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Roberto Bueno

Professor universitário, doutor em Filosofia do Direito (UFPR) e mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC)

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O editorial amarelo da Folha de São Paulo

O editorial da Folha de São Paulo do dia 22.08.2020 está absolutamente alinhado com os interesses da oligarquia financista que em nenhum momento da história recente do país demonstrou preocupação em realizar ajuste de contas com os erros do passado, diz o colunista Roberto Bueno

Jair Bolsonaro e Dilma Rousseff (Foto: Reuters | Ederson Casartelli/247)
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Neste dia 22.08.2020 a Folha de São Paulo publicou editorial que já pode ser incluído com destaque entre as páginas obscuras da imprensa brasileira. Intitulado “Jair Rousseff”, expressa a posição do jornal sobre a possível curvatura da atual política econômica de Paulo Guedes–EUA para mobilizar parte dos recursos da nação para atender ao seu real titular, o povo. Célere para criticar esta possibilidade, a Folha de São Paulo não soltou manchete nem sequer manifestou indignação em editorial, ou ainda em modesta nota interior ao pé de página do jornal quando o então Presidente Michel Temer dispensou as petroleiras estrangeiras do pagamento de aproximados R$1 trilhão em tributos (MP 795/2017; Lei do Repetro), como tampouco protestou quando entrega de R$1,45 trilhão aos bancos, sem sequer exigir contrapartidas. Ao veículo dos Frias esta violência econômica contra o Brasil e seu povo não representa motivo de preocupação e por isto não a reverbera, nunca por incapacidade de seus funcionários. Todos estão atentos, sem embargo, ao primeiro remoto sinal de que recursos do orçamento possam ser destinados aos pobres e miseráveis. 

O editorial da Folha de São Paulo deste dia 22.08.2020 propõe ataque à política econômica que reputa ser, por ora, “flerte”, com a “elevação dos gastos públicos”, sem qualquer menção ao fato de que dispender recursos econômicos para manter vidas humanas é obrigação primeira do Estado, que deve ser compreendido como investimento prioritário, antes, por exemplo, do que destinar vultosíssimos recursos, oscilando na casa dos 500 bilhões, a título de remuneração para os rentistas. Os editorialistas silenciam sobre a decisão de que aos rentistas seja imposta carga e sofram com a crise. A grande mídia corporativa e as altas autoridades da República omitem qualquer referência a esta grande ausência dentre os escolhidos para arcar com todo o ônus da crise, assim como tampouco mencionam que seria estratégico evitar a venda de lucrativas estatais que poderiam apoiar o financiamento do Estado neste momento de singular crise. É política que esfola o povo e por isto apenas pode fazer sentido quando compreendemos que a lógica do atual governo é privilegiar os donos do capital.  

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Antes de concretizar sua crítica o editorial pavimenta a via partindo da correta admissão de que “Não se discute a importância de reforçar a seguridade, ainda mais depois do impacto devastador da pandemia”. Estabelecida a suposta preocupação ética, logo os editorialistas ancoram e definitivamente travam estes belos propósitos na dimensão material, a saber, no imperativo corte de recursos impostos pela limitação derivada da aplicação do teto de gastos, ou seja, que para os editores qualquer gasto “por motivo supostamente social ou desenvolvimentista, será manobra insensata mesmo sob a lógica eleitoral mais desavergonhada”. O editorial tergiversa por completo ao cristalino fato que, logo, seria trazido à tona pela resposta da ex-Presidente Dilma Rousseff publicada no dia 21.08.2020, apontando que “Os dados mostram que a “irresponsabilidade fiscal” que me foi atribuída é uma sórdida mentira, falso argumento para sustentar o golpe em curso. Entre 2011 e 2014, as despesas primárias cresceram 3,7% ao ano, menos do que no segundo mandato de FHC (4,1% ao ano), por exemplo. Em 2015, já sob efeito das pautas bombas, houve retração de 2,5% nessas despesas. As dívidas líquida e bruta do setor público chegaram, em meu mandato, a seus menores patamares desde 2000”. A Folha de São Paulo demonstra que continua tão interessada nos fatos e em sua apuração quanto esteve durante o período de preparação e execução do golpe de Estado de 2016 e na averiguação das provas forjadas nos gabinetes da República de Curitiba que chegaram à sua redação. 

