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Cesar Locatelli

Economista e mestre em economia.

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O exagero dos juros

Um quarto da força de trabalho do país está subutilizada. E o Banco Central explica que a alta dos juros fomenta o pleno emprego. É isso mesmo?

Banco Central (Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil)
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por César Locatelli

“A alta de juros é um processo concentrador de renda, injusto, incerto e desigual. E que passa por escolhas públicas, muito além das atribuições do BC.” Essa é a conclusão da economista-chefe do Santander Brasil, Ana Paula Vescovi, revelada em artigo com o título ‘O que realmente mexe com os juros no Brasil?’, em um jornal paulista.

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Para reforçar o caráter “concentrador de renda, injusto e desigual” dos juros, concordando com Vescovi, é preciso ressaltar que o valor gasto com juros, em 2021, foi de 448 bilhões de reais, ano em que a taxa básica definida pelo Banco Central começou em seu mínimo histórico, 2% ao ano, e encerrou em 9,25%. A despesa com juros em 2022 deverá ser bem maior, já que começamos o ano em 9,25% e rapidamente chegamos a 10,75%.

Esses quase 450 bilhões de reais, mais de 5% do Produto Interno Bruto do país, vão para os bolsos de quem tem dinheiro em aplicações financeiras, a pequena parcela dos mais ricos da população.

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Para se ter ideia da ordem de grandeza, note-se que a previsão, para 2022, de gastos do Auxílio Brasil, que deve aliviar as agruras de dezenas de milhões de pessoas, é de 89 bilhões reais, ou cinco vezes menos do que o gasto com juros. O montante gasto com juros representa, ainda, cerca de 12 vezes o custo do Bolsa Família, estimado em 35 bilhões em 2021.

Vescovi classifica esse gasto com juros, também como “incerto”, ou seja, não se sabe se essa montanha de dinheiro, transferida aos detentores de aplicações financeiras, será eficiente em cumprir aquilo que se propõe, baixar a inflação. E mais uma vez, concordamos com sua avaliação. A política de preços de empresas com poder de mercado, por exemplo, não se subordinam a apertos monetários. Uma breve análise do papel que os preços dos combustíveis têm exercido no surto inflacionário corrente no Brasil deve aclarar a insubmissão de certas indústrias à política monetária. Do mesmo modo, produtos comercializáveis com o exterior, que têm demanda e preços determinados globalmente, independem diretamente do maior ou menor aperto monetário.

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A concordância com a economista termina por aqui. Para discutir a “dificuldade de a política monetária conseguir, por si só, controlar a inflação, mediante alta significativa da dívida pública”, Vescovi faz um raciocínio linear: “quando a política fiscal não ajuda, o BC perde graus de liberdade para manejar o canal das expectativas, tendo que remar contra a maré: mais gastos públicos, mais inflação, mais juros, mais endividamento, menos consumo e investimentos e menos crescimento.”

Em primeiro lugar é preciso lembrar que há na prática e na literatura econômica muitos outros modos de se combater a inflação. Não é nem necessário, nem essencial que o único instrumento seja o aumento da taxa de juros. O custo/benefício do tratamento da inflação exclusivamente com juros tem sido amplamente questionado. O desastre de 1981 patrocinado por Paul Volcker, com a elevação dos juros de curto prazo a 20% ao ano, é bem ilustrativo.

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Como afirma Dani Rodrik, de Hrvard, a economia não é uma ciência de regras fixas. Para ele, a pressão inflacionária atual deriva de causas transitórias e, portanto, a reação não deve ser exagerada: “os remédios ortodoxos para a inflação muitas vezes têm efeitos colaterais caros, como falências e aumento do desemprego, e nem sempre produzem os efeitos desejados com rapidez suficiente.”

Em segundo lugar, muitas das vezes a inflação não tem relação direta com maior ou menor equilíbrio fiscal. Um aumento nos gastos públicos pode significar mais inflação, como pode não ter nenhuma influência sobre os preços. O principal exemplo pode ser dado pela crise que se originou no mercado imobiliário norte-americano, em 2007/2008, e se espalhou mundo afora. O Fed e o governo dos EUA inundaram a economia de dólares sem qualquer resultado na inflação.

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A propósito da discussão sobre a inflação corrente, James K. Galbraith, ex-diretor do comitê de economistas do Congresso dos EUA, advoga que:

“A razão declarada para apertar a política monetária é combater a inflação. Mas os aumentos das taxas de juros não farão nada para neutralizar a inflação no curto prazo e funcionarão contra os aumentos de preços no longo prazo apenas provocando outro colapso econômico. Por trás da política está uma teoria misteriosa que liga as taxas de juros à oferta monetária e a oferta monetária ao nível de preços. Essa teoria ‘monetarista’ não é declarada hoje em dia por um bom motivo: foi amplamente abandonada há 40 anos, depois de contribuir para um desastre financeiro.”

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A tese do artigo de Galbraith é que a verdadeira mira do Fed, ao subir a taxa de juros, está nos salários dos que trabalham nos serviços. Ele argumenta que como os preços da energia e da maior parte dos produtos são definidos globalmente, os únicos preços que a política do Fed pode atingir são os dos serviços, pois estes não são comercializáveis para fora das fronteiras do país. O resultado do aumento dos juros será, portanto, a compressão dos salários desse setor, conclui.

Em terceiro lugar, menor gasto público, menor inflação e menor taxa de juros nem sempre resultam em maior investimento e maior consumo. Uma estabilidade monetária sem a expectativa de manutenção do emprego freia do consumo das famílias, sem a perspectiva de vendas crescentes reduz o investimento. Há quase 100 anos, Keynes já afirmava que há equilíbrios subótimos, abaixo do pleno emprego.

Em quarto lugar, o controle da inflação não pode ser o fim último de política econômica. A variável econômica que mais importa é o emprego. Nos EUA, por exemplo, desde 1977, o mandato do Fed é duplo: "manter o crescimento de longo prazo dos agregados monetários e de crédito compatível com o potencial de longo prazo da economia para aumentar a produção, de modo a promover efetivamente os objetivos de máximo emprego, preços estáveis e taxas de juros moderadas de longo prazo”.

Recentemente, o prêmio Nobel Joseph Stiglitz revelou, igualmente, que sua maior preocupação em relação à inflação e aos juros é que os bancos centrais tenham uma reação exagerada, aumentando excessivamente a taxa de juros, restringindo, assim, uma recuperação nascente. E nesse cenário, continua ele, as pessoas com os salários mais baixos serão aquelas que mais sofrerão, como sempre.

Sua argumentação se baseia na taxa de desemprego norte-americana, bastante inferior à brasileira. Com muito mais razão, portanto, é preciso recusar o caminho tomado por nosso banco central independente. Estamos a léguas do pleno emprego e ministrando doses cavalares do remédio típico das inflações de demanda, preocupados, como afirma a economista do Santander, “se o Brasil vai sancionar um processo de ajuste fiscal menos previsível”, ou, preocupados se vamos derrubar o teto que nunca deveria ter sido criado.

A ata do Copom, após a alta de 150 pontos básicos no início de fevereiro, elevando a meta da taxa Selic para 10,75%, dispara: “Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.”

Uma em cada quatro pessoas da força de trabalho do país está subutilizada. São 29,1 milhões de pessoas subutilizadas no Brasil. E o Banco Central explica que a alta dos juros fomenta o pleno emprego. É isso mesmo?

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