
Uma análise da XP Investimentos, representada no gráfico que acompanha esta matéria, mostra que quatro propostas em tramitação — aposentadoria especial para agentes de saúde, aumento do limite do Simples e MEI, flexibilização dos critérios de elegibilidade ao BPC e adicional de insalubridade para professores — somam cerca de R$ 101,7 bilhões apenas entre 2026 e 2027. É um pacote de medidas que, se avançarem simultaneamente, pode corroer o arcabouço fiscal e limitar drasticamente a capacidade de investimento da União.

No meio desse cenário de tensão, a articulação que o governo considerava uma de suas vitórias — a aprovação da isenção do Imposto de Renda (PL 1087/2025) — ganhou um ruído diplomático já esperado. Na cerimônia oficial que ocorreu no dia 26 de novembro, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, agradeceu nominalmente a Hugo Motta e Davi Alcolumbre pela construção que permitiu aprovar o projeto: “Quero agradecer cada deputado, deputada, senador e senadora, agradecer aos presidentes Hugo Motta e Davi Alcolumbre. A ausência dos presidentes nada frustra a importante construção e apoio que deram a esse projeto”, afirmou.
Era uma tentativa de preservar a narrativa de cooperação, mas a própria necessidade de sublinhar que “a ausência nada frustra” já dizia o contrário.
Afinal, a ausência dos presidentes das duas Casas não passou despercebida. Em Brasília, principalmente, gestos importam, e silêncios também. O recado foi claro: o apoio ao governo tem limites, principalmente quando a disputa política envolve o Supremo Tribunal Federal, vetos presidenciais sensíveis e uma pauta econômica carregada de riscos.
Enquanto o governo tenta emplacar o discurso de estabilidade pós-COP30, o Congresso opera em uma lógica própria, calculada estrategicamente pelos interesses dos dois presidentes do Legislativo. Vetos que antes dormiam em gavetas agora ameaçam voltar cheios de aditivos. Propostas que ampliam renúncia fiscal, gastos obrigatórios e despesas previdenciárias caminham em alta velocidade. E a conta, como de costume, recai sobre um orçamento já esticado.
A COP terminou, mas a tempestade só está começando.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

