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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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O enigma Lula

"Alguns setores passaram a se sentir confusos pela estratégia do Lula para derrotar o golpe e fazer triunfar de novo um governo antineoliberal", diz Emir Sader

(Foto: Reprodução)
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No meu livro “A nova toupeira – Os caminhos da esquerda latino-americana” -, havia um capítulo com o título de “O enigma Lula”.

Enigma porque sua compreensão não é simples. Tanto assim que seja a direita, como a ultra esquerda, não decifraram o enigma e foram devorados por ele.

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Uma e outra subestimam o que Lula representa e, principalmente, não compreendem o significado da era neoliberal e como se deve lutar contra ela. O neoliberalismo tratou de impor a dicotomia Estado/sociedade civil, uma armadilha para a esquerda que respondeu a ela. Porque se trata de desarticular essa falsa dicotomia. Aceitá-la é aceitar a polarização inflação/ajuste fiscal ou Estado/sociedade civil

A era neoliberal representou um novo período histórico, pelas profundas transformações que foram introduzidas nas últimas décadas do século passado, sem cuja compreensão não se pode entender as novas formas de luta política. Se passou de um período marcado pela polarização entre duas superpotências a um período de hegemonia de uma única grande superpotência – transformação com profundas consequências. Se passou de um ciclo longo expansivo do capitalismo – que Hobsbawm caracterizou como a “era de ouro do capitalismo” – a um ciclo longo recessivo, ainda vigente e sem horizonte para terminar. E da hegemonia de um modelo de bem estar social, em que o Estado assumiu - em maior ou menor proporção - responsabilidades sobre os direitos das pessoas – a um modelo liberal de mercado, de luta de todos contra todos, diante de um Estado reduzido às suas mínimas proporções.

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O conjunto dessas transformações de caráter regressivo teve na América Latina sua vítima principal, através de três fenômenos principais: a crise da dívida, entre o final dos anos 1970 e o começo dos anos 1980 -, que fechou o período de maior desenvolvimento econômico da região; as ditaduras militares em alguns dos países politicamente mais importantes do continente: Brasil, Uruguai, Chile e Argentina, que afetaram profundamente a capacidade de luta dos movimentos populares; e a terceira, diretamente decorrente dela: os governos neoliberais, de que a América Latina foi a região que teve mais governos dessa natureza e nas suas modalidades mais radicais.

Foi assim também a América Latina a única região em que surgiram governos antineoliberais, implementados por forças que souberam compreender a natureza do neoliberalismo e construir governos que avançaram na sua superação. Quem não entendeu a natureza do neoliberalismo acreditou que, como ele radicalizou o projeto capitalista de mercantilização da sociedade, só sairia dele pelo socialismo. Ou, pregando que a luta deveria se fazer contra o Estado, centrado na sociedade civil – como afirmavam intelectuais e ONGs.

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O neoliberalismo chegou junto com o fim do campo socialista e a crítica radical do papel do Estado e das suas regulações. Mudou completamente o quadro da esquerda no mundo: a social democracia aderiu ao neoliberalismo, os partidos comunistas praticamente desapareceram ou se tornaram intranscendentes, junto com as correntes trotskistas.

A esquerda do século XXI tornou-se a esquerda das forças antineoliberais ou pós- neoliberais, cujos líderes passaram a ser Hugo Chávez, Lula, Nestor e Cristina Kirchner, Pepe Mujica, Evo Morales e Rafael Correa, como líderes de governos antineoliberais.

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Lula compreendeu perfeitamente a natureza do neoliberalismo, inclusive como ele havia conseguido se impor pela bandeira do combate à inflação. Lula soube incorporar esse fenômeno, entendendo como a inflação é um imposto aos salários dos trabalhadores, mas não mais como um objetivo central e um fim em si mesmo, mas como um instrumento para, colocando como central as finanças do Estado, deslocar a prioridade fundamental do governo para a implementação das políticas sociais e o combate às desigualdades.

Foram devoradas à direita, que acreditava que era impossível a compatibilização entre crescimento econômico, distribuição de renda e controle da inflação. Trataram de desqualificar Lula e outros líderes de esquerda com acusações de corrupção e de populismo.

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Assim como a ultra esquerda, que afirmava que o PT “havia traído” a classe trabalhadora e que o governo Lula ia fracassar. Nenhuma dessas previsões aconteceu.

A direita teve que entender como o sucesso das políticas sociais do governo Lula conquistou amplo apoio popular, enquanto a ultra esquerda não se resignou a confessar que o governo tinha atendido os interesses fundamentais da classe trabalhadores e gozava do mais amplo apoio popular, e de que o governo Lula era o de maior sucesso na história do Brasil.

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De alguma forma, hoje também há quem não compreenda a estratégia do Lula. São os que não compreenderam que a hegemonia da esquerda foi lograda pelo programa antineoliberal – prioridade das políticas sociais, da integração regional e dos intercâmbios Sul-Sul, e pelo resgate do papel ativo do Estado – e pela construção de uma ampla frente nacional, que superou o isolamento da esquerda no plano político. São os que – embora alguns deles tivessem apoiado o governo FHC – consideram que toda aliança política que vá mais além do campo da esquerda é “conciliação”. Como se, em algum lugar houvesse um governo de esquerda que não tivesse organizado um marco de alianças mais amplas. Nunca houve um governo de “classe contra classe”. Como parecem propor essas visões.

É que eles têm uma visão pré-gramsciana, não compreendem que o fundamental não é fazer ou não fazer alianças. E quem detém a hegemonia nessas alianças. Lula, por exemplo, terminou seu mandato com 87% de apoio – apesar de 80% de referências negativas na mídia -, expressando o auge da hegemonia da esquerda no país. Quando isso se dá, os setores secundários no bloco de forcas no governo têm um peso secundário, enquanto a esquerda impõe seus objetivos fundamentais.

Alguns setores passaram a se sentir confusos pela estratégia do Lula para derrotar o golpe e fazer triunfar de novo um governo antineoliberal. Não se dão conta que a esquerda sozinha seria mantida no isolamento e seria de novo derrotada. Pregam que não deve haver nenhuma aliança com setores que apoiaram o golpe, o que significa a esquerda congelar o momento em que ficou em minoria e o golpe se impôs justamente por isso.

Hoje a polarização fundamental se dá entre a retomada do projeto de desenvolvimento com distribuição de renda – representado pelo Lula – e a preservação do modelo neoliberal, objetivo fundamental do golpe. Para derrotar as forças do golpe que, embora tenham ínfimo apoio social, dispõe do poder da mídia, do poder do Judiciário, e do Congresso, é necessário contar com muito mais forças do que as do campo popular. Daí que Lula proponha uma frente ampla que conte com todos os que, de alguma forma, se opõem ao governo e se identificam com sua liderança. O governo do PT, como partido que representa esse modelo e que conta com sua liderança para derrotar as ainda forças da direita. São objetivos grandes, mas indispensáveis, para resgatar a democracia e as condições de governabilidade, para retomar o modelo vitorioso nos governos do PT.

Quem não decifra o enigma Lula, é devorado por ele. É o que o Brasil vive em 2023, com a hegemonia do pensamento e da direção política do Lula.

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