O editorial angula a sua crítica a Bolsonaro enaltecendo as virtudes da emenda constitucional do teto de gastos, à revelia de três gravíssimas consequências que atingem a Constituição de 1988: (a) compromete a competência básica do Parlamento de deliberar sobre a alocação de recursos; (b) retira da população o desfrute da riqueza que o seu trabalho produz; (c) viabiliza ainda maior concentração de riquezas e ampliação da desigualdade. O editorial da mídia dos Frias omite referência ao fato de que o ônus do teto de gastos recai exclusivamente sobre os trabalhadores(as), sem prejuízo para a oligarquia nacional, ou seja, é uma camisa de força que imobiliza apenas para o povo. A Folha não falha, omite, e o faz deliberadamente. Sua direção e seus profissionais tem perfeito conhecimento do significado e amplitude dos terríveis efeitos do teto de gastos sobre a vida da população brasileira ao congelar investimentos sociais e em infraestrutura. A política editorial da empresa não hesita em apontar baterias para atacar mandatários e promover longas campanhas contra partidos comprometidos com política econômica que priorize investimentos sociais e o desenvolvimento nacional. Esta política foi alvo de criminalização nos países periféricos assim como toda e qualquer variação que esteja ordenada a aplicação de recursos em prol de seu povo, posto que prejudicial ao compromisso de entregar riquezas e capitais ao império. 

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A Folha de São Paulo tem histórico de comprometimento com golpes contra a democracia brasileira, desde o regime militar derivado iniciado em abril de 1964 até o recente golpe civil que contou com o beneplácito dos militares em 2016. A empresa não deixou de explorar e maximizar as eventuais contradições dos governos progressistas para deslegitimá-los, enquanto alegremente sem pejos oculta a imperatividade de impeachment para quem é mais do que responsável por quase 115 mil cadáveres. Aparentemente, para os editorialistas da família Frias pedalar é mais grave que matar. Há maestria na arte de reiteradamente ocultar nas páginas dos jornais os descaminhos de toda a ordem e variações as mais nefastas, isto sim, sempre e quando praticados pela oligarquia, aliás, os tucanos sempre tiveram isto muito em conta, pois são notícias que são perdidas em alguma gaveta, fotos esquecidas e imagens perdidas no meio do veículo quando o personagem é importante. 

Neste dia 21.08.2020 a empresa dos Frias transgrediu a fronteira da respeitabilidade ao aproximar o governo de Jair Bolsonaro ao de Dilma Rousseff, algo que transcende o limite da avaliação política e afirma o desrespeito com a veracidade dos fatos. Está em causa a falsificação dos que tentam comparar o incomparável, posto que o Governo Dilma se diferencia das diretrizes do militarista já a partir de seu absoluto respeito às regras constitucionais, enquanto o regime fardado já seu sobradas e públicas mostras de seu desprezo pela ordem constitucional, não sendo poucas nem raras as ameaças nada veladas de assestar golpe de Estado. A Folha de São Paulo propôs aproximar governo democrático de outro cujo titular é declarado apoiador dos que vertem alegremente o sangue humano, de gente especializada em matar (vistam verde e tenham o hábito da verdade ou não), mas também em torturar. A Folha de São Paulo colocou lado a lado com a ex-Presidente Dilma Rousseff homem que tem como ídolo a ninguém menos do que o reconhecido torturador Cel. Brilhante Ustra, aliás, o homem que a torturou. Os Frias convidam candidamente a população para usar o amarelo e assim evitar que o dinheiro público seja utilizado em favor da educação e da saúde do povo que veste amarelo. Ser Folha, ser bolha. 

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O editorial da Folha de São Paulo deste dia 22.08.2020 está afinado com o editorial do dia 17.08.2020 do jornal O Globo, bastante crítico da possível viragem meramente temporária (não tenhamos ilusões) da política econômica do Governo apenas para manter certo nível de popularidade, retardando a queda de apoio popular visando as próximas eleições municipais que podem colocar importantes bases de apoio para sustentação da próxima campanha presidencial. Mesmo que inexistam dúvidas sobre o absurdo arrocho que recairá sobre a população pobre e miserável logo nos primeiros meses de 2021, a grande mídia corporativa não hesita em verbalizar a sua crítica, encaixando-a em práticas já adotadas nos anos petistas que teriam levado o país à suposta bancarrota.  

