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Igor Corrêa Pereira

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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O discurso da política suja é a farsa que criou o Mito

Enquanto não percebemos que não são os políticos isoladamente que mantém as desigualdades, mas que existe toda uma economia que se beneficia disso, e enquanto não percebermos que é só dentro da política e do Estado que se podem descortinar soluções sociais, não conseguiremos achar o caminho da superação dessa profunda crise que vivemos.

Bolsonaro participa de manifestação antidemocrática no domingo 19/04/2020 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)
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Por Igor Corrêa Pereira e Alex Saratt*

A capacidade de estranhar tudo o que parece natural costuma ser altamente incômoda, mas sem ela, não há conhecimento. Todos os dias naturalizamos centenas de situações e práticas, pois sem isso seria impossível viver em sociedade. Mas principalmente em momentos de crise, desnaturalizar ideias e práticas pode ser um caminho possível para a sua superação. 

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A corrupção política como origem do mal do país

A palavra corrupção tem sido naturalmente associada a políticos. Políticos são corruptos, essa afirmação é quase natural, mesmo que sejam admitidas exceções. E dessa corrupção provém a miséria e o caos social. Mas o que é um corrupto? Sem grandes enrolações, corrupto é o que rouba dinheiro, ou leva vantagem indevidamente. É o que explora, leva a melhor. 

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A máxima de que políticos são corruptos e esse é o grande mal do país foi uma ideia que tomou força tal que ela se transforma no pilar de sustentação do governo brasileiro que ora temos. O chefe do executivo consegue manter uma narrativa coerente com essa máxima. Ele não se declara político. Ele nem tem partido. Ele discursa contra os políticos, sejam deputados, senadores, governadores, e seja a própria mídia. A mesma que por anos fomentou esse mesmo ódio aos políticos. A narrativa é potente pois foi naturalizada, é um discurso que organiza o poder. 

Esse movimento de líderes que se afirmam fora da política está sendo usado por Bolsonaro, mas antes dele já foi usado por Trump, o presidente estadunidense que não por coincidência é a grande inspiração do capitão brasileiro, e que se elegeu como um empresário que entrou na política porque ela estava em crise. E certamente o capitão se vale hoje dessa narrativa pois ela foi repetida a exaustão, em cápsulas diárias, por longos anos, em todos os veículos de comunicação de massa. 

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Uma narrativa precisa ser capaz de convencer para mover as pessoas e instituições. A ideia de que Bolsonaro está fora da política é reforçada pelo seu super ministro Sérgio Moro, o paladino da moral e da luta contra políticos corruptos. Moro virou um herói nacional por causa da Operação Lava Jato. O orgulho dessa operação de combate a corrupção foi ter devolvido R$1 bilhão de reais aos cofres públicos, desmontando o maior esquema de corrupção da história. É muito potente. Pessoas suficientes se convenceram disso a ponto de Bolsonaro e Moro estarem hoje no Palácio do Planalto.

Por que a narrativa não teve um final feliz?

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A história teria um final feliz se tivesse acabado. O grande problema das narrativas que servem para exercer o poder é que elas precisam convencer sempre, dia após dia. Infelizmente os roteiristas dessa história não conseguiram prever que o Produto Interno Bruto cairia mesmo depois que esses heróis finalmente venceram. E certamente nenhum roteirista, por mais genial que seja, preveria uma tragédia mundial de saúde para embaralhar ainda mais essa trama. 

Agora, essa novela entra num impasse. Mesmo que Bolsonaro continue mantendo um em cada três brasileiros na crença de que ele não é um político e que está contra os políticos corruptos, o mundo político, e nele está incluída a mídia, está começando a se incomodar com os papéis de vilão que essa trama lhes reserva. Também a audiência começa a se impacientar, pois a novela saiu da telinha e passa a invadir os lares, ameaçados pela morte e ou pela pobreza e miséria. A sensação de que "algo de errado não está certo" vai aos poucos colocando em xeque essa potente história sobre política e corrupção. 

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No início, falei que as crises podem sugerir um caminho de desnaturalizar ideias e práticas. Por muito e muito tempo, acreditamos na história de que os políticos corruptos roubam o dinheiro da população. E mais do que isso, de que a origem da pobreza social vem desse roubo. Ora, mesmo que seja inegável a existência de políticos corruptos, que evidentemente devam ser punidos, acreditar que seja dessa corrupção a origem da miséria e da pobreza, e que seja essa a única e mais importante corrupção, essa é a grande lenda funcional que mantém o status quo. Essa, portanto, é a corrupção dos tolos, como bem a batizou Jessé Souza.  Enquanto acreditamos nessa lenda, mais da metade de toda a riqueza produzida no país é consumida para pagar uma dívida que ninguém entende e que mesmo que seja paga todos os meses, só faz aumentar. Quanto tempo mais vamos ignorar isso, cujo montante é dezenas de vezes maior que qualquer corrupção de políticos?

A tragédia da pandemia faz lembrar que precisamos urgentemente de recursos, de riqueza. Dessa mesma riqueza que hoje é destinada para essas dívidas misteriosas, incompreensíveis e sobre as quais pouco se fala. Enquanto esses heróis de novela se orgulham de ter recuperado um bilhão, centenas de bilhões são sugados em silêncio, com a total colaboração desses heróis. 

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Enquanto esse ser mítico levanta a sua voz de Não-político em defesa da economia pra convocar os brasileiros a voltar a movimentar a economia, o nosso país não tem a capacidade sequer de produzir respiradores ou máscaras para proteger as pessoas. E sabe porque não tem essa capacidade? Por que nossa indústria foi sistematicamente desmontada. Graças inclusive a esses heróis que fragilizaram a Petrobrás para poder vende-la ao estrangeiro, e com esse desmonte feriram gravemente o já combalido parque industrial brasileiro. Em nome de combater corruptos, decepamos anéis e dedos, e mutilados somos muito mais frágeis a tragédias naturais e econômicas. 

Desnaturalizar ideias, interrogar o poder, é o caminho de fuga de uma situação que nos arrisca a morte. Quem realmente rouba a nossa riqueza? Como recuperá-la? Como colocá-la a serviço da vida e da economia que atinge pessoas de carne e osso, e não agentes financeiros que pouca gente sabe o que são de fato?

A política pode não ser essa coisa corrupta que precisa de heróis criados para combatê-la? Como viveríamos em sociedade sem regras? Como estabelecer regras sem política? Política pode servir ao bem comum? Enquanto não percebemos que não são os políticos isoladamente que mantém as desigualdades, mas que existe toda uma economia que se beneficia disso, e enquanto não percebermos que é só dentro da política e do Estado que se podem descortinar soluções sociais, não conseguiremos achar o caminho da superação dessa profunda crise que vivemos.  

*Alex Saratt, professor de História nas redes públicas municipal e estadual em Taquara/RS e dirigente sindical do Cpers/Sindicato.

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