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Sergio Ferrari

Jornalista latino-americano radicado na Suíça. Autor e coautor de vários livros, entre eles: Semeando utopia; A aventura internacionalista; Nem loucos, nem mortos; esquecimentos e memórias dos ex-presos políticos de Coronda, Argentina; Leonardo Boff, advogado dos pobres etc.

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O diabólico desmatamento amazônico; da floresta arrasada à mesa europeia

As florestas amazônicas estão desaparecendo rapidamente. São terras devastadas pela agricultura extensiva e pela produção pecuária em grande escala

Frango brasileiro à milanesa para suíços. Foto: Marc Meier/Greenpeace (Foto: Marc Meier/Greenpeace)

Por Sergio Ferrari - Uma grande porcentagem do desmatamento global está ligada à produção agrícola. De acordo com o Fundo Mundial para a Natureza (World Wide Fund for Nature, WWF), uma renomada organização não governamental ambiental, esse processo desencadeia consequências desastrosas: erosão da biodiversidade, destruição do solo, poluição da água, diminuição dos polinizadores, mudanças climáticas, insegurança alimentar, insatisfação dos agricultores e doenças nos consumidores (https://www.wwf.fr/agir-au-quotidien/alimentation).

Nesse contexto, o WWF alega que o consumo excessivo de carne tem um impacto considerável no meio ambiente devido à intensa competição por terras agrícolas que gera, bem como ao aumento das emissões de gases de efeito estufa e maior poluição ambiental. "A produção agrícola sozinha", observa o WWF, "é responsável por cerca de 20% das emissões de gases de efeito estufa e 70% a 80% do desmatamento global devido à pecuária intensiva, à produção de soja e óleo de palma (dendê) e à agricultura de subsistência". E alerta que os principais ecossistemas naturais do planeta, incluindo os oceanos, estão desaparecendo gradualmente devido à superexploração de 93% da população pesqueira para atender ao crescente consumo de produtos do mar.

A realidade é tão chocante quanto indigna. De acordo com o WWF, embora a produção global de alimentos já possa atender às necessidades alimentares de 7 bilhões de seres humanos, uma em cada três pessoas atualmente não tem o suficiente para comer e 30% dos alimentos produzidos são perdidos ou desperdiçados. Essa é uma realidade paradoxal, uma vez que o consumo de produtos de melhor qualidade, e com menor impacto ambiental, está ao alcance de todos. O WWF pede "uma revisão urgente de nossos métodos de produção" para evitar a realidade atual distorcida pelo "sabor amargo de nossa dieta".

Indigesto: frango brasileiro com molho suíço

O Brasil é o maior fornecedor mundial de carne de frango. Em 2023, vendeu quase 5 milhões de toneladas, o que representa 13% das exportações mundiais nessa área. A Seara, processadora e distribuidora brasileira de carnes e membro da multinacional de alimentos JBS, possui o segundo maior abatedouro de aves do mundo. Diariamente, a JBS abate mais de 5 milhões de frangos. Mas essa produção demanda uma quantidade enorme de forragem, principalmente soja e fubá de milho. Em escala planetária, por exemplo, a avicultura utiliza cerca de 43% da produção total de forragem. Como se pode imaginar, essa demanda se traduz inevitavelmente na destruição sistemática de vastas áreas de florestas para dar lugar ao plantio exclusivo de soja e milho, como acontece sistematicamente no Brasil. Não é por acaso que esse país se tornou um dos maiores produtores internacionais de ambas as culturas (41% da soja e 11% do milho).

Essa correlação significativa entre a fabulosa produção avícola e a não menos fabulosa destruição da floresta não passou despercebida pela organização Greenpeace Suíça. Em uma investigação recente publicada em 29 de setembro, o Greenpeace revela que "lojas de varejo e atacado na Suíça vendem aves brasileiras possivelmente ligadas à destruição da Amazônia e da região do Cerrado". Com as estatísticas em mãos, o estudo afirma que, entre 2002 e 2023, 43,5 milhões de hectares de floresta foram destruídos no Brasil, mais de dez vezes a área da Suíça. Além disso, uma das principais causas desse desmatamento tem sido o cultivo de soja especialmente para alimentação de aves. Dado que em 2024, 42% das importações de aves suíças vieram do Brasil, esta ONG pergunta: "A população suíça consome carne de frango e peru às custas do desmatamento da floresta tropical brasileira?".

Para documentar sua reclamação, o Greenpeace contratou a AidEnvironment para rastrear a origem dos produtos avícolas que a Suíça importa do Brasil.

Primeira observação: cerca de 98% dos produtores de aves daquele país utilizam o chamado sistema de "integração". De acordo com essa prática, os matadouros fornecem aos avicultores todos os recursos necessários, ou seja, os animais, a ração, a assistência técnica, o transporte e o abate, entre outros. Embora esse modelo melhore a rastreabilidade dos fornecedores até certo ponto, ainda é insuficiente no caso da soja porque os distribuidores "não fornecem informações transparentes sobre a origem do produto aos seus clientes". Apenas muito esporadicamente os rótulos identificam o frigorífico brasileiro ou a origem da soja usada como ração para as aves.

