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Tiago Basílio Donoso

Mestre em Teoria Literária pela Unicamp e autor do livro no prelo “Terras Nacionais e Terras Estrangeiras”, pela editora Kotter

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O fascismo é impossível no Brasil

(Foto: Adriano Machado/Reuters)
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Caminhando pela cidade, nesses dias chuvosos em que a pouca água nas ruas é suficiente para dar ao asfalto pretensões de espelho, em que as luzes dos semáforos trocam de cor com maior solenidade, reparei em algo que sempre percebo, mas que nunca me incomodou como hoje. Era uma rua de classe-média. E os comércios, de cujas calhas caía uma água amarela, tinham nomes excessivos: “Petit Bistrô”, “Office 2byW”, “Barber Shop”. E os prédios eram “Florença”, “Edifício Milano”, o condomínio “Terras de Nápoles”. E então percebi: o fascismo não é possível no Brasil.

O que vi, enquanto passava o ônibus cheio como um lírio de vapor, é que uma de nossas limitações - o complexo de vira-latas - é também um freio ao alcance do chauvinismo.

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Mas, que é fascismo? Seguramente, não é uma daquelas ideias que podem ser explicadas até que se esgotem. Fala-se muito de militarização, paramilitarização, do machismo (nós, latinos, que somos chamados por americanos e europeus de “machos”, como uma pretensa exclusividade latina, nos esquecemos do estúpido e típico “macho” europeu e americano); fala-se da burocratização, dos imorais moralizadores, da manutenção do regime capitalista e de acumulação. Sim, todos são elementos verdadeiros. Assim como é verdadeira a tese de que não se faz fascismo sem ressentimento.

Porém, pré-requisito, o ressentimento sozinho não é suficiente. É preciso que seja falsamente curado pelo lenitivo do orgulho. E nada como o sentimento nacional para se produzir o orgulho coletivo. O fascismo é o próprio processo de transformação do ressentimento criado pelo capitalismo em orgulho criado pelo capitalismo. Todas as outras coisas orbitam em redor desse nacionalismo de fachada, pois tanto nazismo quanto fascismo são movimentos de massa, e não de uma pequena elite militar ou encastelada em condomínios.

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Pensa-se muito sobre o ódio, ódio racial, ódio a minorias, criação de bodes expiatórios para o estabelecimento da unidade federal dos ânimos (o Brasil é um país escravocrata, cujo ódio racial produz o extermínio de sua população negra; conhecemos a violência desse ódio muito bem). Mas se esquece que um projeto monstruoso desse não se faz sem amor, sem alguma forma tenebrosa de amor - e que é o orgulho nacionalista. Embora o orgulho não gere fascismo, não há fascismo sem orgulho - e orgulho amplo, aglutinador, nacional. Quanto ao verdadeiro orgulho, não esse arremedo, um orgulho que não venha com ódio, militarização, brutalidade, machismo, maior expropriação capitalista do povo, esse orgulho não cabe no espectro político da direita.

Lembremos: a ditadura de 64 não se cansou da propaganda nacionalista, e não só no “Ame-o ou deixe-o”, mas em todas suas propagandas diárias. Mas não precisaram sempre de um empurrãozinho externo, internacional? E Bolsonaro, que é o excremento tardio daquele regime, tentou a mesma coisa: “O meu partido é o Brasil”. Mas - conseguiram se tornar fascistas?

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Sim, são abjetos, asquerosos, escatológicos no sentido de excreção e de fim do mundo. Provocam extermínio, têm o ódio incrustado na alma. Mas, apesar de terem todas as conjunturas favoráveis, não conseguiram forjar o sentimento de orgulho nacional. E quem acha que sim, conseguiram, então deve fazer como eu e continuar andando pela cidade. E chegar, como eu, ao bairro da Vila das Garatéias; e ver as manicures, os salões de cabeleireiro, as pessoas pobres e negras carregando bags de recicláveis. Neste bairro, que o nacionalista burguês só percorre sem querer e de carro, enquanto sente escorrer da axila não exatamente um suor frio, mas um soro de pânico, neste bairro não há propagandas de Sérgio Moro e de Bolsonaro. Há alguns traços fantasmas no vidro de um fiat uno, em que se percebe o adesivo arrancado com fúria, sem método, e cuja mancha sequer foi revisitada. Houve, também aqui no Bairro das Garatéias, uma esperança de que o orgulho nacional substituísse o despeito ressentido da Lavajato, da corrupção (é assim que o capitalismo produz o ressentimento, quando seu regime de acumulação e expropriação não se mostra catastrófico o suficiente para que as pessoas votem contra si mesmas). Mas esse orgulho não veio, esse lenitivo não foi entregue. E não foi entregue pela ditadura, e não foi entregue pelo PSDB paulista, por Bolsonaro, e não será entregue tão rápido.Os nazi-fascistas perseguiram minorias. Para fazê-lo, arregimentaram o povo, palavra preferida do nazismo. E aqui, em minha caminhada, vejo um fusca azul cujos pneus flácidos espirram como anjos uma ascendente urina pluvial. Sinto falta de alguém ao lado, para que possa dar-lhe um tapa (uma brincadeira recorrente: quem vê um fusca azul tem direito a dar um tapa no amigo, que falhou em avistá-lo, de tal modo que o azul da esperança venha acompanhado de um pescotapa de realidade). E lembro-me que fusca vem da corruptela da palavra Volks, de Volkswagen, o “carro do povo” feito sob encomenda de Hitler a Ferdinand Porsche. Aqui, até o fusca me diz: o fascismo não é possível no Brasil.A coisa é: de Costa e Silva a Médici a Geisel a Bolsonaro, todos gostariam de ser fascistas. Mas gostariam de ser fascistas , não aqui. São, sim, fascistas, mas incapazes de criar um movimento de massas. Seus inimigos não são uma minoria, que possam enviar à ponta da praia. Os inimigos dos nossos fascistas são o próprio povo. Odeiam 70% da população do próprio país; não podem dizer publicamente o que realmente pensam (qualquer biografia de general do período militar o demonstra), e acham que devem trocar o próprio povo por japoneses; não são capazes de incitar nacionalismo porque, apesar de se acharem nacionalistas, não o são - nacionalista é quem, bem ou mal, adora uma ideia de povo; não são capazes de criar um grande orgulho nacional pois seu projeto de país vai de 1% a, no máximo, 30%, que são justamente aqueles que moram nas “Terras de Nápoles” e vão cortar o cabelo no “barber shop” - e isso quando muito, quando não se restringem a admirar apenas a plutocracia.

Seu nacionalismo é de fachada e seu sonho, quando tiram as camisetas de futebol com que tentaram durante o dia demonstrar algum apreço à população que desprezam, e colocam seus pijamas azuis com seus nomes bordados no bolso do peito, seu sonho, sua oração, é para que a população brasileira se branqueie. “Senhor”, dizem em sua oração, a boca torta por uma isquemia nervosa, “livrai-nos do mal”. Antes de chorar - os fascistas aqui são solitários, cruéis e impotentes, não conhecem nenhuma das formas do amor - dão uma piscadela, e com ela são capazes de acanalhar até mesmo a Deus.

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