O editorial de O Globo do dia 17.08.2020 atacava e recriminava Bolsonaro, mas mantém Guedes à margem de críticas. O jornal da família Marinho retomaria as críticas no editorial do dia seguinte, 18.08.2020, por seu suposto desinteresse em avançar no caminho das privatizações, a rigor, sustentando que Bolsonaro “não quer mesmo privatizar”, mas não sem destacar que “os mercados já alertaram o Brasil do perigo em desrespeitar a responsabilidade fiscal”, fazendo assim eco das palavras de Guedes dias antes ao alertar publicamente o Presidente da República de que a ampliação da destinação de recursos aos gastos emergenciais para auxiliar a população a enfrentar o Covid-19 o colocaria na área de risco de impeachment. Representante do mundo das finanças, Guedes esclareceu que a oligarquia não tolera “desperdício” de recursos com o povo, sempre exigindo progressivos esforços para ampliar a concentração de riquezas em país cujo índice de desigualdade, este sim, não pode ser descrito senão como a verdadeira pornografia contra a qual não há religiosos dotados de obtusa pudicícia que se insurjam com a ira que lhes é própria quando fiscalizam hábitos sexuais alheios. Contra isto nada tem a dizer O Globo, senão reiterar que “O mercado teme que Governo e Congresso não cumpram o que prometeram nos gramados do Alvorada”. O conjunto de promessas ao mercado é tudo quanto interessa aos editorialistas de O Globo e da Folha de São Paulo fiscalizar, e entre a insatisfação do mercado e a concreção de 115 mil corpos sendo enterrados, já podemos antever com clareza por quem dobrarão os seus sinos. 

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O editorial da Folha de São Paulo do dia 22.08.2020 está absolutamente alinhado com os interesses da oligarquia financista que em nenhum momento da história recente do país demonstrou preocupação em realizar ajuste de contas com os “erros” do passado, com os crimes da ditadura, posto que a ética não orienta o mundo dos negócios, e os critérios deste ocupam e colonizam a integralidade do espaço vital da oligarquia financeira que, portanto, releva e não condena regimes ditatoriais ou práticas de tortura enquanto recursos potencializadores de seus interesses. Pouco ou nada interessa aos barões do comércio de sofrimentos e vidas o meritório relatório da Comissão Nacional da Verdade que expôs as vísceras de bárbaros crimes que apoiaram direta ou indiretamente, seja com recursos financeiros ou veículos de suas empresas. Não foram erros nem foram realizadas más avaliações. Todos sabiam muito bem o que estavam fazendo, quais eram os seus objetivos e quais as suas consequências. Ouviram todos e cada um dos gritos dos torturados e assassinados nas salas de tortura ou enquanto tomavam o seu uísque.  

Em seu texto a Folha de São Paulo foi além da defesa da economia brutal proposta pelo editorial da família Marinho revelando que os seus proprietários se sentem demasiado atingidos quando há longínqua “ameaça” da quebra do teto de gastos públicos, posto que está absolutamente claro que se trata de medida de caráter temporário. A empresa não demonstrou qualquer preocupação com a quebra de todos os parâmetros da democracia e da implementação da ditadura nem mesmo quando da introdução de ratos na vagina de mulheres torturadas e estupradas, e a isto a política editorial da Folha de São Paulo qualificou como “ditabranda”. Isto é ser Folha. Ao que parece, nem mesmo as mais abjetas violações importaram para a política editorial da empresa, não conta, não é relevante, sempre e quando não interfira na maximização de seus lucros.  

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É absolutamente chocante descer ao esgoto da alma humana e a dimensões que a própria lama se posiciona acima destas condutas. Ter de voltar a mencionar este tipo de horrendos crimes, por si só, evidencia a gravidade dos tempos que vivemos, tanto mais quanto observamos que contam com a relativização quando não com o beneplácito de setores relevantes da grande mídia corporativa brasileira. Esta pauta sua política editorial senão por interesses estritamente econômicos, não hesitando em abraçar a ditadura quando conveniente e apertar a mão do torturador quando necessário, e nem se incomoda em conviver com o genocida e sua obra, assim como tudo o mais que porventura apareça neste cenário de horrores, sempre e quando sejam garantidas as vantagens à corporação.

