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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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O Dragão confiante traça o mapa de percurso para a modernização

"Enquanto o Projeto Ucrânia vai para o lixo da história, o Projeto Taiwan entra em tração máxima. As Guerras Eternas nunca morrem", diz Pepe Escobar

(Foto: Reuters/Thomas Peter)
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Este é o ano do Dragão de Madeira, segundo a clássica cultura chinesa dos wuxing ("cinco elementos). O dragão é um dos doze signos do zodíaco chinês, e é símbolo de poder, nobreza e inteligência. Madeira acrescenta crescimento, desenvolvimento e prosperidade.

Essa definição pode ser vista como um resumo do rumo que a China vem tomando em 2024.

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A segunda sessão da 14ª Conferência Consultiva Política da Comissão Nacional do Povo Chinês (CCPCPC) foi finalizada no domingo, em Pequim.

O mundo em geral precisa saber que dentro da estrutura da democracia de base com características chinesas, um fenômeno extremamente complexo – e fascinante –, a CCPCPC é de importância máxima.

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A CCPCPC canaliza até o nível decisório as vastas expectativas do chinês médio e presta consultoria em uma vasta gama de assuntos – da vida cotidiana a estratégias de desenvolvimento de alta qualidade.

Este ano, grande parte da discussão focou maneiras de acelerar ainda mais a modernização da China. Em se tratando da China, conceitos – tal como flores – brotavam por todo o espectro, como por exemplo "novas forças produtivas de alta qualidade", "aprofundamento das reformas", "abertura de alto nível" e uma outra fantástica, "diplomacia de um país de primeira linha com características chinesas".

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Como enfatizou, o Global Times, "2024 não é apenas um ano crítico para atingir os objetivos do '14º Plano Quinquenal', mas também um ano de grande importância para alcançar a transição para um desenvolvimento econômico de alta qualidade".

A aposta nos investimentos estratégicos

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Comecemos então com o primeiro "relatório de trabalho" apresentado há uma semana pelo Primeiro-ministro chinês Li Qiang, que abriu a sessão anual do Congresso Nacional do Povo. A principal conclusão: Pequim irá buscar as mesmas metas econômicas de 2023. O que significa crescimento econômico de 5%.É claro que os riscos de deflação, um declínio do mercado imobiliário e uma confiança empresarial um pouco abalada não irão simplesmente desaparecer. Li foi bastante realista, ressaltando que Pequim "tem plena consciência" dos desafios que tem pela frente: "Alcançar as metas para o presente ano não será fácil", acrescentando: "O crescimento econômico global perde ímpeto e os pontos críticos regionais continuam surgindo. Tudo isso tornou o ambiente externo da China mais complexo, grave e incerto".

A estratégia de Pequim continua focada em uma "política fiscal proativa e em uma política monetária prudente". Resumindo: a melodia não muda. Não haverá qualquer tipo de "estímulo".

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Respostas mais aprofundadas podem ser encontradas no relatório de trabalho/orçamento publicado pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma: o foco recairá em mudanças estruturais por meio de recursos adicionais para ciência, tecnologia, educação, defesa nacional e agricultura. Tradução: a China aposta em investimentos estratégicos, que são de importância-chave para a transição para uma economia de alta qualidade.

Na prática, Pequim investirá pesadamente na modernização da indústria e no desenvolvimento de "novas forças produtivas de qualidade", tais como veículos movidos a novas energias, biomanufaturas e voos espaciais comerciais.

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O Ministro da Ciência Yin Hejun deixou bem claro: houve um aumento de 8,1% nos investimentos nacionais em pesquisa e desenvolvimento em 2023. Ele quer ainda mais – e conseguirá: os gastos com P&D crescerão em 10%, alcançando um total 370,8 bilhões de yuans.

O mantra é "autossuficiência". Em todas as frentes – da fabricação de chips à IA. Uma guerra tecnológica vale-tudo vem sendo travada – e a China está totalmente focada em se contrapor à "contenção tecnológica" exercida pelo Hegêmona, uma vez que seu objetivo último é tirar a supremacia tecnológica de seu maior concorrente. Pequim simplesmente não pode se permitir qualquer vulnerabilidade aos gargalos tecnológicos impostos pelos Estados Unidos nem a perturbações nas cadeias de fornecimento.

