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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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O Estado, de solução a problema?

A declaração de George Bush dava início à virada, com a qual o capitalismo substituiu sua fase desenvolvimentista pela neoliberal

Palácio do Planalto (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)

“O Estado deixou de ser solução, para ser problema.” A declaração de George Bush dava início à virada, com a qual o capitalismo substituiu sua fase desenvolvimentista pela neoliberal.

Assim, o capitalismo passava a promover a centralidade do setor financeiro, não o que financiava o consumo, o desenvolvimento, a pesquisa, mas o que privilegia a especulação financeira. O que vive das altas taxas de juros, para fortalecer o mercado em detrimento do poder regulador do Estado e da esfera pública.

A polarização não se dá entre o Estado e o mercado, mas entre a esfera pública, em que o sujeito é o cidadão, e a esfera mercantil, em que o sujeito é o consumidor.

O enfrentamento central do nosso tempo é, assim, entre o neoliberalismo e o antineoliberalismo ou o pós-neoliberalismo. Entre a hegemonia do capital especulativo e a hegemonia do capital produtivo, entre a centralidade da especulação financeira e a centralidade do investimento vinculado à produção.

Os governos da direita no Brasil fortaleceram a financeirização da economia, em que tudo se transforma em mercadoria, às custas da perda de direitos. Se generalizava a mercantilização das relações sociais, que transforma tudo em mercadoria, que tem preço e custo, que se vende e se troca. As pessoas se tornam indivíduos soltos no mercado.

Os governos de esquerda, ao contrário, fortaleceram o Estado, democratizando-o. Fazendo dele um agente da transformação dos indivíduos em cidadãos, isto é, em sujeitos de direitos. Se transforma assim o Estado pela centralidade da esfera pública.

Os governos do PT privilegiam as políticas sociais, promovendo a cidadania, às custas da mercantilização e da financeirização da economia. 

Porém, o golpe contra a Dilma e contra o Lula, levou a direita de novo ao governo, com grandes retrocessos na luta contra o neoliberalismo. O retorno de Lula à presidência, por sua vez, se deu sem maioria no Congresso e, durante um período, com um presidente do Banco Central nomeado por Bolsonaro.

O Lula 3 tem, então, características específicas, limitadas. Apesar da priorização das políticas sociais do governo, sobrevive a centralidade do capital especulativo na estrutura econômica. O objetivo central da luta antineoliberal é o de romper com a financeirização da economia, com a centralidade do capital especulativo, passando do antineoliberalismo ao pós-neoliberalismo.

O governo Lula 3 tem que enfrentar esses desafios, para o que precisa lograr a reeleição do atual presidente. E valer-se do novo mandato para construir um projeto novo para o país. Um programa que formule uma nova política econômica, centrada na produção industrial e na distribuição de renda. Mas que, para isso, necessita uma profunda reforma de democratização do Estado, centrada na esfera pública, dos direitos dos cidadãos.

Muitas tarefas são desafios para o Lula 3. Uma delas, essencial e ainda pendente, é terminar com o analfabetismo no Brasil. O PT não pode terminar mais um mandato na presidência convivendo com milhões de analfabetos no país. O Estado e os programas educacionais têm que assumir essa responsabilidade como prioritária, definindo prazos para sua realização e não seguir adiando esse objetivo.

A luta em torno do Estado, do seu caráter, da sua transformação, da sua democratização, termina se tornando a questão central da luta do nosso tempo. 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.