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Jean Goldenbaum

Músico, professor da Universidade de Música de Hanôver, Alemanha. É membro fundador do ‘Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil’ e fundador do coletivo ‘Judias e judeus com Lula’

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O escancarado Nazifascismo trumpista e a exemplar reação da oposição estadunidense

Toda a tentativa de golpe que ele veio protagonizando desde novembro, quando soube que foi derrotado nas urnas, indicava que o que ocorreu ontem no Capitólio era completamente possível e de certa maneira até mesmo provável

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Esta quarta-feira foi um dia histórico nos Estados Unidos da América. Pela primeira vez desde a Guerra de 1812 entre este país e o extinto estado do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, o Capitólio foi invadido por agressores que pretendiam violentamente intimidar seus opositores. O Capitólio, na capital Washington, é o prédio que compõe as duas casas do congresso estadunidense, o Senado e a Câmara dos Deputados, e se localiza também muito próximo à Casa Branca. O mundo se horrorizou com as imagens transmitidas em tempo real, que evidenciaram todos os tipos de aberrações sociais e políticas que podemos imaginar. Mas para quem acompanhou diariamente a história do Trumpismo, a surpresa causada por este evento foi nula.

Sim, quando no primeiro semestre de 2016 Trump apresentou à humanidade a “nova Extrema-direita dos EUA” que tomaria o poder e influenciaria negativamente todo o planeta, já estava claro que o Trumpismo se tratava de uma embalagem ianque do Neonazifascismo. Todos os elementos que compõem o rol de características do movimento nazifascista, atualizado ao século XXI, já estavam lá para quem quisesse e pudesse enxergar: a eleição do inimigo (estrangeiros de modo geral, sobretudo muçulmanos e latinos); a incitação de um patriotismo disruptivo que distorce a questão da identidade do povo; a legitimação do ódio e da violência; e, é claro, o muito estruturado maquinário das “mentiras repetidas, repetidas, repetidas até se tornarem verdade”, montadas no arcabouço contemporâneo das fake news da era das redes sociais.

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Assim, com um script perfeito que orgulharia Hitler adaptado à contemporaneidade, Trump triturou seus colegas de partido – que com suas armas “conservadoras tradicionais” não conseguiram fazer frente alguma ao nazifascismo trumpista – e foi nomeado o candidato republicano às eleições gerais. O resto é história. Uniu-se a incompetência de Hillary e do Partido Democrata à democracia manca do sistema de colégios eleitorais, e pronto: o primeiro presidente de Extrema-direita – sim, infinitamente mais perigoso que um Nixon ou um Bush filho – estava eleito.

De 2017 a 2020 acompanhei todos os dias sem exceção o andamento deste país, afinal é um de meus objetos de estudo. E a cada dia ficava mais claro que a intenção de Trump era de fato se perpetuar no poder e se tornar uma espécie de ditador fundamentado em uma Democracia irreal, “reformada” por ele de modo que esta o garantisse como líder incontestável e cada vez com mais poderes. Assim, ele poderia instaurar suas pautas ultraconservadoras no espectro social e elitistas no econômico, e ainda planejava, ao que tudo indica, construir uma possível dinastia, na qual após sua saída, seu filho Donald Trump Jr. assumiria a presidência.

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Desta forma, se algo desse errado nos planos deste aspirante a ditador, certamente poderíamos contar com todas as tentativas possíveis de subverter as leis e as regras do país, para que fosse imediatamente afastado de sua frente qualquer tipo de percalço às suas intenções. Então, mesmo muito antes das eleições de 2020, ele já deixava muito claro que não aceitaria os resultados destas. Portanto, toda a tentativa de golpe que ele veio protagonizando desde o início de novembro de 2020, quando soube que foi derrotado nas urnas, simplesmente indicava que o que ocorreu ontem no Capitólio era completamente possível e de certa maneira até mesmo provável. Provável pois Trump – continuando na agenda do Nazifascismo – conta com um exército civil sectário, que devora maniacamente as suas mentiras, se regozija com seu consentimento ao ódio e à violência, e acata cegamente as suas ordens, não importando o quão alucinadas elas sejam.

