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Valéria Dallegrave

Jornalista, escritora e dramaturga

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O filme A Onda e o Brasil que precisa ser resgatado

Se conseguirmos voltar ao trecho em que perdemos o caminho da democracia, é possível retomar rapidamente o crescimento, como nação, economia e humanidade

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Resolvi assistir a um filme que não tive coragem de ver quando estreou nos cinemas. Eu achei, na época, que sua principal mensagem seria a de que a natureza humana é propensa ao mal. Nada disso. A Onda (2009, disponível no youtube), muito além de falar da implantação de um sistema totalitário, fascista, em sala de aula, provoca reflexões sobre o que pode tornar atrativas as ditaduras, e porque elas devem ser evitadas, ou melhor, que consequências trágicas podem trazer. Hoje me dou conta: o que eu não quis testemunhar no cinema, precisei ver acontecer na realidade, entre as pessoas do meu convívio. Refletir sobre o filme, relacionando-o ao momento atual do país é doloroso, mas importante...  

O roteiro é baseado em experiência que teve lugar em uma escola de Palo Alto, Califórnia, em 1967, transportada, vejam só, para a Alemanha (há um filme estadunidense de 1981, também disponível no youtube). Curioso observar que, no início, os jovens consideram a história do nazismo entediante, por já a conhecerem de cor, e rejeitam totalmente a ideia de algo semelhante vir a acontecer novamente. Aviso: daqui para frente darei alguns spoilers do filme, caso você queira assisti-lo primeiro, deixe para concluir a leitura depois disso...

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O grupo de alunos descolados, como costumam ser os adolescentes (e o professor, no caso - uma identificação que irá aproximá-los), concordam em participar de um projeto diferente. Para entender o que seria uma autocracia, aceitam a proposta de, por uma semana, cumprir ordens do professor em aula. As “ordens”, em parte por exigência da própria docência, são aceitáveis, interessantes e até atrativas. Embora no primeiro momento a ideia de ficar de pé para falar seja incômoda, a explicação dos efeitos benefícios sobre o organismo, com a ativação do fluxo sanguíneo, é cativante. Da mesma maneira, marchar parece tolo, mas quando se mostra como uma forma de interferir na aula do professor “chato”, se reconfigura como algo divertido e levemente transgressor. 

Uma consequência imprevisível, a princípio, é que o sentimento de união provocado pelas ações executadas em conjunto começa a entusiasmar demasiadamente alguns participantes. Fora da sala, surgem novas ideias, mais transgressoras e perigosas, levadas a prática sem hesitar. Imprimir adesivos com a logo leva à ação de espalhá-los por toda a cidade, em espaços privados ou públicos, invadindo inclusive o campo simbólico de grupos de rua. Criar um cumprimento específico (tipo o sinal de arminha) passa logo à proposta de requisitá-lo como senha e torná-lo uma forma de poder, de exclusão dos que não pertencem ao grupo.

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O contato limitado do professor com os alunos (e seu ego satisfeito pelo poder adquirido), o impede de perceber os desdobramentos da experiência. A sensação de pertencimento a um grupo fechado empodera os jovens e, em alguns casos, modifica de forma significativa seu comportamento. O filme mostra essas mudanças de maneira direta e preocupante, o que leva naturalmente a estranhos momentos de suspense em situações banais, quando já compreendemos que algo violento vai acontecer. Tudo está em um crescente, até o professor descobrir algumas das consequências inesperadas fora do espaço da escola...

O que era para ser, para os estudantes, uma comprovação da falência dos sistemas autoritários transformou-se, surpreendentemente, em uma vivência positiva para alguns. Buscar o bem do grupo, e sentir-se apoiado por ele, deu aos jovens um significado maior à vida, ao levá-los além do individualismo tão determinante na modernidade. Há, exemplarmente, dois alunos que sofrem efeitos diferentes, de maneira bem... didática. O atleta destacado, quando provocado a refletir a respeito da influência do grupo sobre todos, e sobre si, reconhece que passou a agir de forma diferente. E isso o assusta.

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Já aquele que se sentia totalmente desprezado pelo pai e pelos amigos tornou-se o mais corajoso e dedicado participante da “Onda”, passando de invisível a valorizado. Isso realmente dá sentido a sua vida, e o realiza. Com conhecimento de pelo menos parte destas consequências, o professor percebe que foi longe demais e resolve dar um basta à “brincadeira”, o que vai gerar mais uma situação inesperada, e trágica. 

