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Jorge Henrique Bastos

Jornalista, crítico literário, poeta e tradutor.

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O Faroeste de Paulo Faria

Há quatro anos não conseguimos ser contemplados com editais. Acabamos por nos tornar, também, invisibilizados como essa população. Mas vamos superar.”

(Foto: Reprodução)
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Paraense, 56 anos, produtor, cenógrafo, ator, autor das peças que monta, filho de um político que foi cassado na época da ditadura, eis Paulo Faria, o mentor de uma das companhias teatrais mais atuantes da cidade, o Pessoal do Faroeste. Habitando um casarão antigo na célebre rua do Triunfo, em plena Luz, área central de São Paulo, ele conseguiu dinamizar a região, levando até a população do entorno projetos de cidadania que davam algum alento aos despossuídos que zanzam pelas ruas degradadas do bairro. E após mais de vinte anos de atividade, a companhia teatral acaba de ser despejada da sua sede, enfrentando uma realidade que assombra a grande maioria dos que produzem arte e cultura no país.

Vivendo na capital paulista há mais de vinte anos, chegou aqui para cursar Letras, que transferira o curso da UFPA para a USP. Mas o destino sempre altera a vida de cada um. Inspirado na música de Renato Russo, Faroeste Caboclo, num fim de semana escreveu as noventa páginas do espetáculo que montou, “Um certo faroeste caboclo”, e as veleidades do curso de letras ficaram para trás. As amizades foram se construindo, até que conhece Ana Mantovani, que o prepara para assumir o teatro da FAAP. Contudo, Após o sucesso da peça inspirada na música do Legião Urbana, resolve se dedicar à sua arte e abandona tudo.

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Em seguida, passa um tempo pesquisando no Instituto Capobianco, e a decisão de se mudar para a Cracolândia torna-se uma realidade. “Ninguém sabe o que era aquela região em 2002, era invisibilizada, a cidade não convivia com aquela realidade. Vivíamos sozinhos, vimos surgir movimentos como o da Tina Galvão (já falecida), que criou o projeto ‘Aquele abraço’, que deu origem ao ‘De braços abertos’. Estávamos num genuíno faroeste”.

A partir dessa época, Paulo Faria se dedica a produzir suas peças e erguer projetos, sempre envolvendo a população desassistida. “Desde que viemos para cá, tentamos entender as práticas da administração pública paulista. É uma área simbólica porque há muita especulação imobiliária intensa. A Porto Seguros é dona de quase tudo, daí a intenção de desvalorizar tudo”, resume.

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Como artista consciente, Faria não dissocia a realidade da ficção, “Procuramos sempre criar narrativas de pertencimento para a população dali, contando suas histórias. Isso durou até 2014, e coincidiu com o golpe. Fizemos a peça ‘Curare’, que tratava dos golpes que o Brasil sofreu. A partir daí ficamos marcados. O Haddad lançou sua campanha à presidência no nosso teatro. Depois veio o Dória, e fomos excluídos da lei de Fomento, apesar de termos conquistados dez editais, isso dificultou nossa situação”, explica.

Com a pandemia, as condições foram se agudizando, mas isso não o demoveu das suas ideias, “Nos últimos anos vivemos a fase mais difícil, que culminou com nosso despejo. Ficamos sem apoios. Por duas vezes, conseguimos barrar. Agora se concretizou por causa de uma dívida grande. Não havia mais como permanecer lá. “Por outro lado, concretizamos muita coisa. Organizamos três encontros nacionais sobre drogas, ganhamos prêmios da Ouvidoria, houve o balcão de atendimento da OAB”, acentua. O mentor da Cia Pessoal do Faroeste não se deixou abater, arregaçou as mangas e passou a dar assistência a partir do teatro, “Durante a pandemia, fiquei morando no teatro, recolhi gatos e cães, criei o projeto ‘Fome Zero na Luz’ e o ‘Sopão da Luz’. Cadastramos mais de mil famílias em situação de vulnerabilidade. Decidi combater a fome como missão da minha vida. O que experimentamos na vida real, transpomos para nosso trabalho ficcional. Nossa websérie é sobre a fome”.

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Como gostar de enfatizar, Faria afirma que sua herança familiar o norteia como homem e artista, “Isso é herança familiar. Meu pai foi cassado pela ditadura, ele foi prefeito de Santarém, no Pará. Minha infância e juventude foi dividida entre palanques políticos ou na sucursal do Estadão, em Belém, onde meu irmão Lúcio Flávio cobria a Amazônia para o Estadão”.

O desafio agora será encontrar uma nova sede para o grupo, procurando concretizar isso fugindo do drama dos aluguéis. “Como o aluguel do espaço passou para 20 mil, sem editais, escamoteados pelo governo, a companhia acabou por se inviabilizar e o despejo foi fatal. O dono do espaço pressionou o grupo, assim como certos coletivos que surgiram nos últimos anos e que passaram a disseminar notícias falsas e injúrias. Daí a decisão de entregar o espaço”.

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A saída será só uma, “Vamos tentar pelo governo e pela prefeitura, um espaço em comodato. A única exigência é que continue a ser na região a qual pertencemos.”

Seus apoios são muitos, e o ajudaram a manter o projeto até agora. Desde figuras como Eduardo Suplicy, Erica Hilton, Carlos Gianazzi, até instituições como Diversitas USP, Ocupação Negra, Balcão da OAB, a Cultive ou a Cooperativa Paulista de Teatro. E, claro, o público que sempre acompanhou cada nova estreia. “Vamos receber emendas de Suplicy, Gianazzi e Hilton, que vai nos dar algum fôlego até abril. E vamos insistir na Lei de Fomento”.

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Homenageado pelo Alesp, a sua companhia foi galardoada com prêmio de Direitos Humanos da OAB, Paulo Faria afirma que sua herança é toda imaterial. Enquanto isso, mantém uma websérie transmitida via instagram, cuida dos animais que recolheu, além de trabalhar com a equipe via internet, e sonha novos projetos. “Entregamos o teatro, mas ficamos no prédio ao lado, o Amarelinho, que era o antigo ateliê da Maria Bonomi”. Conforme ele explica, “Em 2019, íamos começar um projeto com os usuários de oficinas de arte plásticas. Mas veio a pandemia e fomos sendo afunilados pelas circunstâncias, até a situação atual. Há quatro anos não conseguimos ser contemplados com editais. Acabamos por nos tornar, também, invisibilizados como essa população. Mas vamos superar.”

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