E os ataques de 06.01.2021, que de fato entrarão nos livros de História, foram simplesmente consequência desta convocação vinda diretamente de Trump. Ele disse pouco antes: “Vamos dar aos Republicanos o orgulho e a coragem que eles precisam para recuperar nosso país. Então vamos percorrer a Avenida Pennsylvania, eu estarei lá com vocês, e iremos ao Capitólio.” Bem, além de ter cometido mais um crime (de tantos outros ao longo dos últimos quatro anos), o de ‘incitação de tumultos’, ele mais uma vez mentiu para os seus próprios eleitores dizendo que estaria com eles. Na verdade ele simplesmente assistiu às catástrofes em sua televisão e pela enésima vez tuitou insanidades que mais uma vez legitimavam as ações de seus lunáticos seguidores. Inclusive, pela primeira vez, conseguiu a proeza da humilhação de ser banido pelo Twitter. No dia seguinte declarou em uma coletiva que amava os agitadores (parece mentira, mas não é, quem ainda não assistiu, sugiro que assista).

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Quatro pessoas mortas, dezenas de feridas, imagens que ficarão registradas para sempre na História dos EUA e do mundo e que evidenciam perfeitamente o tempo em que vivemos, o Zeitgeist de nossa época. Só pessoas brancas, a maioria homens. Um cidadão arrancou do centro de uma das câmaras a bandeira norte-americana e a substituiu pela bandeira com o nome de Trump – um recado simbólico de que o trumpismo é para eles maior do que é a própria nação estadunidense. Da mesma forma como Hitler substituiu a bandeira e a identidade da Alemanha pela bandeira e identidade nazista. Flâmulas confederadas também não podiam faltar, é claro, afinal são insígnia eterna da supremacia branca ianque. Outras imagens que vale a pena mencionar evidenciam outra doença de nossos dias: o fundamentalismo religioso. Em meio à violência, às armas, à destruição e à tentativa de desconstruir a Democracia e o Estado de Direito do país, figuravam placas que diziam “Jesus saves” (Jesus salva), sujando mais uma vez o nome do principal personagem de sua religião. Judeus fundamentalistas e ultradireitistas também se fizeram presentes, desfilando de solidéu e com a bandeira de Israel em punho. E ao lado destas pessoas havia – literalmente – neonazistas, como é o caso de um cidadão que em pleno Capitólio vestia uma camiseta com a inscrição “Camp Auschwitz”, em referência ao maior campo de concentração de extermínio dos judeus durante o Holocausto. É, é impressionante o derretimento mental que ocorre nas pessoas quando monstros ascendem na sociedade. Bem, vemos isto no Brasil todos os dias.

Mas vamos à segunda parte do artigo, e esta é a positiva. O que impulsionou e motivou derradeiramente que tal ataque histórico ocorresse foi o evento político que caracteriza a maior vitória contra o Nazifascismo que tivemos no mundo desde 2015: a conclusão das eleições de 2020, que se deu somente em 5 de janeiro, nas votações finais para o Senado no estado da Geórgia. Assim, horas antes do ataque, algo maravilhoso (e bastante improvável) ocorreu: os dois senadores Democratas que concorriam contra os Republicanos venceram, fazendo com que o Senado seja agora controlado pelos Democratas. Isto é fantástico, e a seguir explico o porquê. Mas antes, cabe louvarmos outra vitória belíssima e histórica: pela primeira vez foi eleito neste estado um senador negro. Além disso, Raphael Warnock é pastor da Igreja Batista, ou seja, é ótimo que haja um representante do verdadeiro Cristianismo, em meio ao cenário contemporâneo que nos mostra todos os dias pessoas que se dizem cristãs e religiosas e praticam exatamente a antítese daquilo que esta Fé prega.

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O outro senador eleitor, o jovem Jon Ossoff, também possui representatividade relevante em termos de etnia e religião. É judeu, e agrega o time de congressistas judeus e judias que é em sua vastíssima maioria Democrata: 31, contra somente 2 Republicanos.

Enfim, o que significa o Partido Democrata possuir o controle do Senado? Significa que agora ele possui a trinca completa da administração dos EUA: a presidência, a Câmara dos Deputados e o Senado. Isto possibilita que, teoricamente, o partido dirija o país praticamente como bem entende, sem necessitar de votos, apoios e comprometimentos com os Republicanos. Se isto se concretizará na prática já é uma outra história, que deixamos para outro artigo. O que importa aqui no momento é o fato de os Democratas terem o controle e – ainda mais importante – os Republicanos não.