Os problemas econômicos de curto prazo, portanto, não tirarão o sono de ninguém. A liderança de Pequim olha sempre adiante – focando os desafios de longo prazo.

Lições aprendidas com o campo de batalha do Donbass

Pequim continuará a conduzir o desenvolvimento econômico de Hong Kong e Macau e a investir ainda mais na crucial Área da Grande Baía, que é o principal centro de alta tecnologia, serviços e finanças do Sul da China.

Taiwan, é claro, foi um tema central do relatório de trabalho: Pequim opõe-se ferrenhamente à "interferência externa" – linguagem-código para as táticas do Hegêmona. As coisas ficarão ainda mais complicadas em maio, quando William Lai Ching-te, que flerta com a independência, se tornar presidente.

Quanto à área da defesa, haverá um aumento de apenas 7,2% em 2024, o que é uma bagatela se comparado ao orçamento de defesa do Hegêmona, que agora se aproxima a 900 bilhões de dólares, enquanto o chinês não passa de 238 bilhões, mesmo que o PIB nominal da China esteja se aproximando do dos Estados Unidos.

Grande parte do orçamento de defesa da China irá para novas tecnologias – levando em conta as lições de imenso valor que o Exército Popular da China vem aprendendo com o campo de batalha do Donbass, bem como as profundas interações que fazem parte da parceria Rússia-China.

O que nos leva à diplomacia. A China continuará a se posicionar firmemente como defensora do Sul Global. Isso ficou explícito na fala do Chanceler Wang Yi em uma entrevista coletiva ocorrida nos bastidores do Congresso Nacional do Povo.

As prioridades de Wang Yi são: "manter relações estáveis com as grandes potências, dar as mãos a países vizinhos rumo ao progresso e trabalhar para a revitalização do Sul Global".

Wang Yi, mais uma vez, ressaltou que Pequim defende um mundo multipolar "igualitário e ordeiro" e uma "globalização econômica inclusiva".

E, é claro, ele não poderia permitir que o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Little Blinken – sempre totalmente atrapalhado – escapasse ileso de sua última "receita": "Não é permissível que os que têm o punho maior tenham a palavra final, e é definitivamente inaceitável que certos países se sentem à mesa enquanto outros só consigam constar do menu".

A ICR como um acelerador global

O mais importante dos tópicos mais uma vez ressaltados por Wang Yi foi o ímpeto rumo a uma cooperação de "alta qualidade" no âmbito da ICR (Iniciativa Cinturão e Rota). Ele definiu a ICR como "um motor para o desenvolvimento em comum de todos os países e um acelerador da modernização da totalidade do mundo". Wang Yi chegou a dizer que tem esperanças com relação ao surgimento de "um momento Sul Global na governança global" – na qual a China e a ICR desempenham um papel essencial.

O relatório de trabalho de Li Qiang, por sinal, trazia um único parágrafo sobre a ICR. Mas ali encontramos uma verdadeira pérola: Li se refere ao Novo Corredor Internacional Terra-Mar – que liga o sudoeste chinês sem acesso ao mar à costa leste através da província de Guangxi.

Tradução: a ICR focará a abertura de novas rotas econômicas para as regiões menos desenvolvidas da China, o que representa uma diversificação da ênfase anterior em Xinjiang.

O Dr. Wei Yuansong é membro da CCPCPC e também do Partido Democrático dos Camponeses e Operários Chineses – que é um dos oito partidos não-PCC da política chinesa (muito pouca gente fora da China sabe disso).

Ele apresentou alguns comentários fascinantes sobre a ICR à Fengmian News e ressaltou também a necessidade de "contar bem a história da China" para evitar "conflitos e incidentes" ao longo da estrada ICR. Para tal, Wei sugere que é necessário o uso de uma "língua internacional", o que implica o uso do inglês.

O que Wang Yi declarou em sua entrevista coletiva de fato foi discutido em detalhe e a portas fechadas na Conferência Central sobre os Trabalhos de Política Externa, em fins de 2023, onde ficou estabelecido que a China se confrontava com "oportunidades estratégicas" de aumentar sua "influência, atratividade e poder em nível internacional", apesar dos ventos fortes e das águas revoltas".

A principal conclusão: a guerra de narrativas entre a China e o Hegêmona será impiedosa. Pequim confia em sua capacidade de oferecer estabilidade, investimentos, conectividade e boa diplomacia a todo o Sul Global, ao invés de Guerras Eternas.

