O estadista e o mercador
Na ONU, Lula reafirma a soberania brasileira enquanto os EUA expõem sua lógica de mercado
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou as ruas do Brasil para a tribuna da cerimônia de 80 anos de criação das Nações Unidas. Cada linha e palavra do discurso com que abriu a Assembleia Geral, no dia 23, soaram como eco e ressonância da manifestação convocada por brasileiras e brasileiros que ocuparam os espaços públicos de todo o país no domingo, 21 de setembro, para defender a soberania e a democracia nacionais.
Governo e rua voltaram a se encontrar como há muito não acontecia. Da sede da ONU, em Nova Iorque, Lula reverberou o sentimento de compatriotas aliados à determinação governamental de enfrentar a violência externa.
“Mesmo sob ataque sem precedentes, o Brasil optou por resistir e defender sua democracia, reconquistada há quarenta anos pelo seu povo, depois de duas décadas de governos ditatoriais. Não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia. A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável. Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema-direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade. (...). Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis” — cravou o presidente.
A postura do governo brasileiro, diante dos 193 países que formam a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, foi transmitida em cadeia planetária para quem quisesse ouvir o que o Brasil tem a dizer sobre intromissão estrangeira em questões que só dizem respeito a si próprio. Com isso, a cidadania entrou em regime de prontidão e, no chão do país, fincou a bandeira do “ninguém tasca”.
Ao deixar o salão da Assembleia Geral, o estadista Lula e o ditador estadunidense se esbarraram. Já no púlpito, o ditador disse à audiência que ambos marcaram uma conversa, porque, da parte dele, rolou “uma química” e ele só faz negócio com quem gosta. Declaração que faz lembrar o mercador Shylock, usurário que exige do devedor uma libra da própria carne, cerca de 500 gramas, pelo empréstimo que não pode pagar. Quanto à química, a tabela periódica descreve a combinação de elementos da natureza que produz reações inesperadas. Em meio ao rumo incerto dos acontecimentos, reações inesperadas são o que se pode esperar do encontro entre o estadista e o mercador.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