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Para entendermos a relevância deste cenário precisamos voltar um pouco no tempo. Vejam, durante a primeira metade do mandato de Trump (2017-2018), seu partido possuía esta trinca. Era o pior cenário que os Democratas poderiam imaginar: a Extrema-direita na presidência e com poder irrestrito no Congresso. Foi nessa época que Trump concretizou algumas de suas mais terríveis medidas enquanto presidente, como o ‘Muslim ban’ (banimento de muçulmanos); começou a sucatear o Obama Care; e retirou os EUA do Acordo de Clima de Paris. Cabe ainda dizer que embora algumas de suas ações tenham sido realizadas através de ordens executivas, ou seja, não necessariamente ele precisaria da aprovação do congresso, tendo o este sob seu controle o desinibia totalmente para criar e assinar as ordens que bem entendia, afinal com o congresso nas mãos ele podia se dar ao luxo de dispensar quaisquer movimentações que poderiam vir a ser utilizadas como moeda de troca em outras votações.

Ou seja, em 2017 a Extrema-direita havia simplesmente dominado o país. Quatro anos depois os Democratas reverteram 100% do cenário, tomando as três casas. Isto é algo que praticamente nenhum analista previu em 2017, inclusive eu. Então devemos compreender que o trabalho de reação dos Democratas ao Trumpismo foi exemplarmente eficaz.

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A virada democrata se iniciou nas eleições de meio-mandato (novembro de 2018), nas quais o partido recuperou o controle da Câmara dos Deputados – algo que não ocorria desde 2009 –, ao tomar dos Republicanos o incrível número de 41 cadeiras. Dois anos depois, a captura de três cadeiras no Senado foi suficiente para tomar também este controle, e a vitória por mais de sete milhões de votos para Biden garantiu a Casa Branca (o mais importante).

E como isto se deu? Qual é a receita? Bem, não há segredos nem milagres. Ao meu modo de ver, houve por parte dos Democratas – sobretudo dos progressistas – um imenso esforço de Educação política na sociedade. Isto se deu através de mídias alternativas (devo citar os Young Turks, o maior canal progressista do planeta; o DemocracyNow e outros) e de vastas e incansáveis campanhas nas bases da população. O trabalho foi tão bem feito, que os resultados são facilmente visíveis: em 2020 ocorreu a maior porcentagem de votantes dos últimos 120 anos, mais de dois terços dos possíveis eleitores. E mais: nunca na história tantos negros votaram. E foi justamente isso que foi decisivo. E a consagração final foi a vitória de Warnock na Geórgia, um dos estados mais racistas da História estadunidense, onde há menos de um século os negros ainda eram tratados como seres subumanos. Hoje, são representados por um.

Enfim, a situação está perfeita agora? Obviamente não. O Trumpismo, o Neonazifascismo, está morto? Não. As 74 milhões de pessoas que votaram em Trump ainda existem para fazê-lo novamente? Sim. Mas é inegável que diante da situação em que nos encontrávamos em 2017 e a que nos vemos hoje em 2021, de fato as forças antifascistas desmantelaram a estrutura trumpista. E isso deve ser comemorado e compreendido como um modelo.

E é isto que precisamos conseguir no Brasil. Meio mandato se foi e só o que vemos é a Esquerda lutar para sobreviver. O Neonazifascismo bolsonarista (mera derivação do trumpista) segue forte e por ora basicamente detém poder suficiente no Senado e na Câmara dos Deputados. A oposição não se mostra real oposição. E a parte do povo que precisamos trazer para o lado da consciência e da razão o mais rápido possível não parece estar caminhando para este lado. O que colheremos em 2022? Após o episódio da invasão do Capitólio, ainda tivemos que presenciar uma ameaça do ultradireitista presidente brasileiro, acerca da possibilidade de o mesmo ocorrer no Brasil em suas próximas eleições.

Por fim, concluo com o seguinte pensamento sobre os EUA: o grotesco ataque ao Capitólio constitui um evento político positivo para a luta contra a Extrema-direita. Por que? Pois o episódio evidencia ao mundo – e fecha com “chave de ouro” – escancaradamente aquilo que Trump é: o líder mundial do Neonazifascismo. Esperamos que sua queda seja derradeira e que ele seja lembrado como o mais nocivo, incompetente e patético presidente da história de seu país. E quanto ao nosso país, é hora de aprendermos a receita para virarmos o jogo, ou os planos que Trump não concretizou em terras ianques, Bolsonaro concretizará em terras tupiniquins.

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