TV 247 logo
      Lelê Teles avatar

      Lelê Teles

      Jornalista, publicitário e roteirista

      396 artigos

      HOME > blog

      O dia em que o professor vaiou a escola

      Como pode um professor ir à porta de uma escola, no dia de sua inauguração, para xingar o secretário e o governador? Que diabo é isso?

      Como pode um professor ir à porta de uma escola, no dia de sua inauguração, para xingar o secretário e o governador? Que diabo é isso? (Foto: Lelê Teles)

      Eu vi com os meus próprios olhos.

      O dia mal havia começado quando o amigo me ligou. Convidava-me a ir com ele a um festejo junino em Neópolis, às margens do mítico São Francisco.

      Como recusar?

      Adornei-me com a indumentária de ocasião: camisa quadriculada, cinto com fivela larga, um chapéu de palha roto na cabeça, botei um cigarrim no canto da boca e pintei um dente frontal com canetinha preta, a imitar o Jeca Tatu de Mazzaropi.

      Fé em Deus e pé na tábua.

      Overland, nossa Mãe Dinah do tempo, dessa vez estava certo. A temperatura era amena, mas sem chuvas. Um frescor carinhoso borrifava-se pela janela do automóvel. Estrada boa.

      No som do carro ouvíamos ora Rogério, ora Clemilda.

      É o primeiro festejo junino sem a presença física dessa dupla paradigmática. Mas a safadeza de uma e o carisma do outro continuarão sempre vivos na alma de nossa gente.

      Eu pensava nisso quando chegamos à pacata Pacatuba. E a chapa tava quente por lá.

      Curiosos como todo Jeca o é, paramos diante de um comboio de carros: batedores fecharam uma via, portas se abriam frenéticas, saltavam fotógrafos, repórteres com canetas e blocos à mão, cinegrafistas, fogos explodiam no ar.

      Um grupo de senhoras, todas de vermelho e com bandeiras vermelhas à mão, avançaram em direção a um dos automóveis. Avistei ali a figura do governador Jackson Barreto.

      As professoras - compreendi tudo – tentavam impedir o chefe do executivo de entrar numa escola.

      Ah, desculpe-me diligente leitor, estávamos na frente de um colégio. Em uma faixa presa no muro, o prefeito agradecia o governador pela reforma completa da escola, lá dentro ouvi os estudantes entusiasmados com os novos banheiros, nova pintura, piso novo, biblioteca, sala de informática, até Messias, o padre-professor apareceu para abençoar a obra.

      E as professoras, veja que coisa, queriam impedir o gov. de entrar na escola e inaugurar a obra. Foram elas impedidas de entrar, e ficaram a fazer a algazarra do lado de fora.

      Um repórter teve a paciência de explicar a esse pseudo caipira que no dia anterior, em Aracaju, foi a mesma futrica. Professores apitavam e faziam baderna tentando estragar a festa de inauguração de escolas construídas ou reformadas.

      Seriam sete inaugurações em dois dias. Das 526 escolas sergipanas, disse-me um membro da comitiva – todo mundo é sempre muito atencioso com um roceiro curioso e articulado – nada menos que 200 já estavam de cara nova, o governo está construindo um novo modelo de unidade educacional, disse-me ele na certeza de que eu o compreendia, o investimento total supera os 250 milhões de reais.

      E era para isso que as professoras faziam cara feia.

      Voltei para minha carroça moderna, puxada por um motor de 200 cavalos puro-sangue, e segui a Neópolis.

      Linda zona rural, plantações de bananeiras, gado atravessando a estrada, matutos matutando, o verde a verdejar.

      Finalmente a cidade nova, Neópolis. Havia espigas de milho por todos os lugares, o cheiro de milho cozido exalava.

      Paramos numa bodega para esticar as pernas e aproveitamos para tomar uma bicadinha, aquecendo o corpo.

      Passou uma criança com a boca lambuzada de mungunzá, um outro atravessou a rua no lombo de um burro, duas adolescentes com uniforme escolar caminhavam mexendo nos celulares.

      E de repente, olha elas de novo. As mesmas professoras embandeiradas passaram numa van. Daí a pouco, a mesma comitiva que vi na pacata Pacatuba.

      Resolvemos seguir o cortejo, mazzaropicamente.

      A cena se repetiu. O carro do gov. parou, as professoras o cercaram, ofenderam o cabra, afrontaram o secretário de educação, xingaram membros da comitiva de puxa-saco, desafiaram os seguranças a lhes darem catiripapos: "bata, bata em mim pra você ver".

      Não bateram.

      Entrei na escola, uma escola enorme e tradicional chamada Caldas Júnior.

      Vi ali o tal novo modelo de unidade educacional: uma moderna quadra poliesportiva coberta e com estrutura em concreto, azulejos nas paredes dos corredores, um pátio grande com três quiosques cobertos como área de convivência, um refeitório todo organizadinho, laboratório de informática com wi-fi liberado, biblioteca enlivrada, sala dos professores arejada e com iluminação natural, rampas de acessibilidade, banheiro para cadeirantes e - qual não foi minha surpresa - um auditório com cadeiras confortáveis.

      Um troço desse não só inibe a evasão escolar, estimula a invasão escolar, quem não quer estudar ali?

      Um líder estudantil secundarista agradeceu ao governador, em nome dos alunos, por essa grande conquista.

      O prefeito Amintas Diniz estava emocionado, ele foi um dos primeiros alunos daquela escola.

      Ali, disse a diretora, estudaram médicos, advogados, engenheiros, várias gerações vitoriosas, mas ninguém teve a sorte de estudar naquela escola com tanto conforto e com condições tão favoráveis ao aprendizado.

      Os únicos a reclamar ali eram os professores. Sinceramente, faziam um papel ridículo. Pareciam discordar daquilo tudo.

      Na verdade não eram "os professores", eram os sintesianos, aqueles que submeteram toda a categoria ao vexame de uma greve iniciada na tora e declarada ilegal por ilegal ter sido; agora estavam novamente a fazer política de forma irresponsável, querendo levar tudo no grito, na galhardia, no apitaço.

      Como pode um professor ir à porta de uma escola, no dia de sua inauguração, para xingar o secretário e o governador? Que diabo é isso?

      Talvez a minha condição de matuto ocasional tenha em impedido de compreender a demanda dos mestres.

      Fui até eles.

      Uma me disse que era professora aposentada, mas estava na luta pela valorização dos novos professores, veja que coisa. A outra foi ainda mais enfática, "sou professora e nunca pude viajar, ganho pouco, é uma miséria".

      Mas com mil diabos, essa senhora estava a excursionar pelo interior do estado tentando sabotar o projeto do governador e implorando para ver a cabeça do secretário numa bandeja de prata.

      Por que não foram à beira do rio comer uma peixada fresca e apimentada? Vão dançar um forró, minha gente, é tempo e festa.

      Ou melhor, por que não aplaudiram as novas escolas, bonitas, modernas, com salas arejadas, com a luz natural a penetrar na mente das crianças?

      Por que não foram lá e disseram, "tudo muito bom, tudo muito bem, mas ainda está faltando um detalhe, oi nóis aqui".

      Qual nada.

      Foi a primeira vez em minha vida que vi professores vaiando uma escola novinha em folha, com as melhores condições de trabalho que um profissional poderia querer.

      Com mil diabos, o que querem essas pessoas?

      Palavra da salvação.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

      ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

      ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

      iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

      Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: