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Miguel Paiva

Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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O cocô do cavalo do bandido

"Quando a gente puder ir de novo para as ruas, pode crer, os bandidos vão tentar se infiltrar dizendo que são os mocinhos. Mas não caia nessa", escreve o cartunista Miguel Paiva, do Jornalistas pela Democracia

(Foto: Miguel Paiva)
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Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia 

Tudo leva a crer que o mito do “mocinho e bandido” está acabando. Fui criado com este mandamento preciso de que os mocinhos lutavam contra os bandidos para nos proteger do mal. Mocinhos normalmente eram brancos, louros e de olhos azuis. Quase sempre eram americanos e viviam bem suas vidas naquelas casas amplas e decoradas com carrões na porta e um cachorro no quintal. Como se fazia para conseguir essa vida aqui abaixo da linha do equador?  

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Passei a minha infância me imaginando em outra vida, com mais dinheiro, morando numa casa maior e se possível falando inglês sem legendas. Até o bloqueio americano a Cuba em 1962 eu ainda torcia pelos mocinhos. Depois a História me ajudou a começar a mudar de opinião. Veio o golpe de 64 e as coisas ficaram difíceis de engolir. Pouco tempo depois, já no Colégio de Aplicação desde 1962, comecei a ver o mundo com um olhar mais crítico. Por causa do colégio minha curiosidade foi aguçada e percebi que que os dogmas da igreja e do sistema existiam para serem contestados. Depois que li Demian, de Hermann Hesse a visão se abriu. Deve ter acontecido com muita gente. Os mocinhos começavam a perder as batalhas. Mas, assim mesmo, era muita história para ser revista. A posição política já havia mudado, mas a compreensão da sociedade, seus desvios, seus atalhos, isso foi vindo com o tempo.

Sair para o mundo ajudou. Em outros países, apesar da influência americana existir, não era assim tão forte. Ficava mais o que a cultura americana tinha de bom como a literatura, a música e o cinema. Na Europa a vida havia começado antes e me lembro sempre do dia em que a rede McDonalds foi obrigada a inaugurar sua primeira loja em Roma, num subsolo, se limitando somente a uma placa dourada com o nome da loja ao lado da porta num prédio histórico e tombado. Situações em que os mandamentos europeus venciam os americanos. Preservar a história de uma cidade é mais importante do que vender hambúrguer.

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E assim foi mudando minha compreensão do mundo. Fui ajudado também pelos fatos, pelas guerras perdidas pelos americanos, os mocinhos, pelo enorme refluxo histórico que a emigração causou aos brancos europeus tendo que aceitar em suas casas os negros, mulçumanos, indianos e asiáticos que chegavam à procura da qualidade de vida oferecida quando foram invadidos, séculos atrás.

Os mocinhos começavam a ver revelados seus segredos e a mostrar que não era tão mocinhos assim.  

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A história dos povos oprimidos quando pode ser contada começou a mudar esse equilíbrio totalmente parcial a favor dos mocinhos brancos. Os índios americanos e os povos da América latina puderam contar a verdadeira carnificina que foi organizada pelos conquistadores brancos. Eu mesmo sou descendente de um pirata espanhol, Juan Ponce de Leon, que causou mais mortes do que trouxe benefícios para os povos indígenas que conquistou do Perú até o México.

Meus heróis não morreram de overdose, foram desmascarados pelo meu aprofundamento da história, do conhecimento e da própria comunicação que passou a fazer justiça com os próprios botões in e off.

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Filmes de cowboy também começaram a rever seus protagonistas. A tese de que o bem sempre triunfa sobre o mal foi revista e passamos a assistir à continuação desta luta eterna, mas sem lugar marcado na plateia. Vale tudo nessa hora. A sobrevivência passou a ser moeda de troca e os princípios morais que regiam as lutas antigamente viraram cartilha conservadora e princípios fascistas hoje muito em voga. Mas já não somos mais divididos em mocinhos de um lado e bandidos, do outro.

A revisão da História se ocupa agora de tentar organizar a bagunça que ficou. Os países europeus tentam sobreviver à emigração dos povos que exploraram no passado, os norte-americanos olham para os seus vizinhos tendo que lembrar a toda hora que vidas negras importam, que latinos são fundamentais na economia americana e que a supremacia branca é a manutenção daqueles princípios antiquados que permitiam mocinhos matando índios, negros e bandidos e invadir o Congresso em Washington como uma turba bárbara que sai de suas cavernas.

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Continuamos distinguindo quem é bandido e quem não é. Mocinhos não existem mais. Você pode até tentar ser mais justo e menos bandido. Já vale, porque quando a gente puder ir de novo para as ruas, pode crer, os bandidos vão tentar se infiltrar dizendo que são os mocinhos. Mas não caia nessa. Na hora H como diz o ministro, o que vai valer é não virar o cocô do cavalo do bandido. Esse ainda existe.

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