É inevitável comparar o roteiro com o que tem acontecido no Brasil, que nos fez chegar a este presente lamentável. Foi grande tristeza para mim, e para muitos, ver amigos e familiares se desfigurarem moral e fisicamente (o ódio muda a feição) ao se tornarem apoiadores de um candidato extremamente desqualificado (nos diversos sentidos da palavra). No coletivo, vimos um país que era respeitado internacionalmente, com um povo cheio de esperança em seu próprio futuro - a ponto de torná-lo uma esperança também para o mundo -, tornar-se subserviente a outros, e ser totalmente desmoralizado no campo internacional. Estamos passando, até mesmo, pela perda desnecessária de inúmeras vidas, como consequência de uma pandemia mais mortal em nossa terra, devido à ausência de um plano concreto e eficiente para seu controle, e a sucessão de equívocos, como o apego a remédios questionáveis e o pouco apoio aos profissionais da saúde. 

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No filme, a influência do professor sobre os alunos é lógica, ele é um adulto preparado para instruir, orientar, dar modelos de vida aos jovens. Isso, além da sua atitude descolada, claro, faz dele um líder natural. Em nosso país, por outro lado, as eleições do “líder” não foram nada naturais. Foram a consequência da compactuação de parte das instituições, que deveriam ter sido críticas e esclarecedoras, buscando o bem da sociedade, mas escolheram maquiar a personalidade e a experiência de um candidato inapto para torná-lo aceitável... 

Um parlamento sério e defensor dos direitos sociais e humanos não teria compactuado com a deposição de uma presidenta honesta, em uma distorção absurda de princípios, simulada de decisão democrática. Além do mais, teria punido imediatamente a homenagem a um torturador, realizada em plena casa do povo. Um poder judiciário condizente com o que representa, por sua vez, teria tomado atitudes mais justas, defendendo com dignidade a democracia, impedindo que um golpe fosse descaradamente dissimulado de impeachment. Uma imprensa que cumprisse o seu papel, de fiscalizadora dos outros poderes, teria destacado de forma clara toda essa encenação criminosa. Nas campanhas presidenciais, daria destaque à falta de atuação do tal candidato na vida política pregressa, e às inúmeras e deploráveis demonstrações públicas de um caráter com tendências violentas, discriminatórias, sádicas e, porque não dizer, doentias.

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A grande imprensa preferiu dar a este homem politico, até então invisível (no sentido de não ter demonstrado qualquer valor com sua atuação na arena política), roupagens de valoroso. Uma boa assessoria de marketing e algumas fake news o transformaram em um líder, um suposto atentado permitiu que assumisse o papel de mártir, além de justificar a ausência aos debates, algo como o Queiroz explicar o não comparecimento a depoimentos com problemas de saúde, que não o impediram, entretanto, de comparecer a bancos para realizar depósitos (há vídeos mostrando isso). 

Voltando ao filme, ele explicita o quanto o empoderamento exagerado de um indivíduo antes desprezado torna difícil, e até impossível a ele, abrir mão do poder conseguido. E é isso que aguardamos para assistir agora, na vida real, sem ter escolhido comprar um ingresso, infelizmente. Qual será o desfecho daquele que, sem qualquer condição para isso, tornou-se o homem mais destacado da política nacional, quando obrigado a confrontar sua verdadeira identidade? E os que fazem parte das instituições omissas ou coniventes, terão a coragem e a honestidade de reconhecer os erros que cometeram, que contribuíram para nos fazer chegar até aqui!? Deve-se cobrar de todos o mea culpa que foi repetidamente atirado ao PT... 

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Se conseguirmos voltar ao trecho em que perdemos o caminho da democracia, é possível retomar rapidamente o crescimento, como nação, economia e humanidade, reencontrar o trajeto que nos leve ao resgate dos valores perdidos. No momento, temos que ter esperança, decisão e persistência. Acima de tudo, precisamos acreditar em nossa capacidade, como brasileiros, de mudar a história do país de novo, tal qual ensina Lula, verdadeiro líder e professor. Ou, como disse João Guimarães Rosa, o que a vida [ainda] quer da gente é coragem... 

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