Segunda constatação: os silos dos produtores de aves estão localizados próximos às fazendas de soja responsáveis pelo desmatamento ilegal. Segundo o Greenpeace, essa é uma tendência recorrente, evidência suficiente de que "o risco comprovado de que a carne de frango e peru vendida em lojas de varejo e atacado na Suíça contribui –em diferentes produtos e apresentações– por meio dos alimentos fornecidos a essas aves, para a destruição da Amazônia e do Cerrado".

Embora os varejistas e atacadistas suíços tenham, gradualmente, tomado várias medidas contra o desmatamento, eles não classificam a carne de aves como uma "matéria-prima crítica", ignorando assim a possível ligação entre a carne de aves e o desmatamento em seu país de origem. Por isso, o Greenpeace conclui que "eles são cúmplices da destruição da floresta amazônica e da savana brasileira e implicam os consumidores suíços, que estão mal informados sobre essa cadeia de destruição". Por outro lado, adverte que a expansão da produção avícola suíça não resolverá o problema, já que o país alpino atualmente importa cerca de 80% da ração usada para criar frangos - goste ou não, de países como o Brasil (https://www.greenpeace.ch/fr/story-fr/125787/volaille-bresil-importation-suisse/).

Menu diferente: costeleta com tempero anti-indígena

Um artigo publicado pela rede de notícias alemã Deutsche Welle (DW) em dezembro passado argumenta que, como a maior parte da pecuária brasileira está localizada na Amazônia, a indústria de carnes do país "ainda não consegue garantir um produto de exportação que não esteja relacionado com o desmatamento". De fato, das mais de 238 milhões de cabeças de gado no Brasil, 97 milhões estão na região amazônica. A DW contextualizou assim a expansão desse setor e a sua importância econômica: entre janeiro e novembro de 2024, essas exportações superaram em 40% as do mesmo período do ano anterior.

Na última semana de setembro, o Greenpeace Brasil afirmou "que a carne de gado criado ilegalmente em terras indígenas protegidas na floresta amazônica pode ter ido parar nos pratos de consumidores em todo o mundo" depois de entrar nas cadeias de suprimentos da gigante brasileira JBS, a principal multinacional brasileira do setor agroalimentar e uma das maiores processadoras de carne em âmbito internacional.

A investigação da ONG ambiental brasileira se concentra nos vínculos comerciais entre a JBS e Mauro Fernando Schaedler, empresário brasileiro do agronegócio e proprietário de quatro grandes propriedades que fazem fronteira ou se sobrepõem parcialmente à Terra Indígena Pequizal do Naruvôtu, um território nativo no Estado do Mato Grosso legalmente protegido desde 2016 após várias décadas de luta. Apesar da total proteção oficial do governo, os pecuaristas da região continuaram a contestar a sua demarcação como terra indígena, e Schaedler está entre aqueles que buscaram desacreditar a reivindicação do povo Naruvôtu ao seu próprio território.

Atualmente, as fazendas de Schaedler na região amazônica estão enfrentando multas de quase meio milhão de euros por uma série de crimes ambientais. O próprio Schaedler foi multado várias vezes desde 2000 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). Mais recentemente, em 2023, 592 hectares de sua fazenda Fazenda Três Coqueiros II foram embargados por haver criação de gado sem licença dentro do território Naruvôtu. Entre janeiro de 2018 e novembro de 2024, essa mesma fazenda enviou gado para a Fazenda Itapirana, que fornece gado para dois frigoríficos da multinacional JBS. Para o Greenpeace Brasil, "isso significa que a carne da fazenda de Schaedler, procedente de gado criado ilegalmente em terras indígenas, poderia muito bem ter sido servida a consumidores desinformados em toda a Europa e em muitos outros países".

De acordo com dados oficiais do Brasil, no primeiro semestre de 2025, a Europa foi o segundo maior mercado importador de carne bovina dos frigoríficos da JBS naquele país. Essa carne chegou à Espanha, à Alemanha, ao Reino Unido, à Itália e à Holanda. Até que o principal Regulamento de Desmatamento da União Europeia (EUDR) seja implementado, não haverá meios de garantir que a carne ligada ao desmatamento na Amazônia ou com conflitos territoriais não chegue aos mercados e aos consumidores europeus.

A pesquisa do Greenpeace Brasil fornece um exemplo ilustrativo de como a JBS e outras grandes corporações se beneficiam e se expandem devido à ausência de um sistema de controle abrangente, eficaz e transparente de sua cadeia de suprimentos. Também ilustra como essa ação causa não apenas danos ambientais, mas também viola direitos e garantias constitucionais, especialmente os direitos fundamentais dos povos indígenas do Brasil (https://www.greenpeace.org/international/story/78760/jbs-beef-exports-illegal-cattle-indigenous-land/).

Do desmatamento irreversível da floresta ao consumo de carne na Europa e em outras regiões do mundo: um circuito econômico tão expansivo quanto insustentável ao longo do tempo e para o meio ambiente. Uma questão essencial no debate econômico-social entre a América Latina e a Europa em um momento em que o Acordo Econômico Mercosul-União Europeia, que poderia liberalizar ainda mais esse circuito, entra na fase final de análise em ambos os lados do Atlântico. Enquanto isso, a cada minuto, a Amazônia desaparece um pouco mais.

Tradução: Rose Lima

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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