O correntista magnitskyzado pela Lei Magnitsky e o bicho-papão
Lei Magnitsky expõe choque de soberanias e alimenta o pânico de bancos temerosos
Assaltar um banco e fundar um banco é a mesma coisa, já dizia Bertolt Brecht. Certamente o poeta não disse isso à toa, tinha segundas intenções, as mais lúcidas e prazerosas para uma ótima conversa. Bancos são entidades “interessantes”, nunca desagradaram o Poder. Quando não estiveram, muito bem obrigado, ao lado dele. Mesmo que nazista, ocultando dinheiros.
Anda-se falando muito da tal Lei Magnitsky, que ninguém nunca tinha ouvido falar. Agora é só isso, com as pronúncias que Deus-nos-acuda. Outro dia uma jornalista me perguntou como Alexandre de Moraes iria “sobreviver” com a situação. Acabamos dando boas risadas depois.
Flávio Dino, o grande, disse o óbvio, sobre a soberania, considerando uma coisa que se chama “Direito Constitucional”. Curioso que já se vê, por aí, pessoas dizendo que “a tese” de Dino é um “ponto de vista”. Essa turma não é uma graça?
Realmente, os equívocos são grandiosos quando os estudos e a ciência são apequenados.
Tudo se restringe a uma questão geográfica, relativa a um conceito político-jurídico existente desde o Tratado de Westfália, Alemanha, 1648: soberania estatal.
Quem manda nos EUA são os EUA, quem manda no Brasil é o Brasil. Alguém perguntaria, num positivismo não de todo imprestável: entendeu ou quer que desenhe?
Uma lei americana, produzida pelo Poder Legislativo americano, tem toda valia nos EUA. Simples assim. Vale inquestionavelmente lá, mas não tem como invadir outra soberania, da Argentina, Noruega ou Brasil. A não ser por chantagem, pressão ou outra safadeza política qualquer. Mas, repare, uma situação ilegal.
Assim, se alguém no Brasil sofrer qualquer afetação em seu direito, sob alegação de que a empresa ou banco têm “medos” ou se acham obrigados a cumprir lei americana, vai a um juiz de primeiro grau, seja em Osasco, Magé ou Pindamonhangaba, e pede uma coisa que se chama liminar, ordem judicial protetiva. Para que no Brasil se continue, naquele caso concreto, a ser cumprido o ordenamento jurídico brasileiro, com respeito a contratos, cartões etc. Simples assim.
Certamente sairá da Justiça pindamonhangabense com sua folha de papel assinada pelo juiz, que é uma ordem legal que deve ser cumprida, sem sombra de dúvida, sob pena de crime de desobediência.
Esta é apenas uma das razões para que o Código Civil preveja: “Art. 1.138. A sociedade estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade".
Aí vêm as digressões. Um banco brasileiro que tenha agências nos EUA é obrigado a cumprir a tal leizinha lá, lá e somente lá, deles, relativamente àquelas agências, sob soberania americana, e a negócios feitos lá. No Brasil há outro (outro!) ordenamento jurídico, e qualquer ordem estrangeira, para valer aqui, precisa ser validada pelo Judiciário brasileiro. Isso é indistinto e vale para todos os países. Mesmo com os crédulos da globalização.
Outra conversa será o gerente da agência do banco, aqui no Brasil, em Patos de Minas, por exemplo, pedir, implorar, suplicar ao seu correntista magnitskyzado que lhe traga uma liminar judicial brasileira para que ele, o gerente, temeroso, possa (ou seja, seja obrigado a) atendê-lo. Este poderia até ser um artifício para bancos brasileiros que tenham agências nos EUA. Sob uma liminarzinha brasileira não têm como resistir, o que podem justificar, nas agências localizadas nos EUA, perante as autoridades americanas, o “desrespeito” da tal lei magnitskyzante.
Uma terceira conversa ainda se dá nos EUA. Qualquer banco ou empresa essencialmente americana, com direção lá e com agências no Brasil, é obrigado a, no Brasil, cumprir as leis brasileiras. Isso é óbvio. Assim, podem entrar no Judiciário americano (estranho que ninguém está acessando o Judiciário americano...) e pedir uma liminar para que não sejam punidos porque, no Brasil, são obrigados a cumprir o ordenamento brasileiro.
Fora daí são pressões, ameaças, chantagens, força, imperialismo etc. O genial Alain Touraine, na deslumbrante obra Após a Crise, já falava das megaempresas transnacionais como apátridas, que simplesmente não têm nacionalidade. Um fruto meio podre da globalização, da pós-modernidade etc.
Mas alguém poderá dizer que a lei ianque é invencível. E um estudante de Direito, com um mínimo de conhecimento jurídico, responderá: uma ova!
Outra coisa são teorias, análises, suspeitas que “especialistas” acabam fazendo da situação, sempre com invencibilidades atávicas de que, se não for assim, será terra arrasada. Isso serve muito bem para difundir pânico, e até funciona. Mas juridicamente não é desse modo.
Se bancos e empresas “querem” se sentir ameaçados, é um direito psicanalítico legítimo deles. Mas as democracias constitucionais obedecem ao que parece que muitos não conhecem – o Estado de Direito.
Fora da soberania, diplomacia e respeito pelos Estados, só a guerra. Mas, cá entre nós e agora para relaxar, os EUA não vão querer declarar guerra ao Brasil, que tem aqueles valorosos tanques esfumacentos que desfilam em Brasília, “né” verdade?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

