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Leonardo Boff

Ecoteólogo, filósofo e escritor. Escreveu Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 1995/2015; em espanhol por Trotta, Madrid 1996, Dabar, México 1996

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O coronavírus: a auto-defesa da própria Terra

Seremos capazes de captar o sinal que o coronavírus nos está passando ou continuaremos fazendo mais do mesmo, ferindo a Terra e nos autoferindo no afã de enriquecer?

(Foto: Reprodução)
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A pandemia do coronavírus nos revela que o modo como habitamos a Casa Comum é nocivo à sua natureza. A lição que nos transmite soa: é
imperioso reformatar a nossa forma de viver sobre ela, enquanto  planeta vivo. Ela nos está alertando que assim como estamos nos  comportando não podemos continuar. Caso contrário a própria Terra irá  se livrar de nós, seres excessivamente agressivos e  maléficos ao sistema-vida.
 

Nesse momento, face ao fato de estarmos no meio da primeira guerra
global, é importante conscientizar nossa relação para com ela e a  responsabilidade que temos pelo destino comum Terra viva-Humanidade.
 

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Acompanhem-me neste raciocínio: o universo existe já há 13,7 bilhões
de anos quando ocorreu o big bang. A Terra há 4,4 bilhões. A vida há  3,8 bilhões. O ser humano há 7-8 milhões. Nós, o homo sapiens/demens  atual há 100 mil anos. Todos somos formados com os mesmos elementos físico-químicos (cerca de 100) que se forjaram, como numa fornalha, no interior das grandes estrelas vermelhas, por 2-3 bilhões de anos (portanto há 10-12 bilhões de anos): o universo, a Terra e nós mesmos. 

A vida, provavelmente, começou a partir de uma bactéria originária, mãe de todos os viventes. Acompanhou-a um número inimaginável de micro-organismos. Diz-nos Edward O.Wilson, talvez o maior biólogo vivo: só num grama de terra vivem cerca de 10 bilhões de bactérias de até 6 mil espécies diferentes (A criação: como salvar a vida na Terra, 2008, p. 26). Imaginemos a quantidade incontável desses micro-organismos, em toda a Terra, sendo que somente 5% da vida é visível e 95%, invisível: o reino das bactérias, fungos e vírus.
 

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Acompanhem-me ainda o raciocínio: hoje é tido como um dado científico,
depois de 2002, quando James Lovelock e sua equipe demonstraram perante uma comunidade científica de milhares de cientistas na Holanda, que a Terra não só possui vida sobre ela. Ela mesma é viva. Emerge como um Ente vivo, não como um animal, senão como um sistema que regula os elementos físico-químicos e ecológicos, como fazem os demais organismos vivos, de tal forma que se mantém vivo e continua a produzir uma miríade de formas de vida. Chamaram-na de Gaia.

Outro dado que muda nossa percepção da realidade. Na perspectiva dos
astronautas seja da Lua seja das naves espaciais, assim testemunharam
muitos deles, não vigora uma distinção entre Terra e Humanidade. Ambos formam uma única e complexa entidade. Conseguiu-se fazer uma foto da Terra, antes de ela penetrar no espaço sideral, fora do sistema solar: aí ela aparece, no dizer do cosmólogo Carl Sagan, apenas como ”um pálido ponto azul”. Pois, nós estamos dentro deste pálido ponto azul,
como aquela porção da Terra que num momento de alta complexidade,
começou a sentir, a pensar, a amar e a perceber-se parte de um Todo
maior. Portanto, nós, homens e mulheres, somos Terra, que se deriva de
húmus (terra fértil), ou do Adam bíblico (terra arável). 

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Ocorre que nós, esquecendo que somos uma porção da própria Terra,
começamos a saquear suas riquezas no solo, no subsolo, no ar, no mar e
em todas as partes. Buscava-se realizar um projeto ousado de acumular
o mais possível bens materiais para o desfrute humano, na verdade, para a sub-porção poderosa e já rica da humanidade. Em função desse propósito se criou a ciência e a técnica. Atacando a Terra, atacamos a
nós mesmos que somos Terra pensante. Levou-se tão longe a cobiça deste grupo pequeno voraz, que ela atualmente se sente exaurida a ponto de terem sido tocados seus limites intransponíveis. É o que chamamos
tecnicamente de a Sobrecarga da Terra (the Earth overshoot). 

Tiramos mais do que  ela pode dar. Agora não consegue repor o que lhe
subtraímos. Então dá sinais de que adoeceu, perdeu seu equilíbrio dinâmico, aquecendo-se de forma crescente, formando tufões e
terremotos, nevascas nunca dantes vistas, estiagens prolongadas e
inundações devastadoras. Mais ainda: liberou micro-organismos como o
sars, o ebola, o dengue, a chikungunya e agora o coronavírus. São
formas das mais primitivas de vida, quase no nível de nanopartículas,
só detectáveis sob potentes microscópios eletrônicos. E podem dizimar
o ser mais complexo que ela produziu e que é parte de si mesma, o ser
humano, homem e mulher, pouco importa seu nível social.

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Até agora o coronavírus não pôde ser destruído, apenas impedido de se
propagar. Mas está ai produzindo uma desestabilização geral na sociedade, na economia, na política, na saúde, nos costumes, na escala
de valores estabelecidos. De repente, acordamos, assustados e perplexos: esta porção da Terra que somos nós pode desaparecer. Em outras palavras, a própria Terra se defende contra a parte rebelada e doentia dela mesma. Pode sentir-se obrigada a fazer uma amputação como fazemos de uma perna necrosada. Só que desta vez, é toda esta porção tida por inteligente e amante, que a Terra não quer mais que lhe pertença e acabe eliminando-a.

E assim será o fim desta espécie de vida que, com sua singularidade de
auto-consciência, é uma entre milhões de outras existentes, também
partes da Terra. Esta continuará girando ao redor do sol, empobrecida,
até que ela faça surgir um outro ser que também é expressão dela,
capaz de sensibilidade, de inteligência e de amor. Novamente se irá
percorrer um longo caminho de moldagem da Casa Comum, com outras
formas de convivência, esperamos, melhores que aquela que nós
moldamos. 

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Seremos capazes de captar o sinal que o coronavírus nos está passando
ou continuaremos fazendo mais do mesmo, ferindo a Terra e nos
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