O mesmo foi ecoado, por exemplo, por Ma Xinmin, o consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores da China, que afirmou na Corte Internacional de Justiça que os palestinos têm o direito à resistência armada quando se trata de lutar contra o estado colonialista, racista e de apartheid de Israel. Logo, o Hamas não pode ser definido como uma organização terrorista.

Essa posição prevalece de forma esmagadora por todas as terras do Islã e na maioria do Sul Global – ligando Pequim a seu colega de BRICS, o Brasil, e ao Presidente Lula, que comparou o genocídio em Gaza com o genocídio nazista da Segunda Guerra Mundial.

Como resistir às sanções coletivas do Ocidente

As Duas Sessões mostram que Pequim tem plena consciência de que as táticas de contenção e desestabilização empregadas pelo Hegêmona continuam sendo os principais obstáculos à ascensão pacífica da China. Mas, simultaneamente, ficou clara também a confiança chinesa em seu poderio diplomático global como força de paz, estabilidade e desenvolvimento econômico. Esse é um equilíbrio extremamente delicado com o qual só o Reino do Meio parece ser capaz de lidar.

Então, há o fator Trump.

O economista Ding Yifan, antes diretor-adjunto do Instituto de Desenvolvimento Mundial, parte do Centro de Pesquisa em Desenvolvimento do Conselho de Estado é um dos muitos que têm consciência de a China vem aprendendo importantes lições com a Rússia sobre como resistir às sanções coletivas do Ocidente – que inevitavelmente serão aplicadas à China, principalmente se Trump voltar à Casa Branca.

O que nos traz à questão absolutamente crucial que vem sendo discutida em Moscou no âmbito da parceria Rússia-China, e em breve também nos BRICS: formas de pagamento alternativas ao dólar dos Estados Unidos, aumentando o comércio entre "nações amigas" e o controle sobre a fuga de capitais.

Praticamente todo o comércio Rússia-China, hoje, é feito em yuans e rublos. Enquanto o comércio da Rússia com a União Europeia caiu 68% em 2023, o comércio com a Ásia cresceu em 5,6%, com patamares inéditos sendo alcançados com a China (65 bilhões de dólares) e com a Índia (65 bilhões de dólares). Hoje, 84% do total das exportações de energia russas vão para "países amigos".

As Duas Sessões não entraram em detalhe sobre algumas questões geopolíticas extremamente espinhosas. Por exemplo, a versão indiana da multipolaridade – levando em conta o caso de amor não resolvido de Nova Delhi com Washington – é muito diferente da versão chinesa. Todos sabem – e ninguém mais que os russos – que, dentro dos BRICS10, a maior questão estratégica é de que forma acomodar a perpétua tensão entre Índia e China.

O que fica claro, mesmo em meio ao nevoeiro de boa-vontade que envolve as Duas Sessões, é que Pequim está plenamente ciente de que o Hegêmona já vem – deliberadamente – cruzando uma das principais linhas vermelhas chinesas, ao oficialmente posicionar "tropas permanentes" em Taiwan.

Desde o ano passado, Forças Especiais dos Estados Unidos vêm treinando taiwaneses na operação de nano microdrones Black Hornet. Em 2024, consultores militares dos Estados Unidos trabalham em tempo integral nas bases do exército nas ilhas de Kinmen e Penghu.

Aqueles que realmente comandam a política externa do Boneco de Teste de Colisão que ocupa a Casa Branca acreditam que embora sejam incapazes de lidar com a Houthi Ansarallah no Mar Vermelho, eles conseguirão cutucar o dragão.

Nenhuma pose pretensiosa conseguirá alterar o mapa de percurso do Dragão. A resolução política da CCPCPC sobre Taiwan pede a "união de todas as forças patrióticas", o "aprofundamento das relações e do desenvolvimento em diversos campos nos arredores dos Estreitos de Taiwan e a concentração de esforços para uma "reunificação pacífica". O que, na prática, se traduzirá na intensificação da cooperação econômica-comercial, em mais voos diretos, e em mais portos de carga e bases logísticas.

Enquanto o Projeto Ucrânia vai para o lixo da história, o Projeto Taiwan entra em tração máxima. As Guerras Eternas nunca morrem. Manda vir. O Dragão está pronto.

Tradução de Patricia Zimbres

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