A Folha de São Paulo aglutina incautos em sua campanha para que o Brasil vista amarelo em defesa da democracia, logo após apoiar novamente golpe de Estado em 2016 e a criminosa política econômica que produz cotidianamente o sofrimento e morte de milhares de brasileiros(as) por falta de tudo, até de esperança. Quando a política econômica dos governos petistas e, especialmente, de Dilma Rousseff, gerou índice de desemprego de 4,8% (tecnicamente pleno emprego), ao passo que era constituído fundo dotado de reservas na casa de U$380 bilhões, então, a Presidência foi tomada como alvo prioritário para deposição golpista. A empresa dos Frias endossou este projeto assim como também já relativizou o regime ditatorial militar (e sua própria participação) ao classificá-lo como “ditabranda” em editorial de 17.02.2009, talvez esquecidos dos corpos que os veículos de suas empresas transportaram para ser torturados e/ou mortos, a respeito do que nem mesmo seus mais talentosos funcionários como Carlos Heitor Cony (20.03.2009) foram capazes de defendê-la para além do reconhecimento de que existiu graduação na aplicação da violência conforme os períodos da ditadura mas, que, enfim, isto “não a redime do horror que provocou e ainda provoca na memória nacional”. 

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O compromisso da empresa dos Frias não foi com a democracia, mas outro, que lhe levou não à indiferença com os “anos de chumbo”, mas com, além de apoiá-lo ideologicamente, também materialmente. Neste aspecto também assiste razão à resposta da ex-Presidente Dilma Rousseff publicada no dia 22.08.2020 que auxilia a melhor compreender a política editorial impressa pela família Frias ao seu veículo: “Estranhamente, a Folha jamais pediu o impeachment do golpista Michel Temer, apesar das provas apresentadas contra ele. Também não pediu o impeachment de Bolsonaro, ainda que ele já tenha sido flagrado em inúmeros atos de afronta à Constituição, e o próprio jornal o responsabilize pela gravidade da pandemia”. Segundo se depreende, a Folha de São Paulo não nutre grande apreço nem se pauta por provas, e se acaso têm convicções, se deixa embalar e levar pelos interesses. Sua história deu mostras de que isto lhe basta, e se acaso, pouco mais, mas apenas a título de boa publicidade para, enfim, faturar mais. 

Quando investe em campanhas supostamente orientadas para a defesa da democracia, de fato, não parece que a empresa esteja a buscar defensores mais do que para os seus próprios interesses para proteger-se contra as investidas de Jair Bolsonaro, mas apenas dele, pois quando se trata de entregar quaisquer interesses do país e de sua gente para manter os seus interesses econômicos, não hesita um segundo em continuar a apoiar a atual política econômica de Guedes-EUA. Portanto, apenas a generosidade temperada pela naïvité pode levar a disseminação do apelido de Falha de São Paulo. Não há falha, nunca houve falha, sempre houve intenção na Folha, com projeto e fins muito claros, todos eles operando em favor da oligarquia e das altas rodas do mundo econômico-financeiro, muito embora ela permita realizar movimentos de elevação da hipocrisia às nuvens quando finaliza o citado editorial manifestando suposta preocupação com os pobres acaso os investimentos sociais sejam efetivados pelo Governo: “Os mais prejudicados serão, como de hábito, os pobres e miseráveis, que por inconveniência política constituem também a parcela mais decisiva do eleitorado”. Nenhuma referência à farra de gastos de toda sorte e aumentos reais de vencimentos com as Forças Armadas em detrimento de recursos retirados do Ministério da Educação e Ministério da Saúde em plena pandemia. Preocupação com os miseráveis? Benevolente seria quem apenas afirmasse ser uma estranha preocupação. 

Ao aproximar a encarnação da defesa da tortura à figura da mulher torturada deparamos com a prova de que a indignidade ilimitada da oligarquia nacional associada à grande mídia corporativa nesta encontra abrigo seguro das tempestades. A Folha de São Paulo deu mostra cabal de que o veículo nada mais representa do que instrumento para defesa de interesses alheios aos de muitos de seus leitores e, quase, à íntegra do povo brasileiro. Há gabinetes que servem como altar em que o ódio acasala com a perversidade e gera o neofascismo pós-neoliberal financista. Neste ambiente não frutificam textos pautados pela democracia, nem são redigidos princípios e elaboradas práticas jornalísticas inspiradas pela defesa da Constituição ou são exercidas funções orientadas para o interesse público. O editorial amarelo da Folha de São Paulo deste dia 22.08.2020 contém o seu atestado de defunção, impresso cujas rotativas serão sepultadas devidamente embrulhadas nas camisas amarelo-neofascistas para bem homenagear a empresa que assiste o empilhamento de cadáveres ao tempo em que calcula a potencialização de seus benefícios através das restrições impostas ao orçamento público.

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